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Regras mais apertadas podem tirar juros às financeiras no crédito ao consumo

O tribunal europeu determinou que os clientes podem pedir a anulação do seu contrato de crédito ao consumo e a devolução dos juros pagos caso as instituições não tenham feito um estudo prévio à sua solvência. Em Portugal, as financeiras não estão preocupadas, garantindo que é feita uma análise robusta.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) determinou que os clientes que tenham contraído um crédito ao consumo junto de uma instituição financeira podem pedir a anulação do contrato e, dessa forma, a devolução dos juros pagos, caso se conclua que não foi feito um estudo prévio sobre a solvência. A justiça indica ainda que o empréstimo pode ser considerado nulo mesmo que o consumidor já tenha terminado o pagamento. Uma medida que não preocupa as financeiras nacionais, que garantem fazer uma análise de solvabilidade “bastante robusta”.

“Apesar de todo este ambiente regulamentar nunca nos poderemos esquecer que o incumprimento, ou seja, o resultado da concessão de crédito a quem não tenha condições para o pagar (sem prejuízo de vicissitudes da vida do clientes que possam surgir após a contratação) é algo que os associados da Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC) e as instituições em geral não pretendem, pois os impactos que isso tem na sua atividade (burocrático, operacional e de fundos próprios, afetando a sua rentabilidade) são imensos”, começa por dizer ao Jornal Económico Duarte Gomes Pereira, secretário-geral da ASFAC.

Nesse sentido, refere, “mesmo que não existissem todas estas obrigações, os associados da ASFAC seguem escrupulosamente medidas de concessão de crédito responsável através de cuidadas análise da capacidade financeira dos seus clientes, pelo que esta decisão agora emanada do TJUE, embora possa ser injusta, pois desconhecemos as razões que estão por trás do caso original, não nos preocupam, uma vez que os nossos Associados estão equipados com processos de análise de solvabilidade bastante robustos”.

A decisão do TJUE, datada de 11 de janeiro e revelada esta quarta-feira pelo jornal “El Economista”, abre a porta a que os clientes possam reclamar os juros junto da instituição financeira caso considerem que a sua capacidade de pagamento não foi avaliada. Esta posição foi adotada perante um caso na República Checa em que o cliente, apesar de já ter terminado de pagar todo o empréstimo, entrou em litígio com a instituição financeira por ausência de avaliação prévia da sua capacidade de pagar. A decisão do tribunal é válida tanto para créditos já saldados como para ainda vivos, uma vez que o TJUE salienta que a diretiva sobre créditos a consumidores de 2008 diz claramente que se deve sempre fazer um estudo prévio à solvabilidade para se evitar situações de incumprimento. 

“Quando o credor não cumpre a sua obrigação de avaliar a solvabilidade do consumidor, esse credor deve ser sancionado, de acordo com a legislação nacional, com a nulidade do crédito ao consumo e perda do direito ao pagamento dos juros acordados, ainda que esse contrato tenha sido integralmente executado pelas partes e o consumidor não tenha sofrido consequências danosas pelo incumprimento”, conclui o tribunal. 

Leis travam falta de análise em Portugal

“Na verdade o TJUE não abriu um porta, mas sim vincou uma regra que vem da diretiva sobre crédito a consumidores de 2008”, refere o secretário-geral da ASFAC, frisando que “tanto na anterior como na atual diretiva a avaliação de solvabilidade é uma obrigação legal das entidades que concedem crédito, para além de ser um dever de conduta em defesa dos seus clientes”.

De acordo com Duarte Gomes Pereira, “em Portugal, e de forma exemplar face aos demais países, a análise de solvabilidade é uma obrigação desde cedo, com reflexo na lei e em vários diplomas regulamentares, sujeito a um seguimento constante e detalhado pelas autoridades”, nomeadamente o regime do crédito aos consumidores que impõe o dever de avaliar a solvabilidade do consumidor, “sendo da sua responsabilidade comprovar que fez a devida análise da capacidade financeira do cliente”.

Por outro lado, o Banco de Portugal emitiu uma recomendação no âmbito dos novos contratos de crédito ao consumo que impôs limites à taxa de esforço máxima. A recomendação prevê que a taxa de esforço se situe abaixo de 50%, podendo haver margem (10% dos contratos celebrados) para uma taxa de esforço entre 50% e 60% e apenas 5% do total dos contratos celebrados poderão ter uma taxa de esforço acima de 60%.

O último relatório de estabilidade financeira do regulador, recorda a ASFAC, mostra que mais de 90% dos contratos de crédito ao consumo estão abaixo dos 50% de taxa de esforço, 6,6% entre 50 e 60% e 3,18% acima de 60%. A taxa de incumprimento dos créditos ao consumo, por seu lado, é baixa e tem vindo a reduzir-se. Era de 2,8% em novembro de 2023, abaixo dos 3,5% em 2022 e muito aquém dos 7,1% em 2019, no pré-pandemia.