A Bolt prepara-se para adicionar duas novas funcionalidades à sua plataforma de transporte de passageiros, de forma a aumentar a segurança nas viagens. Depois de várias situações de assédio e de notícias de tráfico ilegal, onde os condutores não correspondem aos que aparecem na aplicação, a Bolt decidiu agir e vai agora controlar os motoristas.
Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, Nuno Inácio, responsável de ride-hailing da Bolt em Portugal, explica como serão as novas funcionalidades de segurança e quando as mesmas estarão disponíveis.
A plataforma criada na Estónia está a testar a funcionalidade de identificação facial dos motoristas inscritos na aplicação. O ‘Selfie Check’, como a empresa apelidou, tem como base o reconhecimento do rosto do utilizador, à semelhança do que os smartphones atuais já permitem para desbloquear o ecrã e aplicações.
“Já está em testes neste momento”, conta-nos Nuno Inácio. Esta funcionalidade “faz com que seja necessário, ao motorista, da mesma forma que hoje em dia se desbloqueiam os telemóveis, que faça essa selfie check”. No fundo, a ideia ao confirmar o rosto do motorista – antes de cada viagem – é a de “eliminar qualquer tipo de fraude que possa existir, ou seja, que o motorista que tem aquela conta é efetivamente o motorista licenciado e que corresponde à pessoa que está ao volante”.
Sobre este tema, o responsável reconhece que há problemas a resolver. “Sabemos que pode haver casos de fraude de venda de contas”. Embora os casos de uso indevido de contas, especialmente de denúncias contra as comunidades do Paquistão, Afeganistão, Bangladesh e Nepal, se tenham multiplicado nas redes sociais, os casos não são novos e muitos datam de 2018. Foi precisamente por casos de fraude de identidade que a Uber instalou um sistema de verificação em modo fotografia em 2019.
“Esta funcionalidade elimina na totalidade a fraude porque se não for o motorista da conta, a aplicação não abre e, portanto, não se consegue fazer a viagem”, sustenta Nuno Inácio, ressalvando que esta é “potencialmente a funcionalidade mais importante que vamos lançar”. Em última análise, sem que a viagem se realize com um condutor não avalizado pela empresa , o utilizador está mais protegido.
Mas quantos utilizadores deste tipo de plataformas já não teve uma viagem que não correu bem, deu má avaliação, e voltou a apanhar o mesmo motorista? Esta é a outra solução encontrada pela plataforma de ride-hailing: UnMatching.
“Se um utilizador tiver tido uma viagem que não tenha corrido bem, por qualquer razão, e der uma estrela a esse motorista, é automaticamente desemparelhado dessa pessoa. Essa pessoa nunca mais vai receber esse motorista nas isso viagens”, explica.
Basta que o utilizador não tenha gostado do serviço prestado ou que o motorista não tenha seguido o caminho apresentado pela aplicação que a estrela única é garantia. Assim, este unmatching evita padrões de comportamento, com o motorista a ser chamado para poucas viagens e a ter mesmo de alterar obrigatoriamente o seu comportamento para conseguir trabalhar.
E o que acontece quando o motorista tem demasiadas estrelas únicas, questiona o JE a Nuno Inácio, atirando para o ar se este é expulso da plataforma.
“A única razão pela qual podemos bloquear o motorista é por razões de segurança. Ou seja, se houver um caso de insegurança reportado pelo utilizador”, adianta o responsável da Bolt. “Hoje em dia é diferente do que era no passado”.
É por isso mesmo que o responsável da plataforma apela a que as denúncias de mau comportamento por parte dos motoristas ou de insegurança sejam feitas na aplicação, ou, em último caso, nas autoridades competentes. “Nós para fazermos os procedimentos que poderão resultar num bloqueio total deste motorista na plataforma, precisamos de processos que sigam esses trâmites. Já tivemos casos em que a polícia nos contactou e nós fornecemos a informação. Por isso é que pedimos para reportarem na aplicação mas também às autoridades competentes, que depois nos pedem mais dados e nós sabemos exatamente qual é o motorista e a viagem específica”.
“Outros casos são os de fraude, em que temos conhecimento de que o motorista que está a conduzir não é aquele que está na conta. Outra opção, nos processos que identificamos, na verificação de documentos, é a falsificação de algum documento, que também pode acontecer e aí bloqueamos permanentemente o motorista”. São nestes casos que o Selfie Check vai fazer a diferença e aumentar a segurança dos utilizadores.
“Tirando esses casos, por uma questão de lei, não podemos bloquear e expulsar motoristas”, atira, voltando a apelar à denúncia nas plataformas devidas e às autoridades.
Uma dúvida que paira no ar: como os motoristas vão alternando entre plataformas, o Selfie ID vai estar sempre acionado?
“Acredito que muito dificilmente um motorista consiga alternar de uma aplicação para outra sem acionar esta funcionalidade. Imagino que os nossos concorrentes também tenham esta funcionalidade ou estejam a desenvolvê-la, e é muito difícil que o motorista ultrapasse a função nas aplicações porque os documentos pedidos são os mesmos, a não ser que estes sejam falsificados”.
Por isso, Nuno Inácio explica que o motorista, caso não corresponda à pessoa inscrita na aplicação, será bloqueada, independentemente de andar a alternar entre aplicações de TVDE.
Ambas as funcionalidades deverão entrar em vigor até ao fim do verão, entre agosto e setembro, dependendo dos resultados finais dos testes. “Estamos a apontar para o final do verão, agosto ou setembro. Mas os testes servem precisamente para afinar as funcionalidades mas certamente que até ao final do ano as estaremos a funcionar em pleno. Ainda assim, o nosso objetivo é até ao final do verão”.
Quais as funcionalidades de segurança atuais?
“Desde o momento zero que a Bolt sempre priorizou a segurança nas viagens. E é alinhado à nossa missão que dispomos de algumas medidas de segurança”, diz-nos o responsável da plataforma.
Atualmente, esta plataforma dispõe da funcionalidade de partilha de viagem, onde o utilizador envia a sua localização a alguém para a acompanhar, independentemente de ter ou não a app instalada.
Trata-se de um link enviado dentro da aplicação para outra pessoa, sendo que qualquer um consegue ver essa partilha de localização e acompanha, em momento real, a viagem e a pessoa que está dentro do carro a deslocar-se.
Outra funcionalidade quase direta às autoridades portuguesa é o SOS Button. A aplicação dispõe de um botão digital discreto que aciona a equipa in house portuguesa, que Nuno Inácio admite trabalhar “24 sobre 7”, que posteriormente avisa as forças de segurança nacionais.
“Qualquer pessoa pode clicar, de forma discreta, e é enviada uma notificação à nossa equipa, que caso necessário entra em contacto com as autoridades e o 112”, diz.
“Quando, numa viagem, uma pessoa carrega no botão, automaticamente esta equipa entra em contacto com as autoridades em tempo real e informa os dados da viagem para que estes possam atuar de forma imediata”. Posteriormente, o tempo de ação é definido pela polícia, analisando a urgência e se existem agentes disponível para agir.
Demasiados casos para ser verdade?
Nuno Inácio regressa à sinceridade, mesmo numa conversa à distância, onde diz saber de casos reportados nas redes sociais. “Muito honestamente, acho que há um empolamento da realidade”. “Nas nossas métricas e nos casos que nos são efetivamente reportados, sejam diretamente ou através da policia, não vemos essa quantidade tão grande que justifique todo este burburinho nas redes sociais”.
“Temos alguns casos reportados, sim, mas são face ao número de viagens marginais”, diz, voltando a reforçar o apelo de denúncias.
“Acho que há um empolamento deste casos e as redes sociais ajudam muito nisto. Os casos que nos são reportados são marginais”. E o que significa isto? Que as pessoas recorrem mais às redes sociais do que, propriamente, aos canais oficiais de denúncia, a própria plataforma ou a polícia.
“Se isto fosse massificado era impossível, do lado da plataforma ou das autoridades, isso não ser visível. Se fosse massificado, era impossível não vermos esse aumento exponencial de casos”, adianta.
É por isso mesmo que a Bolt está a introduzir novas funcionalidades tecnológicas que permitem salvaguardar a segurança dos utilizadores.
“Nós, de forma tecnológica, porque somos uma plataforma tecnológica, introduzimos novas funcionalidades para diminuir ao máximo esses riscos. Sabemos que é impossível reduzir até zero, mas [queremos] diminuir ao máximo esses riscos”.
Por isso mesmo, os conselhos intensificam-se e a Bolt mostra-se mesmo disposta a trabalhar com o regulador da mobilidade em Portugal esperando ainda que com a introdução das novas funcionalidades “estes casos vão diminuir ainda mais, mesmo sabendo que não são massificados”.
Ainda assim, Nuno Inácio sustenta que “não há caso que seja reportado e que não seja investigado”, ainda que o motorista não possa ser bloqueado por lei.
Trabalhar com o regulador
A plataforma de ride-hailing, que se insere no transporte individual de passageiros em veículo descaracterizado, mostra-se pronta para trabalhar diretamente com o regulador, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), para resolver várias questões que estão a afetar a segurança dos seus clientes.
Depois das notícias de tráfico humano nas redes de TVDE, nomeadamente na Grande Lisboa, e das escolas de condução estarem a compactuar com a venda de licenças verdadeiras para que estrangeiros possam trabalhar nas plataformas, a Bolt diz que o processo de licenciamento deve ser melhorado.
“Acho que há espaço para a melhoria do processo de licenciamento. Estamos neste momento num período de potencial revisão da lei TVDE e estamos completamente dispostos a trabalhar com o regulador no processo de licenciamento para que este seja mais eficaz”, adianta Nuno Inácio ao JE.
“Nós, plataformas, é muito difícil, se o documento for verdadeiro, não podemos não aceitar o motorista que está certificado pelo IMT. Se for certificado pelo IMT é virtualmente impossível rejeitarmos esse motorista porque nos apresenta um documento válido. Nem podemos, por lei, não permitir a inscrição desse motorista porque este tem uma licença válida”.
“Acho que, na revisão da lei, as plataformas devem e irão certamente trabalhar com o regulador para melhorar. Até no processo de licenciamento há possibilidades de melhoria. Hoje em dia, o exame final da certificação é feito online e poderá, potencialmente, ser feito presencialmente. Poderá ser feito numa entidade independente, no IMT por exemplo, em vez de ser feito em escolas de condução”, dá a hipótese.
De relembrar que no passado mês de maio, a presidente da Associação Nacional Movimento TVDE (ANM-TVDE), alertou para o facto de existirem ilegalidades praticadas pelas escolas de condução quando se fala dos exames para a admissão aos TVDE. Ângela Reis, também em entrevista ao JE, defendeu, à semelhança de Nuno Inácio, que o exame final deve ser feito por uma entidade governamental e não nas escolas de condução.
Portugueses continuam a liderar na entrada de motoristas
O JE questionou ainda o responsável da Bolt em Portugal sobre o número de motoristas e quais as nacionalidades em maior número.
Continuando a admitir novos motoristas diariamente na aplicação, seguindo as regras e pedindo os devidos documentos para certificação, Nuno Inácio assegura que esta é “uma indústria que está em crescimento”.
“Diria que é uma indústria atrativa para os motoristas. Temos um fluxo constante e normal alinhado com a procura de motoristas a entrar na plataforma, da mesma forma que também temos motoristas que, por alguma razão, querem abandonar a indústria. Mas o balanço é claramente positivo”, confessa.
Confrontado com os números atuais, o responsável diz que “parecendo que não, continuam a ser mais portugueses que estrangeiros”, embora não nos consiga fornecer exatamente as estatísticas atuais.
Ainda assim, atira rapidamente: “Claro que isto é uma indústria especialmente atrativa para quem chega a Portugal, porque muito rapidamente conseguem fazer o curso e começar a trabalhar e é até uma forma de integração destas pessoas na sociedade”.
“Se calhar, muitos evoluem para outras profissões, outros até criam as suas próprias empresas e se estabelecem na indústria TVDE mas, na sua maioria, continuam a ser portugueses”.