Não são só os portugueses que colocam o seu futuro nas mãos do jogo. O Estado, ingénuo e mau imitador, também o faz. Mas nem sempre procura o favor da sorte: é croupier de Las Vegas contra os contribuintes, é um jogador falhado contra os poderosos. Pior: é o um péssimo gestor do seu património. Quando alguém teve a sagaz ideia de criar a Raspadinha do Património ficou escarrapachado que o Estado não tinha uma estratégia para preservar o que está nas suas mãos: colocou o futuro do que é a memória do país nas mãos da sorte. Para comprovar isso mesmo, há uns dias o Novo Banco mandou retirar uma pintura de Brueghel, o Jovem, que estava no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora. Haveria uma fissura no quadro, aparentemente resultante da deficiente conservação. Trocando por miúdos: o ar condicionado não é revisto há anos, por falta de carinho ou de dinheiro. Tal como aconteceu há uns meses no Museu Nacional de Arte Antiga. A isto já não se chama desleixo. Chama-se sopa dos pobres cultural.
Qual é o problema, pensarão as almas que dirigem aquilo que se designa como Cultura nacional (e, acima delas, os que fazem as contas de somar e sumir dos dinheiros público)? Se não houver ar condicionado, use-se ventoinhas, e se não houver dinheiro para pagar a eletricidade, usem-se leques ou pombos a dar às asas para refrescar quadros. Para o Estado atual, a Cultura não é mais do que uma Raspadinha. É uma ociosidade, onde se raspa a memória histórica dos portugueses. Sai prémio? Apaga-se mais um bocadinho. Afinal a memória vai desaparecer no buraco negro dos algoritmos.
Dizem os mal dizentes que há outra solução para a Cultura nacional: as falsificações podem resolver todos os problemas, como mostrou a família Rendeiro, depois da justiça ter dobrado as costas para que ela própria fosse fiel depositária dos valores que poderia usar em proveito próprio. Se vender os quadros verdadeiros e contratar bons falsificadores para ocupar as paredes dos museus nacionais o problema está resolvido: conseguem-se receitas sem ter muitas despesas. O absurdo é já tanto, que mais um não incomoda. Vivemos num tempo em que se passa demasiado tempo ligado às redes sociais e com o cérebro desligado. Por isso a filosofia, que nos obriga a questionar, é tratada com os pés. Ou o património com os cotovelos. Há dias o filósofo alemão Markus Gabriel dizia uma coisa simples: “Ler um livro. É o exercício mais sustentável que nos resta”.
O país é um espectador. Entre anúncios para resolver a surdez ou para aumentar o crédito, segue a comovente novela partidária. Assiste-se tristemente à patética luta partidária para se conseguir ter o poder para fazer as listas de deputados ou para ter eleições na data que dá mais jeito a alguém. Procura-se um cisne negro, para ficarmos admirados. Fala-se da crise do SNS, da energia, do que a inflação vai trazer? Deste país onde cada vez mais, como mostrou o estudo de Eugénio Rosa, é de salários mínimos. É essa a nossa forma de sermos concorrenciais. É este o modelo de país que os partidos que se empurram para ver quem se senta na cadeira do poder discutem? Não. Isso parece ser irrelevante. Discutem comédias.
A nossa política é “conjuntural”. Tal como os salários sempre baixos, a fuga dos mais qualificados para países onde se pague decentemente, a falta de chips, o preço do bacalhau. Enquanto isso, todos prometem “reformas”. Até do ar condicionado. Mas as “reformas”, como se sabe, são, neste país, como as obras de Santa Engrácia. Sabemos apenas que há dois tipos de problemas: os que se solucionam sozinhos e os que não se solucionam de maneira alguma. Com os primeiros não há que fazer nada. Com os segundos é melhor nem tentá-lo. A principal ocupação de muitos que ocupam o poder é o “nada fazer”. Às vezes a melhor decisão é não tomar nenhuma. Essa é agora a estratégia do doutor António Costa, enquanto a zaragata entre aquilo a que chamamos oposição, faz tanto ruído como um concerto de “heavy metal” dos AC/DC ou um martelo pneumático. Enquanto isso vão passando os decretos com as explorações de minérios, a contínua partidarização do Estado e o que mais se verá.
O certo é que, à falta de novas ideias, há quem deseje fazer de arqueólogo e ressuscitar o “Bloco Central”. Porque é preciso “salvar” Portugal e, sobretudo, distribuir o pudim do PRR por mais alguns.
O país, cada vez mais pobre, mas que já se vê como a pátria dos unicórnios, algo que causou uma grande gargalhada em Silicon Valley e em Wall Street, caminha aos tombos. Consta que, assistindo às nossas novelas políticas, o doutor Elon Musk vai oferecer 100 aparelhos de ar condicionado ao Ministério da Cultura. E Bimbys aos mais ilustres membros do Governo e da leal oposição. Para estes aprenderem a cozinhar melhor.