Depois de várias décadas de crescimento, o sistema científico português está "em estagnação" desde 2011, o financiamento público regrediu para níveis de 1991 e, hoje, é metade da média da OCDE em percentagem do PIB". O diagnóstico é feito em traços alarmantes no livro "O Futuro da Ciência e da Universidade”, coordenada por Maria de Lurdes Rodrigues, reitora do Iscte e antiga ministra da Educação, e Jorge Costa, vice-reitor da instituição, a que o Jornal Económico teve acesso.
Eis alguns dados: em 2010, a despesa pública em ciência tinha chegado a 0,54% do PIB, mas os quatro anos seguintes de políticas orçamentais determinadas pela Troika impuseram-lhe um severo travão. Em 2021 Portugal tinha regredido para 0,32% – a média da OCDE nesse ano foi de 0,74%, mais do dobro.
“O problema é que o financiamento público da ciência pelo Orçamento de Estado baixou para níveis iguais aos de 1991, justamente o ano em que José Mariano Gago publicou o ‘Manifesto para a Ciência em Portugal’”, diz Maria de Lurdes Rodrigues, que é autora do texto “Renovar o compromisso com a política de ciência” que abre um dos capítulos do livro. A reitora defende a necessidade de recuperar níveis de investimento público que permitam continuar a desenvolver o sistema científico português e fazê-lo retomar a rota que estava a seguir desde os anos 90 do século XX.
“A ciência e o desenvolvimento científico são hoje desafios cruciais que se colocam a Portugal”, salienta Maria de Lurdes Rodrigues para quem o Estado precisa renovar o seu compromisso com a ciência. “É necessário dar estabilidade e perspetiva de futuro aos investigadores e às unidades de investigação. É necessário reconhecer e reforçar o papel das universidades na investigação. É necessário definir objetivos e metas que apontem um caminho e uma ambição para a ciência produzida em Portugal”, enumera. “O declínio do investimento público em ciência em Portugal tem de ser invertido: um novo compromisso com a ciência e a política científica requer mais investimento público.
O Orçamento do Estado para 2024, cuja proposta foi entregue no Parlamento, mantém o status quo. Tal como o Jornal Económico escreveu, o aumento de dotação previsto para a Fundação de Ciência e Tecnologia – FCT é somente de 5%, abaixo da inflação verificada, ao contrário de outras áreas.
Maria de Lurdes Rodrigues e Jorge Costa apontam ainda outro problema: o financiamento do sistema científico “está hoje quase totalmente dependente de fundos europeus, o que se traduz na subordinação do sistema científico nacional a lógicas e a prioridades definidas por instituições externas”.
Além das questões relacionadas com o financiamento, funcionamento das unidades de investigação e carreiras dos investigadores, uma segunda prioridade atravessa “Futuro da Ciência e da Universidade”: a necessidade de as universidades portuguesas se abrirem mais ao mundo e de contribuírem de forma mais efetiva para a qualificação das pessoas e das instituições do país, designadamente, “através de estratégias e práticas de valorização do conhecimento”, como defende Pedro Saraiva, da Universidade Nova.
As tecnologias digitais são apresentadas por João Miguel Costa, da Universidade do Minho, e Margarita Correia, da Universidade de Lisboa, como instrumentos aptos para inovar pedagogicamente e para chegar a novas geografias, a novos públicos e afirmar o português como língua do conhecimento.
"O Futuro da Ciência e da Universidade” tem chancela da Almedina e vai ser apresentado esta quinta-feira, 19 de outubro, na Escola de Direito da Universidade do Minho, em Braga, chegando em simultâneo às livrarias. O prefácio é do físico Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, e o texto que encerra o livro foi proferido por Elvira Fortunato, a cientista que é ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, no Encontro Nacional “Universidades: Chave para o Futuro”, que se realizou no Iscte a 7 de dezembro de 2022.
O livro reúne textos com as intervenções dos participantes no encontro e os debates que decorreram ao longo desse dia. Incluiu assim textos do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e do presidente do Conselho de Reitores, António Sousa Pereira, reitor da Universidade do Porto, bem como o registo dos debates coordenados pelos reitores de Lisboa, Luís Ferreira, do Minho, Rui Vieira de Castro, de Coimbra, Amílcar Falcão, da Nova de Lisboa, João Sàágua, e de Évora, Hermínia Vilar.
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