"Recebemos o seu currículo"; "Convidamo-lo a juntar-se à nossa equipa online"; "O trabalho é fácil e pode render entre 300 e 600 euros"; "Se nos enviar uma mensagem agora recebe um bónus de 7 euros". Os contatos são feitos por chamada - se soarem a gravação automática é porque o são - ou por SMS e o engodo é sempre o mesmo: trabalho online, bem remunerado e longe de implicar as oito horas diárias. São burlas, têm-se multiplicado como praga e até já motivaram um alerta do Gabinete de Cibercrime da Procuradoria-geral da República (PGR). Que nunca é demais relembrar.
"Os agentes criminosos simulam estar a proceder à contratação de trabalhadores mas, na verdade, têm como único propósito enganar os candidatos, para deles obterem benefícios patrimoniais." Um método criminoso que tem atingido "muitas vítimas em Portugal", incluindo jovens no início de percurso profissional e desempregados que procuram trabalho. Este tipo de vítimas são atraídas por promessas de pagamentos elevados em curto espaço de tempo.
A abordagem direta, explica a PGR numa nota divulgada no início de junho, tem passado por vários métodos, mas do outro lado apresenta-se sempre alguém como pertencendo ao departamento de recursos humanos de uma determinada empresa. Seja por mensagem ou por chamada, os supostos candidatos são levados a aderir a um grupo de conversação numa plataforma de mensagens, por norma, o WhatsApp, ou o Telegram, canais onde o esquema segue. Vão-se somando também os elementos estranhos, que devem fazer soar todos os alarmes e mais alguns.
A começar pela comunicação. Depois da primeira abordagem, não existe qualquer outro contacto pessoal ou conversação telefónica, sendo todos os diálogos efetuados por via de mensagens escritas. Além disso, nunca é celebrado qualquer contrato nem definida uma função concreta ou categoria profissional para o trabalhador. Também não se fixa um local onde o trabalho deva ser prestado ou um horário de trabalho. Aos burlados é dito dá para acumular o trabalho com outros, garantindo toda a flexibilidade e um avultado rendimento diário.
Mas que "trabalhos" estão em causa? Segundo a PGR, a narrativa e encenação utilizada pelos diversos grupos criminosos é variada. Mas o caso mais recorrente são as tarefas que incluem a avaliação de estabelecimentos hoteleiros, abusando do nome da plataforma Booking (frequentemente, os agentes criminosos fazem a primeira abordagem dizendo que a "Booking precisa de contratar mais pessoas para promover os hotéis parceiros"). Ao "trabalhador" é proposto que, online, mediante pagamento que lhe é feito, faça a avaliação de estabelecimentos hoteleiros, com o suposto interesse de melhorar a cotação dos mesmos. Justificam os criminosos esta simulação com o propósito de aumentar a visibilidade daqueles hotéis.
Outra das situações frequentes é a "contratação" para tarefas que envolvam aumentar a visibilidade de certas páginas ou perfis nas redes de sociais. Aqui, "os criminosos informam as vítimas de que as respetivas tarefas são 'seguir' ou 'pôr likes' naquelas páginas, sendo pagas por isso. Cumpridas as tarefas, o trabalhador é informado que deve fazer print screen do ecrã do telefone, provando que cumpriu a tarefa e, assim, ser pago.
O problema é que as vítimas até recebem pequenas quantias não superiores a 10 euros, o que acaba por levá-las a seguir para patamares mais avançados no esquema em que têm de adiantar as próprias grandes quantias de dinheiro. A PGR dá nota de que foram identificados casos em que as tarefas realizadas se traduziam no recebimento de quantias supostamente de clientes e na sua posterior transferência para outros destinos. Movimentos económicos efetuados dentro do sistema bancário, normalmente com recurso a plataformas como o Mbway. "Em quase todos estes casos, sem o saberem, as vítimas serviram de agentes de branqueamento de capitais - receberam quantias de vítimas de diversos esquemas fraudulentos que depois encaminharam para terceiros", alerta a procuradoria.
Cumprido o primeiro nível de tarefas (que serve também para 'fidelizar' a vítima), é proposto que se passe a um nível superior e "muito mais lucrativo". No entanto, são as vítimas a adiantar dinheiro, sendo-lhe prometido que depois o mesmo será devolvido, acrescido de uma "generosa comissão". Como no nível anterior, os valores foram pagos, as vítimas acreditam e seguem as instruções. Após o cumprimento destas novas tarefas, lê-se no alerta do Ministério Público, nos primeiros dias do processo, são-lhes efetivamente devolvidas as pequenas quantias gastas, acrescidas de comissões. Só que, em muitos casos, a devolução é aparente "porque, ao contrário do que acontecera no início do processo, não é efetivamente entregue às vítimas, entrando numa espécie de conta corrente.
Começa aqui a verdadeira dor de cabeça das vítimas. Depois de alguns dias, os montantes avançados pelas vítimas aumentam, com a promessa de as comissões serem também maiores. "Tendo confiança de que tais valores lhes serão devolvidos, gerando comissões maiores, muitas vítimas aceitam gastar os tais valores mais elevados – que nalguns casos têm sido de vários milhares de euros", frisa o alerta da PGR. Quando as vítimas desconfiam, começam a recear ou já não têm mais dinheiro para gastar e tentam reaver aquilo que entretanto julgam que ganharam, os agentes criminosos "usam as mais variadas técnicas dilatórias" para não devolver aqueles valores, alegando erros técnicos, necessidade de pagamento de taxas legais ou imposição de comissões adicionais. Em muitos casos, nota a PGR, perante a promessa de devolução mediante pagamento de taxas, as vítimas ainda transferem mais valores. Mas os mesmos nunca são devolvidos. É aqui que a vítima percebe que o esquema é fraudulenta e confronta os supostos empregadores, que se esfumam, deixando de estar contactáveis.
A PGR diz que normalmente as vítimas, especialmente jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados, não averiguam qual é a entidade para quem supostamente “vão trabalhar”, nem onde ficam as respetivas instalações ou escritórios, nem se questionam sobre a legalidade das tarefas que lhes são pedidas. Acabam, assim, por cair na tentação de um emprego "fácil", bem remunerado e feito a partir do telemóvel. Contactos deste género, seja por chamada ou por mensagem escrita devem ser ignorados e não devem ter resposta, apela a PGR.
As queixas relativamente a estes contatos, descritos como uma verdadeira "praga", avolumam-se nos mais variados fóruns. A chamada telefónica parece ser, atualmente, o meio preferencial destes esquemas. "Olá, recebemos o seu currículo", ouve-se invariavelmente do outro lado. Mas qualquer outro tipo de contacto, por mensagem ou por e-mail em que é dito para carregar num determinado link e seguir determinados passos, também é de suspeitar, especialmente se se tratar de uma empresa com quem nunca teve nenhum contacto prévio por sua iniciativa.
Gabinete de Cibercrime tem recebido denúncias
Contactado pelo Jornal Económico (JE), o Gabinete de Cibercrime da PGR afirma estar "atento aos fenómenos criminais que vão surgindo" e assim que reúne "suficiente informação de que existe uma realidade criminal persistente, não isolada, emite alertas" como o que difundiu no mês de junho. "Por razões de prevenção, estes alertas são emitidos logo que possível, ou seja, quando já se consegue perceber e descrever o fenómeno com o mínimo de rigor e certeza", acrescenta a mesma fonte oficial.
Embora este não seja um departamento onde corram termos processos - as investigações concretas correm termos nos diferentes Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) -, ao email do Gabinete de Cibercrime têm chegado "denúncias relacionadas com a matéria em referência".
Apesar de essas denúncias surgirem "pouco documentadas e com elementos insuficientes para que possam, sem mais, ser remetidas aos departamentos do MP competentes para a investigação criminal, o Gabinete Cibercrime a todas tem respondido, informando o interlocutor dos direitos que lhe assistem, da prova que necessita de reunir para que possa apresentar queixa, a qual deverá ser apresentada presencialmente", refere o gabinete da PGR.
Este tipo de burlas tendo como isco falsos trabalhos online, que inclui também anúncios em redes sociais, surgiu em 2023, ano em que chegaram ao Gabinete de Cibercrime da PGR 42 denúncias, correspondendo a 2,03% do total de denúncias sobre cibercrime no geral. Mas no ano seguinte, a PGR recebeu 253 denúncias, 7,29% do total, de acordo com dados divulgados em março. Na altura, a PGR assinalava tratar-se de um "método de defraudação que tem vindo a sofisticar-se e a ganhar uma enorme dimensão, provocando grandes prejuízos económicos às vítimas, o que é agravado por estas serem normalmente pessoas desempregadas ou de baixos recursos".