Depois de vários anos de suspensão e debate formal no seio da União Europeia sobre a adequação das regras orçamentais definidas pelo Tratado de Maastricht (e uma discussão informal anterior aos tempos da pandemia), o Parlamento Europeu aprova esta terça-feira as alterações propostas a estas restrições. Há várias novidades relevantes que pretendem acrescentar, por um lado, transparência e, por outro, flexibilidade à política orçamental comum e de cada Estado-membro, sendo que Portugal, como um dos países mais endividados do bloco euro, tem de se manter vigilante.
O que muda do lado da dívida e défice com as novas regras orçamentais?
Os atuais tetos para a dívida pública e saldo orçamental manter-se-ão, ou seja, o primeiro indicador não pode ultrapassar 60% do PIB e o segundo está limitado a 3%.
No entanto, para países sobre endividados, há agora novas regras: cada Estado-membro terá de apresentar em Bruxelas planos de ajustamento a quatro anos para reduzir a dívida, sendo o prazo extensível até sete anos no caso da adoção de reformas e investimentos nas áreas definidas por Bruxelas (clima, digitalização, defesa e políticas sociais).
Além disso, há diferentes ritmos de redução consoante o nível de endividamento. Para as economias com rácios entre 60% e 90%, a ordem é de redução média anual de 0,5 pontos percentuais (p.p.); para os países com dívidas públicas acima de 90% do PIB (como continua a ser o caso em Portugal), o ritmo proposto é de 1 p.p.. Sendo valores anuais médios, estes poderão oscilar a cada ano dentro do horizonte definido.
Que outras alterações relevantes serão introduzidas?
Uma novidade importante, sobretudo no caso português, é que as contrapartidas nacionais para fundos europeus deixam de ser contabilizadas como despesa líquida.
Para economias em que o cofinanciamento europeu equivale a uma fatia relevante do PIB, como sucede em Portugal, esta mexida significará mais margem do lado da despesa, sendo que esta alteração passará a vigorar neste quadro plurianual e nos futuros. Além disso, não haverá qualquer tipo de limite ou teto na contabilidade deste financiamento, apesar das tentativas do bloco alemão em inserir essa restrição.
Outra alteração prende-se com a introdução de uma ‘cláusula de escape nacional’, uma medida semelhante à existente a nível comunitário. Cada Estado-membro fica agora capacitado para, em caso de eventos extraordinários e calamitosos, como desastres naturais, ativar uma cláusula de escape do Pacto de Estabilidade e Crescimento europeu.
O que pretendem os legisladores europeus com estas alterações?
A pandemia foi o motivo que precipitou a suspensão das restrições orçamentais europeias, mas o debate em torno da sua adequação vinha já de trás. A crise financeira de 2008 e a que se seguiu, das dívidas soberanas, expuseram tensões dentro de uma zona euro economicamente heterogénea, dando força à ideia de uma revisão das regras do Tratado de Maastricht.
As mudanças propostas visam dar maior flexibilidade orçamental a cada Estado-membro, criando políticas mais desenhadas para corresponder às especificidades de cada economia, defendem os representantes europeus. Além disso, acrescentam “clareza e simplicidade” ao processo orçamental, lê-se numa nota publicada pelo Parlamento Europeu.
Por outro lado, ajudam a promover investimentos públicos em áreas chave para a Comissão, sobretudo numa altura em que Bruxelas pretende mudanças estruturais no perfil da economia europeia.
Outra dimensão importante é a social, algo espelhado pela introdução do pilar europeu dos direitos sociais nas áreas de investimento que facilitarão a extensão do prazo para o programa de ajustamento.
Qual o calendário para a entrada em vigor das novas regras?
Esta terça-feira, o Parlamento Europeu irá ratificar as alterações, o que marca o passo final no processo legislativo. A expectativa é que o novo regulamento seja publicado dia 30 de abril no Jornal Oficial da União Europeia, para que possa entrar em vigor já em maio.
Depois, a Comissão Europeia publicará, a 21 de junho, as trajetórias de referência para cada Estado-membro no que respeita à redução do rácio de dívida pública, isto depois de ter ouvido os Estados interessados em participar na elaboração e negociação do mesmo. Cada país terá então até meados de setembro para desenhar o seu plano de ajustamento a Bruxelas.