No centro de Santarém, o restaurante Ó Balcão nasceu pelas mãos de Rodrigo Castelo em 2013. Reaberto em junho de 2021. Nova fase, com ajustes na decoração, equipamento, carta e garrafeira, neste momento com mais de 100 referências. “Isto foi evoluindo também como fui evoluindo como chef”, reconhece Rodrigo Castelo. “Com mais conforto, mas mantendo a identidade anterior”, resume. Tudo é confecionado no restaurante. Do Tejo à lezíria, vem quase tudo o que aqui provamos. “Fascina-me cozinhar o que tenho aqui aos meus pés”, justifica o chef.
No dia útil em que almoçámos no Ó Balcão, Rodrigo Castelo presenteou-nos com uma série de iguarias, um misto de opções da carta e do menu de degustação, com pratos de partilha. À medida que acrescentámos camadas de felicidade no estômago, também assim se foi enchendo a sala, com capacidade para 30 pessoas. Para começo, três tipos de pão massa-mãe. Azeite (Anadia, Abrantes), e manteiga fumada de salva. Conjunto de grande qualidade, abrilhantado por uma tacinha de camarinhas, pequenos camarões do Tejo, fritos, estaladiços e deliciosos, verdadeiro petisco. Nos curados e fumados, duas opções desenvolvidas pelo chef em parceria com a Escola Superior Agrária de Santarém: cecina, presunto de vaca, do acém, e língua de vaca curada e fumada.
Prosseguimos em grande nível nos snacks de peixe. Nota especial para o coscurão do rio até ao mar, em que mais se comprova a competência técnica e a capacidade inventiva de Rodrigo Castelo misturar, com equilíbrio, texturas e sabores, sempre com uma nota de acidez que é uma constante nos seus pratos, “para não serem monocórdicos”. Em cone, uma massa típica de Natal, mas com sal. No recheio, fataça, atum - “para conferir cremosidade” - peixe picado marinado em lima (não confundir com ceviche). Espuma de camarinha e creme de camarão com lima no topo. A massa de coscurão em sal é um achado, o marinado de peixe nada em equilíbrio e frescura. Seguimos para a açorda de alho preto e coentros, em tapioca, com gema de ovo curado e peixe-rei frito. Recriação da tradicional açorda ribatejana, de gosto persistente.
Depois, uma couve grelhada em manteiga noisette, com peixe pimpão no recheio, envolvido em creme de açafrão, que nos manteve na estratosfera. No Ribatejo, quem tem fome diz que vai comer uma ‘bucha’. Partindo deste costume, o chef apresentou depois uma ‘bucha’, em forma de taco, de milho com capado (caprino) no interior, cozinhado durante cinco horas, com pickle de couve roxa, amêndoa torrada, maionese ligeiramente fumada e zest de lima no final. Texturas e sabores em diálogo intenso.
Mais agradáveis surpresas: um tubo de abóbora com escabeche de coelho dois meses a macerar e um foie de aves com avelã torrada e caramelo de abafado. A mesma nota superior para a sopa de peixe do rio, com todos os aproveitamentos das espinhas e cabeças de peixe, porque Rodrigo defende uma cozinha com desperdício zero. Nesse caldo, com base de tomate, pequenas ovas de barbo e cubos de pão torrado a acompanhar uma posta de lúcio, a lascar. Nova fase, com uma maionese de bimis, um cruzamento de brócolos com a couve chinesa kailan. Depois, um arroz cremoso de caranguejo e lagostim do Tejo curado a 10% de sal, com carolino da lezíria e pistachio oriundo de uma plantação de Torres Novas. Condimentado com lima, limão, lemon grass e raiz de rábano e folha de wasabi. Nova proposta com pezinhos de coentrada, pickle de pera e molho holandês, com água do berbigão.
Passámos depois à falsa cabidela, de enguia fumada, uma das criações mais interessantes. Falsa porque é sem sangue e sem arroz. Para substituir o sangue, um fermentado de cogumelos, com molho de soja e molho inglês; em vez do arroz, cevada. Nova etapa com um gratinado de rabo de toiro, cogumelos e camadas muito finas de batata. Opção gulosa, acentuada pela noz moscada.
Terminámos a odisseia com duas sobremesas: ‘Nem Tudo é Limão’, com várias versões do cítrico, queijo ralado de cabra (três anos de cura); arrepiado, doce típico ribatejano parecido a um suspiro de amêndoa; e caramelo salgado. Por fim, o ‘Café das Velhas’. “É como se a minha avó estivesse à lareira a beber o seu café e a molhar a sua fatia dourada nesse café”, recorda Rodrigo Castelo. Fatia parida regada com creme de café com leite, gelado de canela e pedacinhos de azeitona preta a simbolizar a cinza que entrava no prato à lareira. Apoteose para uma viagem gastronómica de elevado gabarito. n