O futuro das telecomunicações passa, obrigatoriamente, pelo aproveitamento de todo o potencial que a quinta geração de comunicações móveis (5G) encerra, mas a maioria dos principais agentes deste mercado acrescenta-lhe um fator que pode condicionar o desenvolvimento do sector e impactar o investimento: incerteza. Isto, por falta de previsibilidade regulatória, pelo atraso na concretização da oferta suportada pela nova rede e por potenciais alterações de enquadramento no mercado.
Esta perspetiva mais sombria contrasta com a avaliação positiva feita por operadores e consultores sobre a evolução das telecomunicações, baseada na densidade e consistência das redes e na capacidade de inovação. “O sector tem sido um elemento-chave no desenvolvimento económico”, afirma Diogo Sousa, partner da consultora KPMG, que destaca, como fator de sucesso, o “investimento em recursos e capacidades de conectividade e computação”. A resposta do sector durante a pandemia de Covid-19 é dada como exemplo. “Provou durante o período critico da pandemia a sua relevância, resiliência e capacidade de responder às necessidades”, afirma Mário Vaz, CEO da Vodafone, ao Jornal Económico (JE). “Foi um sector crítico para a continuidade do país As redes de comunicações assumiram-se como um importante ativo estratégico do país no sucesso do confinamento”, acrescenta o presidente-executivo da Altice Portugal, Alexandre Fonseca.
Esta avaliação “bastante positiva”, segundo Pedro Tavares, partner da consultora Deloitte, só é afetada com o que aconteceu já em pandemia. “A possível exceção é o último ano, em que o país poderia ter tomado decisões regulatórias um pouco diferentes – refiro-me naturalmente ao leilão de espectro do 5G que felizmente foi concluído no final de outubro. Não conseguimos manter-nos como referência europeia. Ainda assim, Portugal, nomeadamente os operadores de telecomunicações nacionais, podem orgulhar-se de ter percorrido nos últimos 15 anos um percurso de excelência”, sustenta.
Percebe-se, pelo que dizem os operadores, que o que aconteceu no ano passado condiciona a perspetiva que têm do desenvolvimento futuro, num período que será marcado pela recuperação económica e pelo roll out do 5G.
“O avultado investimento que temos vindo a fazer nas telecomunicações em Portugal, que nos coloca numa posição cimeira do setor a nível internacional, deve conter um racional económico que permita a viabilidade do retorno desse mesmo investimento”, diz Alexandre Fonseca, ao JE, sublinhando que a operadora investiu 3.000 milhões de euros, nos últimos anos, no mercado português, “um terço dos quais em infraestruturas, na modernização, expansão e crescimento das suas redes, e em particular daquela que é hoje a maior rede de fibra ótica de Portugal”.
“O nível de investimento que temos de fazer para podermos tirar o máximo partido do potencial da nossa tecnologia implica o convencimento dos nossos acionistas da razoabilidade e rentabilidade desse esforço no nosso mercado versus outros países onde há um ambiente mais cooperante com o sector, nomeadamente através de apoios, diretos ou indiretos nos seus PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”, reforça Mário Vaz.
O fator 5G
A principal queixa que é feita pelos operadores é a do atraso na concretização do leilão das frequências para a rede 5G, que terminou no final de outubro, depois de quase 10 meses, com um encaixe de 566,8 milhões de euros para o Estado.
“O atraso que Portugal hoje leva na introdução da tecnologia do 5G, uma das alavancas de transformação e crescimento das economias atuais, marca negativamente a evolução a médio e longo prazo do sector e, consequentemente, tem consequências irreversíveis na retoma económica do país”, afirma ao JE Filipa Santos Carvalho, administradora-executiva da Nos. “Fragiliza a competitividade e o desenvolvimento das nossas empresas e da nossa economia”, diz Mário Vaz. “A má gestão do dossier do 5G, arrisca o futuro de todo um setor e a agenda de inovação tecnológica do país”, acusa Alexandre Fonseca.
Com o 5G cumpre-se mais uma tentativa de mudança do mercado, com a entrada de dois novos operadores no retalho e de um outro como grossista. Desde a introdução das comunicações móveis digitais em Portugal que se pretende aumentar a concorrência incentivando a entrada de novos operadores no mercado a cada evolução tecnológica. Na passagem do analógico para o digital, a TMN (hoje Meo) ganhou a Telecel (hoje Vodafone) como concorrente; a segunda geração das comunicações móveis digitais viu chegar a Optimus (hoje Nos); e a terceira geração (o UMTS) tentou abrir ainda mais o mercado, com a atribuição de uma licença à Oniway, controlada pela EDP, que acabou por ser desmantelada e os seus ativos vendidos. Na altura, a saída da Oniway levou à discussão sobre se o mercado português comportaria mais de três concorrentes: um líder, um challenger e um terceiro operador.
Facto é que, quase 20 anos depois, o mercado está limitado a três operadores, numa situação que o presidente da Anacom identifica como de oligopólio (ver texto nestas páginas).
A Nowo, que é um dos retalhistas a entrar no mercado, concorda: “Temos um sector pouco dinâmico em Portugal, que apresenta uma das percentagens mais baixas da Europa no que respeita à transição de clientes entre operadores. Esta falta de dinamismo resulta essencialmente devido à existência de um número reduzido de operadores, uma vez que durante muitos anos não existiram condições para a entrada de novos concorrentes no mercado”, diz fonte oficial da empresa ao JE.