Portugal deve fechar 2023 com um défice de 0,9%, de acordo com a proposta de Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) apresentada esta segunda-feira, o que representa nova queda em relação ao ano anterior e mais um passo no retorno ao único superavit da história democrática portuguesa.
A esquerda parlamentar queria menos foco nos números da contabilidade pública, mas o Governo contrapõe com a necessidade de manter o equilíbrio orçamental.
O número já era conhecido desde a semana passada, mas foi confirmado esta segunda-feira: o Governo projeta um défice de 0,9% em 2023, tendo mantido a projeção para este ano que havia inscrito na proposta aprovada de Orçamento do Estado, ou seja, 1,9%.
Fernando Medina, responsável pela pasta das Finanças, havia já garantido que o pacote de ajudas anunciado pelo Executivo no início de setembro não mudava nada em termos de metas orçamentais para este ano, frisando a necessidade de manter as contas públicas equilibradas e com um foco na sustentabilidade.
“Optámos por não deixar derrapar o défice nem utilizar a receita adicional para acentuar melhor os resultados orçamentais. É aquilo a que se chama ponderação, equilíbrio e dar respostas eficazes aos portugueses”, justificava, à altura, o ministro.
Já esta segunda-feira, Medina apresentou novo argumento para a redução do défice: mesmo sem estarem diretamente correlacionados, o ministro explicou que saldos orçamentais mais negativos teriam acrescentado ao problema da dívida pública, onde também se tem assistido a uma redução assinalável que permite agora, em plena normalização da política monetária, conter o aumento dos gastos com juros.
“Se, em vez de termos prosseguido com uma política de redução do défice de 2016 para a frente, tivéssemos optado por défices de 3%, só agora estaríamos a pagar em juros mais 1.300 milhões de euros a somar ao aumento que vamos ter. Contabilizando as duas parcelas, estaríamos a falar de 2.500 milhões de euros em juros”, explicou, apelidando de “hipócritas” aqueles que criticam a diminuição do défice e dívida, querendo aumentar a despesa.
Assim, o saldo orçamental deve melhorar à custa da recuperação económica, que permite uma maior receita fiscal e tem um impacto positivo de 4,2 p.p. no indicador, do fim das medidas Covid-19, com um impacto de 2,4 p.p., e do aumento do PIB, que contribui positivamente com 0,2 p.p.. Em sentido inverso, as medidas de apoio no contexto de elevada inflação terão um impacto negativo de 2,4 p.p. no saldo orçamental, aos quais acrescem 0,9 p.p. com despesas de capital, 0,5 p.p. com despesas com pessoal e 2,1 p.p. fruto de outras despesas.
“A melhoria do défice orçamental em percentagem do PIB resulta de um aumento da receita superior ao da despesa em aproximadamente 2,3 pp. Prevê-se que a receita cresça 5,9% face a 2022, destacando-se o aumento da receita de capital (134,2%) e da outra receita corrente (8,1%) que incorporam as verbas no âmbito do PRR”, detalha a proposta.
Esta melhoria, continuou Medina, é o que permite enfrentar o próximo ano com algum otimismo, dadas as projeções de crescimento acima da média da zona euro e sem nenhuma perspetiva de recessão no horizonte económico nacional. O ministro frisou que deixará a política orçamental correr o seu curso em caso de abrandamento da atividade económica e, para tal, é fundamental a almofada criada com a redução da dívida e do défice.
Saldo primário positivo
Apesar de se voltar a registar um défice orçamental, o saldo primário nacional deverá ser positivo em 2023, chegando a 1,6% do PIB. Em 2022, a estimativa do Governo é que este tenha chegado a 0,3%.
“O défice esperado para o próximo ano traduz as orientações do Governo no sentido de garantir o poder de compra das famílias, pelo que inclui um conjunto de medidas de reforço do rendimento e de apoio às empresas, bem como medidas temporárias que deverão ocorrer. Sem estes efeitos, o défice de 2023 seria de 0,2% do PIB”, acrescenta o relatório do OE2023.
Olhando para as várias componentes da Administração Pública, o OE2023 detalha que o saldo da administração central é o mais negativo, mas também o que mais varia em relação a 2022. De 6.851 milhões de euros de défice no ano passado, ou 2,9% do PIB, este subindicador passa para 6.341 milhões em 2023, ou 2,5%. Já as administrações regionais e locais passam de 0,2% de défice em 2022 para um saldo nulo este ano e a Segurança Social dá o maior empurrão ao bolo total, com um superavit que cresce de 1,2% para 1,7% do PIB.
“O Governo continua a apostar num equilíbrio entre crescimento e consolidação orçamental, pois isso a médio prazo pode ser bem percecionado pelo mercado de dívida e com isso ganhar capacidade de endividamento a uma taxa mais baixa nos mercados financeiros internacionais”, argumenta Luís Marques, Country Tax Leader da EY Portugal.
Críticas convergem
Apesar de compreender a prudência orçamental do Governo, Luís Marques lembra algumas críticas deixadas por representantes sectoriais quanto à falta de ambição do documento numa altura em que o tecido empresarial terá de fazer frente a dificuldades consideráveis e que irão pesar na economia portuguesa como um todo.
“É uma solução equilibrada, tal como já referi anteriormente. Contudo, esperar-se-ia um pouco mais de ambição. É isso que tem vindo a público, nomeadamente através dos representes das Confederações e Associações empresariais”, defende o especialista da EY.
Esta é precisamente a crítica de vários quadrantes e extensível às bancadas parlamentares, tanto à direita, tanto como à esquerda.
Depois de patrões e sindicatos terem admitido que o Acordo de Rendimentos assinado na antecâmara da apresentação do OE2023 ter sido “o possível” na atual conjuntura, várias associações patronais mostraram o seu desânimo com uma proposta que veem como pouco ambiciosa.
A Associação Empresarial de Portugal (AEP) considera o documento “positivo”, na medida em que apoia empresas e famílias face à subida generalizada de custos que terão de enfrentar, mas “com pouca determinação”; já a Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME) fala na “continuação do ilusionismo” do Governo, a quem acusa de “manter obstáculos à sustentabilidade económica e à rentabilidade das PME”.
No plano partidário, as críticas convergiram para a falta de ambição e rasgo na proposta. Ambos os lados do hemiciclo queriam mais apoio às empresas e famílias, embora de formas distintas: à direita, os pedidos eram de maiores reduções e isenções fiscais, especialmente depois do crescimento da receita do Estado este ano; à esquerda, acusações de benefício aos grandes grupos económicos e de obsessão com os requisitos orçamentais de Bruxelas. De qualquer das formas, a maioria socialista garantirá a aprovação do documento.