Em entrevista ao Jornal Económico, o CEO da La Redoute Portugal, Paulo Pinto, explica a mudança de estratégia da marca, a importância do mercado nacional no grupo e o segredo do sucesso dos investidores franceses por cá.
Como tem sido o negócio da La Redoute este ano? Que variação sofreu em relação ao ano passado?
No primeiro trimestre passámos por mais dificuldades do que aquilo que têm sido os anos anteriores. Por dois grandes motivos: primeiro, pela estrutura económica do país, em que o consumo tem sentido uma menor apetência no meio digital e mais no offline. Segundo: porque a La Redoute está aqui numa evolução do seu modelo económico para se consolidar como ator no mundo da casa, em detrimento do mundo do fashion, do têxtil. E é evidente que essas evoluções levam a uma necessidade de calibragem, mas nada de preocupante.
Essa mudança não é, obviamente, só em Portugal…
É no grupo todo. A ideia é a seguinte: o La Redoute Groupe foi adquirido efetivamente a 100% – já tinha sido comprada a 50%, mas não havia ainda uma efetivação de gestão. No ano passado, nomeadamente desde o último trimestre do ano passado, o grupo Galeries Lafayette assumiu 100% do grupo. Temos um novo board e a orientação hoje em dia é a de consolidar uma estratégia muito específica para todos os mercados: nesta estratégia predomina um grande investimento à volta do mundo da casa. É evidente que isso traz alguns acertos, mas isso é normal. Ou seja, nós estamos muito, muito entusiasmados com a estratégia alvo para o futuro. Isto porque compreendemos perfeitamente que, hoje em dia, no mundo fashion o preço, o desconto hoje é a Shein, ontem era a Primark, amanhã será outro. Ou seja, é um mundo que flutua mais, onde há um índice concorrencial muito, muito forte, onde – à exceção do grupo Inditex – toda a gente sofre muito, muito, muito. E nós, como tínhamos algum histórico do mundo da casa com as nossas marcas, decidimos enfatizar e desenvolver mais essa área.
A que se refere quando diz o "mundo da casa"?
Quando digo o mundo da casa, estou a referir-me essencialmente a duas grandes famílias: os móveis e o têxtil-lar. Que ainda por cima é muito comprado em Portugal. Compramos muito no Norte de Portugal. No nosso país há uma grande tradição nessa área e sempre fomos muito fortes.
Essa viragem para a casa, não coloca uma pressão exponencialmente maior sobre a cadeia logística?
Não, de todo. O sucedeu foi o seguinte: no nosso país e em muitos outros países na Europa foi mais lenta, exactamente por aquilo que está a dizer. Porque, de facto, a cadeia logística na casa mãe, em França, tinha mais maturidade. Mas neste momento a nossa cadeia logística está muito bem organizada. Temos players portugueses no last mile que fazem um trabalho muito, muito bom. E toda a cadeia europeia já está, em termos de fluxo de transportes internacionais, está muito mais bem montada do que aquilo que estava no passado. Ou seja, nós hoje se somos muito eficientes – num país como o nosso, porque o país é pequeno – na distribuição com um chofer, já começamos a ser muito, muito interessantes na distribuição com dois choferes, por causa da carga. E isso foi uma coisa que foi evoluindo, não por causa de nós, mas por causa de actores como a Leroy Merlin, a Decathlon, nós e outros com peças muito maiores, que vieram trazer escala ao mercado para este tivesse uma curva de experiência muito mais adequada.
Com quem é que vocês trabalham no last mile? É um contrato único ou são vários?
Não, são vários. Por exemplo, naquilo que são os móveis temos duas grandes entidades: Logic e a Logic Simple, duas empresas portuguesas. E no têxtil temos dois actores, os CTT e a DPD, ex-Chronopost.
E a nível da produção, estão a fazer alguma alteração de estratégia também? Depender menos de localizações mais remotas?
Não só por questões de CSR (responsabilidade social corporativa), mas queremos comprar mais na Europa por caso das questões da pegada de carbono, etc. Em Portugal nós (La Redoute Portugal) nós não compramos. Abrimos portas, mas nós não compramos. Mas o nosso grupo gosta e tem uma grande empatia com o mercado português. A La Redoute procura parceiros em Portugal porque nós temos qualidade, nós temos uma indústria que produz bem. É verdade que produz melhor e mais caro – felizmente para o país e infelizmente para mim – que soube evoluir. Nós falamos muitas vezes do mercado do calçado, mas na realidade é injusto. Muito da indústria cresceu da mesma forma que o calçado, procurando nichos ou procurando produtos de mais valor acrescentado. Por isso, a La Redoute procura, sempre que possível, poder trabalhar em Portugal ou na Europa. Isto por um conjunto de motivos que todos nós conhecemos.
São os mesmos que vimos materializados durante a pandemia?
A pandemia foi um expoente, mas já havia problemas antes. Vimos bem a crise dos contentores logo após a pandemia, que hoje em dia já não existe. Mas vimos também, infelizmente, um desinvestimento europeu na indústria, com uma penalização da indústria europeia. Nós, Portugal, soubemos resistir porque apostámos em determinados nichos. Nitidamente que a produção portuguesa é vista hoje em dia na Europa como uma produção de alto padrão qualitativo. O padrão qualitativo de Portugal é muito, muito bom. Agora, verdade seja dita, nós vivemos num mercado onde toda a Europa sofre um pouco uma crise económica. Estamos a falar de recessão na Alemanha, estamos a falar de uma velocidade de crescimento muito menor na China, isto quando existe uma procura de produtos de melhor qualidade.
Há aqui todo um mercado que – evidentemente que o aumento do custos das matérias-primas veio mudar um pouco as regras – mas a procura daquilo que é a compra de proximidade é inequivocamente uma orientação de muitos players na Europa.
Estamos a entrar numa crise, a caminhar para uma recessão clara. Este é o momento, ou o tipo de crises, que é mais prejudicial para empresas como a La Redoute?
Repare, o que acontece é o seguinte: o evoluir da estratégia da La Redoute que está a ser apresentada aos colaboradores – o board já a apresentou aqui em Portugal – vem tentar responder àquilo que eu estou a dizer. O massmarket é cada vez mais competitivo e nós estamos a posicionar a La Redoute como uma marca e não mais como um distribuidor. E as pessoas vão procurar no futuro valor acrescentado, valor à volta da marca. Daí essa viragem da La Redoute.
Se tiverem dinheiro para o fazer...
Sim, sim. É evidente que há a problemática do dinheiro, mas também há a problemática do consumo feito pelo impulso e do consumo feito pela valorização do produto. Nós, durante muitos anos, tivemos numa fase de marketing de consumo e hoje queremos, totalmente, evoluir para o marketing de produto, valorizando dois ou três aspetos.
Pode explicar-nos quais são esses aspetos?
Primeiro: o cliente continua a estar no centro das nossas preocupações, como estava no passado, mas agora ainda mais. Ou seja, o cliente é a pessoa mais importante que temos na organização e é ela que nos diz por onde temos de ir. Segundo aspeto: o produto em si, que é um produto que temos que usar, que não o produto banalizado, que responde ao ecossistema social e ambiental presente e é um produto que se diferencia e que cria também um estilo único, um estilo para a pessoa, para não fazer somente um ambiente dentro da casa semelhante ao nórdico, como outros têm. Há estilos para cada pessoa, há designers, etc. Mas a um preço mais competitivo do que aquilo que é um design tradicional, mais de luxo ou mais personalizado e mais caro, como muitas vezes o design italiano.
Como é que se compete com o IKEA nesse ponto?
O IKEA tem feito um trabalho extraordinário, e temos que saber reconhecer isso, porque veio permitir aos portugueses, como o Leroy Merlin, terem uma apetência para a casa diferente daquilo que era no passado. Onde é que nós nos queremos posicionar? É justamente num segmento ligeiramente diferente daquilo que é o IKEA. É útil para muita coisa básica, mas para algo com um pouco mais de estilo, uma coisa mais trabalhada e que crie uma imagem, um conceito, um ambiente, uma atmosfera específica, venham ter connosco. E há quem combine as duas coisas. É um pouco como o mundo do têxtil. Muitas pessoas hoje em dia combinam o que produz a Primark, e outros de primeiro preço, pontualmente com peças de luxo ou de marcas, ou de designers. Hoje em dia cada um pode conseguir conjugar inteligentemente, dentro daquilo que é o seu porta moedas, vários estilos.
Pessoas para quem um lençol não é só um bocado de pano qualquer.
É verdade. Nós temos consumidores com percepções de vida e filosóficas diferentes. E, como disse, aquilo que para uns é um simples lençol que serve para uma determinada função, para outros há todo um histórico, há todo um conceito ambiental, social, que se valoriza.
No âmbito desta nova estratégia em marcha no grupo inteiro, Portugal desempenha algum papel?
Depois da casa-mãe, em França, Portugal é o segundo país onde temos mais colaboradores. Porquê? Porque nós, para além de termos a marca comercial, nós temos tudo o que é o Centro de Engenharia Informática está aqui em Portugal. Ou seja, aquilo que é o desenvolvimento intelectual, a engenharia informática do backoffice e amanhã do frontoffice está a ser feita cá. E também temos tudo o que é o accounting financeiro aqui em Portugal. Ou seja, o nosso papel é muito, muito importante, porque temos aquilo que nós chamamos – em termos tradicionais – serviços partilhados, que servem de suporte à nossa estratégia. No restante, temos outras valências que são internacionais, mas que são pontuais, que dependem muitas vezes da qualidade, do talento do colaborador.
Agora, o que é inequívoco é que Portugal, num grupo como a La Redoute, é visto como uma fonte de qualidade em termos de trabalho: mão de obra, capacidade de trabalho e capacidade tecnológica e de inovação. Não é só visto pela questão do custo. Isso está no passado. Hoje em dia vê-se competência, resiliência, compromisso. E esses termos resumem tudo. O português é desenrascado, é resiliente, já passou as crises todas que nós conhecemos, fizemos o país que conhecemos. E essa capacidade de adaptação, ágil é muito valorizada lá fora. Mas os técnicos portugueses, primeiro, já não são baratos. Mas mesmo assim, esquecendo a questão do salário que pagamos, vejamos a questão das taxas. Em Portugal as empresas pagam 23,75% (em contribuições sociais) e em França pagamos 48%. Só o custo social de um colaborador é muito mais caro lá fora do que aqui.
Como é Portugal contribui para as vendas do grupo? Tem vindo a decrescer, a crescer?
Não, está estável. Portugal fatura mais que uma Espanha, que uma Itália, por questões históricas. Mas agora é evidente que o nosso país é um país pequeno, de 10 milhões. Temos mantido o nosso market share interno no grupo. Temos mantido e não é fácil mantê-lo. A quota de mercado que a La Redoute Portugal tem no grupo? Nós faturamos cerca de 3% das vendas do grupo a nível mundial.
E isso é quanto em facturação?
Isso não divulgamos. (risos)
Temos imensos investimentos franceses em Portugal – BNP Paribas, Vinci, Decathlon, SAUR, entre muitos outros – o que é se está a passar com esta nova paixão de França por Portugal?
Sempre foi. Primeiro, em termos de consumo. Eu estive muitos anos e conheço bem o mercado espanhol. Tive duas grandes experiências em Espanha e costumo dizer que o consumidor mais próximo do português é o francês. Em termos de consumo nós não temos nada a ver com Espanha. Socialmente, comercialmente, o francês é muito próximo do português, coisa que não é de Espanha. Quando os marketeers se apercebem disso, é facílimo extravasar aqui o mercado francês. Logo. É muito interessante perceber o top ten de artigos em Portugal, Espanha e França. E vamos encontrar em Portugal oito artigos dos dez franceses. Em Espanha vamos encontrar dois ou três.
Nos produtos em si?
Acho que vai ser muito engraçado a Mercadona em Portugal, porque é um padrão espanhol. Nós estivemos sempre ligados ao padrão de consumismo francês dos anos 80, do fim dos anos 80 e década de 90, quando o grupo Sonae ficou com a insígnia [dos franceses] da Promodés. Nós sempre tivemos uma cultura muito afrancesada no consumo. Será fruto da nossa emigração? Não sei dizer. Mas, factualmente, é. Isso é um facto. Quando as low-cost da distribuição vieram para Portugal – Lidl e companhia – o início foi mais difícil do que agora.
Padrões alemães?
Exatamente. Tiveram mais dificuldade. Agora não, têm uma penetração extraordinária e continuam a crescer como cogumelos ligados. Mas as empresas [francesas] acham que é fácil fazer negócios em Portugal porque pensamos de maneira semelhante. Primeiro, pelo conceito de consumismo. Depois há um enquadramento economico-social que é muito favorável. O português é uma mão de obra extraordinária – ágil, poliglota. Repare que muitas das organizações [francesas] vieram para Portugal a pensar no comércio local e começaram a instalar aqui shared services. E dos shared services que estão cá, os mais fortes são os franceses. O melhor exemplo disso é o BNP Paribas, que tem aqui três ou quatro mil colaboradores. Esse é o perfeito exemplo, mas depois há outros, da indústria automóvel. Tudo advém do facto de uma grande proximidade entre os dois países.
Acha que isso se deve a quê?
À emigração? Não sei dizer. Mas essa noção de braços abertos de umas organizações para outras leva a que Portugal esteja no mapa de França, a vários níveis e fiscalmente, quando os governos mudaram a lei dos reformados, foi a autoestrada que faltava abrir. Antes era um caminho, passou a ser uma autoestrada, que traz um conjunto de negócios uns atrás de outros mundos. Para mim, um dos grandes exemplos é o que está a acontecer na Comporta, quando foi completamente comprada pelos franceses.