Tem uma vasta experiência no âmbito da transição energética enquanto líder. Como olha para o quadro europeu em matéria de sustentabilidade e eficiência? Em que ponto estamos?
Em relação ao posicionamento da Europa, vimos que foram estabelecidos muitas metas, objetivos e ambições importantes. Por exemplo, para as emissões de gases com efeito de estufa, a meta de redução 55% para 2030, para a eficiência energética também há um objetivo para 2030 e, para as energias renováveis, a meta de 42,5% em 2030. Portanto, grandes ambições e grandes objetivos. A questão é saber como é que isso se traduz em ações. No ano passado, foram instalados 75 gigawatts (GW) de nova capacidade de energias renováveis, dos quais 56 de energia solar e 17 de energia eólica. É um ano recorde. Nunca esteve a este nível, portanto é muito positivo. E é este o caminho certo para cumprir o objetivo? Na prática, estamos a ficar para trás. Temos uma grande ambição e estamos a acelerar no desenvolvimento das energias renováveis. Mas ainda existe um grande gap entre a ambição e o que está a ser desenvolvido. Por exemplo, no ano passado, em toda a Europa, foram desenvolvidos 17 gigawatts de energia eólica. Precisaríamos de 37 GW - mais do dobro. Há um bom impulso. É sobre como acelerar, como garantir que a ambição se traduz em resultados reais. É o caso das energias renováveis. Precisamos também de acelerar a eficiência energética, fundamental para conseguirmos reduzir as emissões. Em dezembro, foi aprovada a EPBD (Diretiva relativa ao desempenho energético dos edifícios), uma legislação muito importante que irá exigir a redução das emissões nos edifícios. Para termos aquilo a que chamamos sistema de gestão de edifícios, é necessário otimizar o consumo de energia. Temos a grande parte da legislação. É preciso passar à ação e acelerar o ritmo de desenvolvimento para garantir que a ambição se cumpre.
Defendeu [no Innovation Summit Paris 2024] que é tempo de atuar no campo da regulação. Como olha para a Taxonomia da União Europeia (UE)? O sistema é eficiente?
A taxonomia da UE e a CSRD [diretiva relativa aos relatórios de sustentabilidade das empresas] estão muito ligadas. Trata-se da forma de reportar sobre as diferentes atividades, o que é verde e o que não é, mas também a forma de comunicar o seu compromisso de sustentabilidade. É muito importante que haja transparência em toda a Europa para que consigamos comparar o compromisso das empresas. O que considero positivo é o facto de, no final do dia, se estar a tornar uma questão para todos os executivos, quando se está num conselho de administração ou comités executivos. Fala-se sobre o assunto porque se está a tornar obrigatório. Há dois anos, todos falávamos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, das consequências para a segurança energética e a volatilidade dos preços da energia. Agora toda a gente fala de sustentabilidade porque a taxonomia e a CSRD da UE se estão a tornar obrigatórias. Para nós, Schneider, é também uma oportunidade, porque desenvolvemos uma prática de sustentabilidade nos últimos 15 anos. Desenvolvemos ferramentas, soluções de software para acompanhar as empresas nesse processo e para lhes simplificar algo que, na realidade, é muito complexo. Um facilitador para a digitalização do ESG [ambiental, social e governance] e uma maior transparência em torno da sustentabilidade.
E qual é o papel da Schneider nesse campo? Como participa na agenda verde e de transformação digital europeia?
No que diz respeito à UE, tentamos mostrar os grandes obstáculos que identificamos na Europa e o que pode ser feito de forma diferente. Quanto à transição energética, há muita atenção em torno das energias renováveis, da forma de tornar o fornecimento mais ecológico. As pessoas pensam na energia eólica e na energia solar. O nosso papel é dizer que isto é apenas metade da equação para descarbonizar. Para sermos neutros em carbono até 2050, é preciso trabalhar sobre a procura. E trabalhar sobre a procura é a eficiência energética. Por isso, o nosso papel é dizer que a eficiência energética é o facilitador. Não é assim tão fácil de materializar, porque o parque eólico é visível. Por isso, temos de tornar visual algo que é invisível. É um pouco isso que estamos a tentar fazer ao mostrar um estudo de caso concreto. Por exemplo, a construção é um segmento muito importante por ser responsável por 40% das emissões. Temos de trabalhar na construção. E o que estamos a dizer é que ao implementar a automação, o sistema de gestão de edifícios, a gestão de energia num edifício, é possível reduzir as emissões até 40% e ter um retorno dos investimentos em menos de cinco anos. Por isso, queremos apresentar estudos de caso concretos como este para dar uma ideia de que, no âmbito da transição energética, não se trata apenas de tornar a oferta mais ecológica, o que é muito importante, mas também de trabalhar a procura. E, por último, para percorrer toda a cadeia de valor, é trabalhar na rede. Por vezes, prestamos menos atenção aos investimentos necessários na rede. Não é unidirecional, é bidirecional. Há muitos investimentos a fazer. O nosso papel consiste em dar a conhecer todo o espetro de ações necessárias para ter um impacto significativo na transição energética, desde a oferta de energia até à procura.
E em que moldes interagem com os decisores políticos europeus durante o ano?
A Comissão Europeia está a apresentar algumas propostas. O que fazemos é dar uma pequena ideia de como isso se traduz em negócios. É muito importante, por exemplo, quando há uma proposta de diretiva (como a diretiva relativa ao desempenho energético dos edifícios), dizer qual é a tecnologia disponível hoje, o que pode ser implementado e escalado. Não se trata de elaborar legislação, mas de exemplificar como pode ser traduzida em tecnologias. A mesma interação com o Parlamento. A mesma interação com os Estados-membros. Porque, no fim de contas, a legislação da UE exige um alinhamento entre as três partes. E é assim que vemos o nosso papel.
A UE ambiciona representar o primeiro continente do mundo com impacto neutro no clima até 2050. Qual a sua opinião sobre o net zero [zero emissões líquidas de carbono]? Mito ou objetivo realista?
Penso que é importante falar de net zero porque significa que estão a ser feitos todos os esforços no sentido de reduzir. É muito mais importante trabalhar primeiro na redução do que na compensação. O debate sobre o net zero é positivo. A questão é que não devemos adiar esse objetivo para 2050. Precisamos de ter objetivos a curto prazo. Caso contrário, as pessoas podem pensar que 2050 está muito longe. E na Schneider Electric pedimos para assumir alguns compromissos a curto prazo. Por exemplo, desenvolvemos aquilo a que chamamos indicadores de sustentabilidade SSI [Schneider Sustainability Impact], que comunicamos trimestralmente a nível externo, tal como os indicadores financeiros. Quando se trata de descarbonização, temos o âmbito um e dois - que fazemos para as nossas próprias emissões -, e temos o âmbito três, que é a parte mais difícil, porque se trata de fornecedores/clientes. E, neste caso, comprometemo-nos a descarbonizar os nossos mil principais fornecedores em 50% em 2025. Queremos mostrar que o âmbito três não é para 2050. Temos de trabalhar agora mesmo. Temos etapas, que estão comprometidos com o mundo exterior. E temos de provar ao mundo exterior que o estamos a fazer. Por isso, para mim, esse debate é positivo pela redução em primeiro lugar, mas não deve ser um adiamento do compromisso. Deve ser visto em conjunto com etapas a curto prazo para dar credibilidade à concretização desse objetivo de zero emissões líquidas.
A Inteligência Artificial representa um elevado consumo de energia . Há razões para preocupações em torno do impacto ambiental da IA?
A IA é uma tecnologia que continuará a desenvolver-se, a expandir-se e a melhorar. Estamos a utilizar provavelmente uma parte muito limitada do que é possível desenvolver com a IA. E a IA é, na realidade, um impulsionador da transição energética. Falamos do consumo de energia para a IA, mas também devemos falar da forma como a IA está a promover a transição energética. Por exemplo, tentamos sempre fazer três camadas da nossa oferta para os nossos clientes. A primeira camada é a dos produtos conectados. Diria que são produtos tradicionais, produtos eléctricos que estão ligados à nuvem. O segundo nível é o controlo de ponta, que consiste na virtualização de todos os dados. A última camada é a a Internet das coisas (IoT), a IA. Esta parte é fundamental porque é a responsável pelo machine learning e por toda a parte da otimização para as casas, para os edifícios, para a indústria.
Como é que a vossa estratégia de sustentabilidade tem evoluído e o que esperam para os próximos anos?
A nossa estratégia de sustentabilidade começou há cerca de 15 anos. Não tínhamos o mesmo tipo de indicadores porque os indicadores evoluíram ao longo do tempo. Mas a tónica na sustentabilidade começou há muito tempo. Muitas pessoas falam de sustentabilidade, mas se quisermos realmente envolver toda uma organização, leva tempo a ser totalmente incorporada na cultura da empresa. Agora já atingimos este nível de maturidade; cada funcionário sente que tem um papel na sustentabilidade, porque há 15 anos atrás já nos tínhamos comprometido. Na altura, Jean-Pascal Tricoire era o CEO que estava a dar início ao processo. Tinha em mente desenvolver indicadores-chave de desempenho (KPI) para monitorizar os KPI e comunicar os KPI externamente. Agora, todos querem seguir nessa direção. Há 15 anos, era isso que fazíamos. O último conjunto de KPI que temos é de 2021-2025, o que significa que, após 2025, vamos desenvolver um novo conjunto de KPI, e isso dependerá do que consideramos ser a parte mais ambiciosa da sustentabilidade. É como uma maratona sem meta. Precisamos sempre de nos reinventar. Por isso, não nos concentramos no conjunto de KPI que temos. Temos um período para os cumprir em 2021- 2025. Depois, desenvolveremos um novo conjunto para nos desafiarmos sempre a dar um passo em frente.
Está à frente das operações europeias da Schneider desde setembro do ano passado. Os vários mercados estão alinhados no que diz respeito a estes compromissos de sustentabilidade?
Quando se olha para os nossos resultados e para a evolução da capitalização bolsista da empresa, verifica-se que há apetência para o que estamos a fazer, porque a eletrificação é um tema central de discussão nos Estados Unidos, na China e na Índia. O primeiro-ministro indiano falou muito de eletrificação. Pensamos que estamos, provavelmente, no sítio certo. E a eletrificação é o facilitador da sustentabilidade. Vemos mais eletrificação a acontecer em todo o lado e mais sobre digitalização. O que é diferente são as ferramentas para a implementar. Nos Estados Unidos desenvolveram-se muitos incentivos fiscais, por exemplo. Na Europa é diferente, mais baseado em legislação.
É uma vantagem.
Sim, porque todos vão nessa direção, mas também é um posicionamento. Isto está a acontecer. Este é o sítio certo para estar. Nos Estados Unidos há outras ferramentas. E na China e na Índia também é diferente. Quando olhamos para o nosso posicionamento e para a forma como o mercado reage à nossa oferta, é positivo, porque a eletrificação, a digitalização e a sustentabilidade estão a acontecer em todo o mundo. Talvez por caminhos diferentes, talvez com tecnologias diferentes e ferramentas diferentes, ou incentivos fiscais,, mas isto está a acontecer.