As alterações às regras orçamentais estão fechadas e prontas para votação no Parlamento Europeu, apesar de recolocarem alguma pressão sobre os países mais endividados, conferem maior flexibilidade aos Estados-membros na trajetória de redução da dívida, o indicador colocado no centro das atenções da reforma. Para Portugal, há vários aspetos positivos como a não contabilização das contrapartidas dos fundos europeus como despesa líquida, o que cria mais margem de manobra numa altura em que o saldo orçamental foi um dos poucos excedentários na zona euro.
Os eurodeputados votam esta terça-feira as alterações finais às restrições orçamentais europeias, com destaque para as trajetórias de redução da dívida negociadas a nível nacional com Bruxelas e para o alívio no ritmo de diminuição do indicador. Margarida Marques, eurodeputada socialistas e uma das conegociadoras das novas regras, fala ao JE num quadro que “centra o ponto na questão da dívida publica” e “dá mais capacidade de investimento aos Estados-membros”, destacando alguns pontos que considera positivos para a economia nacional.
Por um lado, são alterações que conferem “uma dimensão social forte” à política orçamental, ao incentivarem os Estados-membros a “fazerem investimentos significativos nos serviços públicos ou nas prioridades europeias”, ou seja, nas áreas do ambiente, transição digital, defesa e pilar europeu dos direitos sociais.
Recorde-se que a aplicação destas reformas colocará os países em “posição privilegiada” para verem o prazo do seu programa de ajustamento estendido de quatro para sete anos, de acordo com as novas regras.
Por outro lado, há mexidas menos emblemáticas com relevância acrescida para Portugal, considera Margarida Marques. Por exemplo, as contrapartidas nacionais para fundos europeus não serão contabilizadas como despesa líquida, sendo que esta exclusão não tem teto e vigorará neste quadro financeiro e nos futuros.
“Foi uma conquista importante do Parlamento Europeu”, afirma a eurodeputada, lembrando que tal confere maior margem de manobra ao Governo para decidir a sua política orçamental, o que inclui aplicar as reformas exigidas por Bruxelas para prolongar o prazo do programa de ajustamento para sete anos.
“Acho que há algum irrealismo no quadro macroeconómico do Governo, mas não há razão para que diga que não o pode fazer [reformas pedidas] porque as regras orçamentais o exigem”, resume, lembrando que caberá ao Executivo “decidir as suas políticas”.
Em termos práticos, Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, não vê restrições acrescidas ao crescimento nacional. O economista procura combater a “ideia de que ter um défice é muito bom para estimular a economia e crescer”, lembrando os “desequilíbrios sistemáticos, de erros políticos sistemáticos” que levaram à situação de sobre-endividamento portuguesa.
“Não foram as regras europeias que impediram o crescimento económico nem a falta de procura. A economia portuguesa não cresceria mais com mais estímulos para crescer. O problema está do lado da oferta, não da procura”, aponta. Como tal, a reintrodução destes limites funcionará como uma “restrição orçamental, talvez até ao eleitoralismo orçamental, mas não ao crescimento”, considera.
Maior redução da dívida na zona euro em 2023
Portugal parte numa posição mais favorável para enfrentar este quadro financeiro plurianual não só devido às regras orçamentais mais flexíveis, mas também dada a evolução recente das contas públicas, defende Margarida Marques. De acordo com os dados do Eurostat publicados esta segunda-feira, a economia nacional registou a maior queda da dívida pública da zona euro em 2023, além de ter fechado com um dos únicos quatro excedentes orçamentais no bloco.
Os números já eram conhecidos internamente, mas foram agora enquadrados na dimensão europeia: Portugal fechou 2023 com a maior queda do rácio de dívida pública na zona euro ao registar uma redução de 13,3 pontos percentuais (p.p.). O valor final, 99,1%, fica, ainda assim, bastante acima da média de 88,6% da moeda única – rácio que representa uma queda em relação aos 90,8% de 2022.
Por outro lado, a economia nacional foi uma de apenas quatro a registarem superavits, juntamente com a Dinamarca, Chipre (ambos com um excedente de 3,1%) e Irlanda (com 1,7%). Em sentido inverso, Itália registou o défice mais profundo com 7,4%, com a zona euro a verificar um défice global de 3,6%.
A despesa pública na zona euro equivaleu a 50% do PIB da moeda única, ao passo que a receita ficou em 46,4%. Em relação ao ano anterior, ambos os rácios caíram, detalha o Eurostat.