Por uma razão que os sociólogos haveriam de saber explicar, a sociedade amarantina, nos idos dos anos 70 do século passado, era estranhamente estratificada, com as várias classes que por ali viviam a separar-se cortês e sorridentemente (se fosse caso disso) para não terem de conviver. Até a morfologia da cidade a isso convidava: na margem direita do Tâmega, que dividia a cidade, ficava (e fica) o Arquinho, uma praça aonde chegavam e de onde partiam as camionetas da empresa da família Cabanelas – um deles assassinado por uma encomenda-bomba há umas décadas atrás – e por onde circulavam os mais populares, que entendiam não se misturar muito com os que preguiçavam na praça do outro lado do rio, em frente ao convento de São Gonçalo.
O café que ficava nesse largo (e fica), não era, contudo dos mais bem frequentados. Para chegar ao lugar mais pomposo era preciso subir a rua – mas não tanto que se tivesse de chegar à Confeitaria Mário (a antiga, toda em mármore branco e que desapareceu para dar lugar a uma loja de roupa desportiva sem qualquer caraterística assinalável), antro de republicanos e de inimigos da situação, onde todas as noites pontificava o Eulálio Fonseca e o seu eterno charuto – na altura o mais importante empreiteiro da cidade, que mais tarde haveria de manter ligações aos partidos de esquerda e de, por isso, ver parte da sua soberba casa (um pouco acima do Mário) desfazer-se sob a explosão de uma bomba do ELP.