O cenário macro para 2023 já era, em grande parte, conhecido antes da apresentação formal da proposta de Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) do Governo, dadas as reuniões na concertação social com vista à assinatura de um acordo de rendimentos com os parceiros sociais e a pressão de vários quadrantes, incluindo o Presidente da República, para que os valores fossem divulgados com alguma antecedência.
Portugal mantém uma perspetiva de crescimento acima da média da zona euro, permitindo nova convergência, mas os riscos são bastantes – e quase todos no sentido de uma performance menos positiva do que o esperado.
As contas do Governo para 2023 apontam para um crescimento de 1,3%, uma significativa redução em relação aos 6,5% esperados para este ano, mas que continua a permitir uma convergência com a zona euro, para a qual o Banco Central Europeu (BCE) espera 0,9% de avanço do PIB no próximo ano.
Este crescimento assentará numa maior dinâmica de investimento, com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a dar um forte impulso, até porque do lado privado este “será impactado pelo aumento da incerteza, pelo aumento dos custos de financiamento e pelo impacto continuado das restrições nas cadeias de produção e distribuição globais nos custos e oferta de materiais e equipamento”.
Assim, o Executivo projeta que o crescimento de 3,6% no investimento seja suficiente para amortecer, pelo menos em parte, a desaceleração do consumo privado, que passa de 5,4% em 2022 para 0,7% em 2023.
No capítulo das relações externas, Portugal deverá ser prejudicado no lado das exportações pelo abrandamento da atividade económica global, embora este indicador deva continuar a crescer e o país a ganhar quota de mercado. No entanto, a procura externa líquida deve mesmo dar um contributo negativo de 0,3 pontos percentuais (p.p.) ao PIB no final do ano.
Olhando para os preços, a proposta do Governo reflete claramente um agravamento das pressões inflacionistas na segunda metade deste ano, com o Executivo a apontar a 7,4% no final deste ano e 4,0% no final do próximo. Estas projeções são mais otimistas do que, por exemplo, o Conselho de Finanças Públicas (CFP), que antecipa 5,1% de inflação no final de 2023, ou o Fundo Monetário Internacional (FMI), que na sua atualização de perspetivas de outubro projeta 4,7% de inflação em 2023 para Portugal.
Ainda assim, o CFP deu um parecer positivo ao cenário macro considerado pelo Governo, explicando que algumas das diferenças mais substanciais entre a sua análise e a das Finanças se prendiam com as medidas orçamentais e fiscais consideradas.
No que concerne ao emprego, o próximo ano deve registar uma taxa de desemprego de 5,6%, o que até fica acima da projeção do CFP (5,3%) ou do Banco de Portugal (5,4%), mas abaixo do esperado pelo FMI (6,5%).
Petróleo abaixo de 80 dólares
Estas projeções assentam em dois fatores chave em qualquer previsão e ainda mais relevantes no atual contexto de elevada incerteza e volatilidade: o preço médio do barril de petróleo e o câmbio euro-dólar.
Para o barril de ‘ouro negro’, o Governo de António Costa espera uma redução significativa em relação ao verificado este ano, visto que a procura irá sofrer com o esperado abrandamento da economia global. A proposta de OE2023 assenta num preço médio do barril de petróleo de 77,8 dólares por barril, ou seja, 80,17 euros, um valor bastante abaixo da projeção para 2022, de 97,6 dólares (100,57 euros).
Ainda assim, este cenário é mais otimista do que o formulado por analistas internacionais, dado que Portugal é um importador líquido deste bem.
A título de comparação, a Goldman Sachs reviu a semana passada em alta as suas projeções para o preço médio do barril de petróleo em 2023 para 110 dólares (113,15 euros), depois de ter cortado este indicador em setembro. O banco norte-americano citou a recente decisão da Organização de Países Exportadores de Petróleo e aliados (OPEP+), onde se inclui a Rússia, de cortar a produção de forma a estimular os preços como base para a sua avaliação.
Já o euro deve negociar em paridade com o dólar, o que significa mais inflação importada através da componente energética, mas também estimula a procura externa vinda dos EUA, um mercado cada vez mais importante para Portugal. Perante a contínua subida de preços, a política monetária deve manter-se restritiva, com o Governo a perspetivar uma média de 2,9% nos juros.
Riscos são sobretudo externos
Apesar de reconhecer que os riscos associados à pandemia dão sinais claros de terem diminuído nos últimos trimestres, o Governo continua a identificar na Covid-19 um foco de possíveis perturbações, ao passo que a guerra na Ucrânia é agora o principal risco ao cenário traçado. Internamente, subsistem alguns focos de preocupação, embora os principais sejam de natureza externa.
A pandemia dá sinais de alívio, mas a invasão russa da Ucrânia veio agravar as perturbações nas cadeias globais de fornecimento, constituindo um evidente risco negativo para a atividade económica na Europa ascendente para os preços. Em particular, a possibilidade de serem interrompidos os fornecimentos de gás natural russo à Europa representaria mais pressões inflacionistas e “uma mais rápida desaceleração dos principais parceiros comerciais de Portugal, com consequente impacto negativo no crescimento da economia nacional”.
Esta dinâmica pode aumentar a probabilidade do segundo risco externo identificado no OE2023, uma política monetária ainda mais restritiva. Caso a inflação continue sem dar sinais de abrandamento, o BCE ver-se-ia obrigado a subir juros ainda mais, condicionando a atividade económica na zona euro.
Também a situação na China, com pesados confinamentos pandémicos e medos de uma bolha imobiliária, poderão deteriorar o clima económico mundial, com repercussões negativas óbvias para Portugal.
Internamente, a possibilidade de efeitos de segunda ordem na inflação decorrentes de um mercado de trabalho historicamente rígido não pode ser ignorada, tal como a resiliência do sector do turismo, que deu um forte impulso ao crescimento este ano.
Estes fatores, juntamente com uma reduzida dependência energética da Rússia, dão uma maior segurança na capacidade da economia nacional de resistir aos tempos incertos que se avizinham, argumenta o Ministério das Finanças. Também o PRR dará alguma força, impulsionando o investimento público no país, enquanto as contas públicas mostram uma vitalidade que não se verificava em crises anteriores.
Por essa via, o Governo tem agora mais capacidade para “contrapor medidas de mitigação dos efeitos da crise e apoio ao rendimento das famílias e à atividade das empresas, no tempo certo e num contexto de elevada inflação, sem colocar em causa a respetiva sustentabilidade”, argumenta o relatório do OE2023 conhecido esta segunda-feira.