A alegada impreparação de PauloRangel para ser primeiro-ministro, argumento repetido por Rui Rio na campanha interna em que garantiu não ter tempo ou vontade de participar, terá surtido efeito entre os militantes sociais-democratas, que no sábado o reelegeram para um terceiro mandato de dois anos, com 52,43% dos votos, apesar de o adversário somar apoios nas maiores distritais e concelhias.
Tendo dito muitas vezes que ninguém poderia estar preparado para ser primeiro-ministro em poucos meses, o que o levou a defender que as eleições internas deviam ser adiadas para depois das legislativas antecipadas devido ao chumbo doOrçamento doEstado para 2022, Rio está nos antípodas daquilo que apontou como defeito, pois nunca nenhum outro líder de um dos dois principais partidos portugueses ficou tanto tempo em funções até ser chamado a formar governo pela primeira vez, o que lhe pode suceder se levar oPSD a ser o partido mais votado a 30 de janeiro de 2022.
Nessa data Rio já levará 1.445 dias desde que se tornou presidente doPSD, derrotando Santana Lopes numas diretas marcadas pela despedida de Passos Coelho. Depois dessa vitória, em 2018, ficou à frente de Luís Montenegro e de Miguel Pinto Luz em 2020, derrotando o primeiro numa segunda volta, e teve a terceira vitória consecutiva ultrapassando PauloRangel. Maior resiliência de um líder da oposição só se encontra no exemplo de MárioSoares, pois o secretário-geral histórico do PSficou 1.746 dias à frente do partido que fundara ainda durante oEstado Novo entre a data em que o seu segundo governo constitucional foi derrubado - abrindo caminho a executivos de iniciativa presidencial e à posterior vitória do centro-direita da Aliança Democrática - e o regresso à Presidência doConselho de Ministros, liderando o único governo que juntou PS e PSD até ao momento.
A diferença é que Soares já tinha sido primeiro-ministro antes, distando então apenas 89 dias entre a vitória socialista nas primeiras legislativas, disputadas a 25 de abril de 1976, e a tomada de posse do seu governo minoritário, ao qual se seguiu outro que integrava ministros centristas (entre os quais o atual presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta). Mas mesmo fazendo a conta entre a fundação do PS, a 19 de abril de 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel, e a tomada de posse, a 23 de julho de 1976, os 1.191 dias que teve de esperar, incluíndo a Revolução de 25 de Abril e o Processo Revolucionário emCurso, foram menos 254 do que os que separam a chegada de Rui Rio à liderança doPSD e a eventual vitória nas legislativas. À qual dificilmente não seria preciso somar pelo menos um mês até iniciar funções de primeiro-ministro.
Desde Soares, o caso mais comparável com o de Rui Rio é o de AntónioGuterres, que chegou a secretário-geral do PS durante a segunda maioria absoluta consecutiva do PSDde Cavaco Silva e ao longo de 1.344 dias preparou a chegada ao poder, nas legislativas de 1995, nomeadamente através dos Estados Gerais para uma Nova Maioria. Mas o atual secretário-geral das Nações Unidas levou o seu partido a ser o mais votado nas autárquicas de 1993 e nas europeias de 1994, enquanto Rio nunca o conseguiu nas legislativas de 2019, nas europeias de 2019 e nas autárquicas de 2021, apesar de conquistar as câmaras de Lisboa,Coimbra e Funchal.