A consultora Deloitte foi alvo de buscas da Polícia Judiciária (PJ) na ação despoletada na semana passada pelo Ministério Público que investiga a utilização de fundos de natureza pública, em contexto político-partidário, por suspeitas de peculato e abuso de poder que recaem sobre o antigo líder do PSD Rui Rio e outros responsáveis sociais-democratas, como o deputado Hugo Carneiro, responsável pelas contas do partido durante a liderança de Rio.
Em causa está um estudo que a consultora realizou, em 2020, sobre reestruturação salarial dos funcionários do partido e da Assembleia da República e que acabou por ditar cortes salariais a assessores do PSD no Parlamento. O documento foi também solicitado pela PJ ao antigo líder do PSD, tendo Rui Rio entregue o estudo que se encontrava no seu computador às autoridades judiciais no dia em que foi alvo de buscas na sua casa no Porto.
“Foi solicitada a disponibilização de informação relativa a um estudo organizacional, realizado pela Deloitte em 2020. No seguimento deste pedido, disponibilizámos o relatório com informação detalhada deste trabalho”, confirmou ao Jornal Económico fonte oficial da consultora quando questionada sobre as buscas que tiveram como objetivo a obtenção do estudo encomendado pelo PSD em 2020.
A investigação pretenderá saber os critérios que foram usados pela consultora neste estudo sobre custos, tarefas e avaliação salarial dos funcionários do PSD e da Assembleia da República.
O JE sabe que os inspetores da PJ solicitaram na quarta-feira passada, 12 de julho, este estudo a Rui Rio que seria o único documento relativo ao partido que continha no seu computador pessoal e que acabou por entregar às autoridades. Já do computador do deputado Hugo Carneiro acabaram também por ser levadas as fichas dos militantes do PSD e as contas do partido que incluem os gastos com as autárquicas em 2017, que na maioria dos casos só foram liquidados em 2018 – ano que a PJ fez referência no seu comunicado ao dar conta de que “a investigação em curso, visa factos que remontam ao período de 2018 a 2021”, período que abrange a gestão de Rui Rio.
O tipo de documentação levada pela PJ levou mesmo o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, a reagir junto da procuradora-geral da República (PGR) numa carta enviada a Lucília Gago, onde critica a “grande desproporcionalidade” entre as buscas e o objeto da investigação, “devassa da vida privada” e falta de respeito “pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade” no âmbito das buscas que a Polícia Judiciária e o Ministério Público fizeram às sedes do partido e às casas de alguns social-democratas, incluindo a de Rui Rio.
O estudo da Deloitte encomendado por Rio para uma reestruturação salarial foi apresentado aos funcionários do partido e trabalhadores do grupo parlamentar no final de junho de 2020 através de um PowerPoint com grelhas de ordenados para cada função, que identificam os valores que eram pagos na altura e novos valores apresentados como vencimento final, num plano que previa cortes que podiam chegar aos 1.400 euros.
O objetivo de Rui Rio era uniformizar os salários para as mesmas categorias que, no caso dos funcionários da Assembleia da República, “eram muito díspares” dado que os vínculos eram diferentes para funcionários do Parlamento e do partido, segundo fonte social-democrata avançou ao JE. Recorde-se que no grupo parlamentar os funcionários são escolhidos por nomeação política e podem ser exonerados sem qualquer indemnização, já quem trabalha no partido tem contrato de trabalho.
O processo de avaliação e estudo acabou por culminar numa reunião com funcionários do PSD e do grupo parlamentar com o secretário-geral adjunto Hugo Carneiro (com o pelouro financeiro) com o anúncio de cortes a alguns funcionários logo no mês seguinte num processo negocial, caso a caso, em que nalgumas situações até podia representar um aumento salarial.
A maioria dos cortes registou-se nos funcionários do grupo parlamentar que tinham salários mais elevados, dado não terem contrato. A mesma fonte salienta aqui que, no caso dos assessores, os valores poderiam chegar aos 3.600 euros brutos, mas que o máximo de cortes que acabou por se aplicar foi de 300 euros.
Descontentamento de cortes salariais leva a denúncias no MP
O descontentamento dos cortes salariais está na base da denúncia anónima que foi feita no verão de 2020 sobre a forma de pagamento de salários a alguns funcionários da sede nacional e que deu origem a inquérito que, na semana passada, desencadeou a ação com cerca de 100 inspetores e peritos para buscas na casa do ex-presidente do PSD Rui Rio e na sede nacional do partido, por suspeitas dos crimes de peculato e abuso de poderes.
Em causa, estão suspeitas de um alegado uso indevido de dinheiros públicos, através de verbas da Assembleia da República definidas para a assessoria dos grupos parlamentares e que seriam utilizadas para pagar funcionários do partido que não trabalhariam no parlamento.
Os assessores do PSD terão recebido cerca de 200 mil euros do parlamento para custear a prestação de serviços de uma dezena de contratos de assessoria na Assembleia da República entre 2018 e 2021, que, segundo a justiça, terão servido para pagar os salários de colaboradores que, na realidade, trabalhavam para o partido. Mas alguns destes casos, segundo a mesma fonte, justifica-se pelo facto de assessores prestarem serviço ao partido e, em simultâneo, ao grupo parlamentar, sendo que os pagamentos eram divididos pelo partido e subvenção do GPPSD consoante o tipo de serviços prestados.
Na semana passada, Rio considerou que o objetivo das buscas domiciliárias de que foi alvo é afetar a sua imagem, afirmando que os pagamentos em causa "não são ilícitos". O ex-presidente do PSD insistiu que esta forma de pagamento a funcionários do partido via parlamento "é uma prática na Assembleia e nos partidos todos".
"As pessoas podem considerar bem, podem considerar mal. Isto vem a público porque estávamos a trabalhar no sentido da reestruturação dos recursos humanos", disse Rui Rio numa alusão ao estudo que encomendou, em 2020, à consultora Deloitte e com base na qual mexeu na grelha salarial dos funcionários do partido e do grupo parlamentar com o argumento de acabar com "injustiças salariais", mas que gerou descontentamento em parte dos trabalhadores.