O grupo EDP concluiu com sucesso a sua oferta pública de aquisição (OPA) sobre a EDP Brasil com o objetivo de retirar a subsidiária de bolsa. A elétrica passou a controlar 88% da companhia, indo agora proceder à retirada da empresa de mercado, com o objetivo de agilizar a sua gestão, sem necessidade de consultar os minoritários para decisões estratégicas, nem de pagar dividendos.
A companhia está presente no mercado brasileiro desde 1995, contando com duas concessões de distribuição de eletricidade, com mil milhões de ativos regulados. Ao mesmo tempo, tem 2,2 mil kms de redes de transporte de eletricidade, outros mil milhões de euros de ativos regulados. Em termos de energia hídrica, conta com dois gigawatts instalados.
A EDP - Energias do Brasil conta com 2,7 gigawatts (GW) de capacidade instalada, um EBITDA de 5,3 mil milhões de reais (992 milhões de euros) em 2022, está presente em 15 estados, com 3.300 trabalhadores, e 3,8 milhões de clientes nos estados de São Paulo e de Espírito Santo.
Miguel Stilwell de Andrade já garantiu que a EDP está preparada para manter a aposta no país do futuro, com um investimento de "cerca de 30 mil milhões de reais [5,6 mil milhões de euros] ao longo dos próximos cinco anos”, disse o CEO do grupo EDP em entrevista à “Reuters” publicada na sexta-feira. “Queremos criar o máximo de valor aqui e contribuir para a transição energética do Brasil”.
Tal como previsto no plano estratégico da companhia até 2026, o objetivo é o foco no crescimento das redes reguladas, na energia solar descentralizada (objetivo são 400 megawatts), assim como na energia solar centralizada e eólica. A empresa também prevê reduzir a sua exposição ao Brasil, com o mercado a passar de pesar 25% no EBITDA do grupo para os 14% em 2026.
Outra das apostas poderá ser o hidrogénio verde, com a entrada num consórcio que quer criar um projeto de exportação de hidrogénio verde para a Alemanha, com a EDP a fornecer energia verde ao projeto.
A EDP Renováveis conta com 1,1 gigawatts de capacidade instalada no Brasil, prevendo instalar outros 1,1 gigawatts: 900 megawatts de energia eólica e 200 megawatts de energia solar.
Em conversa com o Jornal Económico, o analista Bernardo Viero, da casa brasileira Suno Research, explica quais os principais desafios e oportunidades da elétrica nacional no país irmão.
Questionado sobre se foi uma boa operação para o grupo EDP, o analista considera que sim. "Tendo em vista que a EDP aumentou relevantemente a sua participação em um negócio defensivo, rentável e gerador de caixa, ao qual atribuímos uma faixa de valor justo cerca de 25% superior ao preço aceito pelos investidores na oferta".
E também destaca que a EDP "conseguiu acertar um timing praticamente perfeito com a oferta, tendo em vista que imediatamente após o preço ser definido, vimos o mercado brasileiro ganhar impulso, fazendo os principais pares da companhia subirem cerca de 23% na média (Índice de Energia Elétrica - IEE, do dia 02/03 ao dia 11/07). Se a oferta tivesse sido proposta alguns meses depois, provavelmente o controlador precisaria pagar mais caro para tirá-la da bolsa".
O analista destaca que o "negócio foi melhor" para a EDP do que para os minoritários. "Na ocasião em que o desejo de oferta foi manifestado, ainda que abaixo do valor que consideramos justo para a companhia, o preço atribuído era atrativo pois com o prémio oferecido, os minoritários poderiam migrar para oportunidades que seguiam negociando com desconto relativo mais relevante. Conforme as demais companhias do sector foram reprecificadas para cima do anúncio até a conclusão da oferta, ela perdeu atratividade para o minoritário que, ainda assim, não impôs grandes dificuldades de aceitação".
Sobre quais as mais-valias do mercado brasileiro para o grupo EDP, Bernardo Viero salienta que "com um arcabouço regulatório bastante sólido e maduro, o mercado brasileiro de energia elétrica oferece ao grupo boas vertentes de crescimento, tanto em redes quanto em geração".
"A EDP Brasil ainda dispõe de uma ampla avenida para substituir a sua base de ativos já depreciada em suas distribuidoras, o que ao longo do tempo deve significar reconhecimento tarifário dos investimentos, aumentando a remuneração do negócio", acrescenta.
E salienta: "Atualmente, investir em transporte [em muito alta tensão] e produção tem se tornado mais complexo, considerando os preços de energia em patamares historicamente baixos, que em muitos casos não justificam os investimentos necessários para a construção de uma central, ao passo que os leilões de linhas de transporte seguem com concorrência elevada pressionando o nível dos retornos".
"Como a EDP Brasil é uma empresa integrada em toda a cadeia de energia elétrica brasileira, a companhia consegue navegar a ciclicidade da atratividade dos investimentos em todos os segmentos em que atua, sempre alternando o foco para a frente que está oferecendo maior rentabilidade sobre o capital investido", defende o analista da Suno Research.
Sobre os maiores desafios que o grupo EDP enfrenta no mercado brasileiro, o analista começa por destacar que a EDP "pretende diversificar a matriz de geração da EDP Brasil, diminuindo a exposição hídrica e térmica com desinvestimentos aliados à adição de geração solar".
"A estratégia é desafiadora na medida em que os preços para os novos contratos de geração estão muito baixos, diminuindo a atratividade dos investimentos na construção de novas centrais solares", considera.
Em relação às perspetivas para o sector energético no Brasil nos próximos anos, Bernardo Viero destaca vários segmentos.
"Nos negócios de distribuição, espera-se um crescimento médio de 3,4% ao ano no consumo de rede até 2032, com cenários pessimistas e otimistas podendo entregar um crescimento anual médio na ordem de 2,8% e 4,1%, respectivamente. Isso deve ocorrer com um impulso no número de unidades consumidoras e consumo médio por unidade".
Na produção, "ainda pesa a pressão baixista sobre os contratos convencionais e incentivados de longo prazo para a comercialização de energia, que atinge de sobremaneira as geradoras que precisam, periodicamente, recontratar os seus balanços energéticos. Todavia, como o mercado mantém uma visão pessimista a despeito do histórico cíclico dessa variável, qualquer retomada no nível de preços mediante um aumento acima do esperado no volume consumido, ou de um período chuvoso abaixo da média histórica, pode suscitar uma reversão nos preços e melhorar o cenário para as empresas".
Já no segmento de transporte, nos próximos dez anos "deverá oferecer oportunidades de investimento de 142,6 mil milhões de reais (26 mil milhões de euros) para a construção de novas linhas a serem leiloadas".
"Estimando receitas anuais contratuais de cerca de 10% dos investimentos necessários para a construção desses ativos, em valores atuais podemos projetar mais 14,3 mil milhões de reais (2,6 mil milhões de euros) de receitas de novos contratos sendo adicionadas ao mercado, representando um crescimento próximo de 30% em relação ao que se observa hoje", afirma.