O disparo nos preços do transporte de mercadorias é uma das faces mais visíveis da crise na logística, com um aumento de 1.000% nos fretes de contentores à importação na rota Ásia/Ocidente e, no sentido inverso das trocas comerciais, de 100% à exportação. Paralelamente, no transporte aéreo os fretes triplicaram em algumas rotas. As fontes do sector mostram-se divididas sobre quando haverá uma normalização e o impacto deverá chegar ao bolso das famílias portuguesas, com uma subida dos preços para o consumidor final.
“Este aumento explica-se pela disrupção completa da cadeia de logística e da forma como estava montada”, diz António Nabo Martins, presidente da Associação dos Transitários de Portugal (APAT), em declarações ao Jornal Económico (JE), explicando que resulta sobretudo da falta de contentores, de navios e de motoristas, mas também do congestionamento nos principais portos mundiais e do aumento dos combustíveis.
António Belmar da Costa, diretor executivo da Associação dos Agentes de Navegação de Portugal (AGEPOR), detalha ao JE que, dado o aumento da procura por bens de consumo durante os períodos de confinamento na Europa e EUA conjugado com a restrição à atividade de grande parte das indústrias destes espaços, “os navios começaram a sair cheios da China, mas a voltar com muito pouca carga”. Tal levou ao aumento do frete nos portos chineses “para compensar a falta de receitas no retorno”, completa. Esta situação foi-se agravando pela pressão nos custos de transporte e pelos confinamentos ocasionais em cidades portuárias chinesas, onde a gestão pandémica continua a ser mais rígida do que na Europa e EUA, acrescenta.
Ao JE, o secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, recorda que como é um sector que “não tem uma intervenção regulatória” teve “uma reação imediata de comportamento normal de diminuição de oferta, com aumento de procura e escalar dos preços”.
Nabo Martins exemplifica o aumento de 1.000% nos fretes de contentores na rota Ásia/Ocidente à importação e de 100% à exportação, o que se reflete num aumento de mil euros para dois mil euros num contentor de 40 pés ou de 700 euros para 1.400 euros num contentor de 20 pés. “Ainda assim, depende muito da disponibilidade de equipamento e de espaço no navio”, sublinha. Assinala ainda que o aumento dos preços também é vísivel no transporte aéreo, com algumas rotas a registarem subidas de 200% - “por exemplo, Shangai/Lisboa chegou a estar a 5 dólares/kg e agora está a 12 dólares/kg”, diz -, mas também no trafégo ferroviário da Ásia para a Europa em cerca de 100%.
“É por isso natural que estes preços se venham a refletir nos preços finais dos produtos e nas prateleiras”, vinca, acrescentando que “há bens de primeira necessidade que já escasseiam e outros que já viram o seu preço subir em cerca de 20% nalguns países”. Apesar de admitir que em Portugal ainda não existe escassez nas prateleiras, alerta que “já se sente o aumento de preços nos cereais, oleaginosas e outros bens de primeira necessidade”.
Ainda que dependa sempre quer do destino, quer da origem, o aumento dos preços deverá ter impacto para as empresas exportadoras portuguesas. Eurico Brilhante Dias admite que as mais afetadas deverão ser as indústrias que têm bens mais pesados, de maior volume e com menos valor acrescentado. “Por exemplo, as exportações de bloco de pedra natural para destinos como a China são de muito volume e peso. Isso tem impacto”, diz, realçando que prejudica essencialmente mercados de menor proximidade e extra-comunitários.
Outras áreas muito dependentes das relações comerciais com o resto do mundo para consumos intermédios serão igualmente afetadas. António Belmar da Costa destaca o sector da construção e a indústria automóvel, que necessitam de muitos componentes eletrónicos, mas recorda que as dificuldades logísticas são globais, pelo que a competitividade relativa do tecido produtivo nacional é menos afetada do que numa situação em que o problema fosse específico da economia portuguesa.