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Flexibilidade é o mantra do BCE para o novo ano

Os bancos centrais vão começar a retirada gradual dos estímulos monetários. Se na Reserva Federal norte-americana a redução de compras do programa de compras é mais forte, no Banco Central Europeu a cautela é dominante.

O caminho passa pela retirada gradual dos estímulos monetários e isso é já adquirido, mas com a garantia para os países da moeda única de que existe “flexibilidade” caso seja necessário. No que toca aos juros, se em terras do “Uncle Sam” já se prevê que as taxas podem subir pelo menos três vezes durante 2022, na zona euro garante-se que este aumento será “muito improvável” no novo ano.

Foi aquando do anúncio do reforço do programa de compra de ativos (APP) para compensar o fim do Programa de Compra de Emergência Pandémica (PEPP) que a presidente do Banco Central Europeu (BCE) reiterou que dada a incerteza, o banco central quer “ter o máximo de flexibilidade e de escolhas”.

Na última reunião do Conselho de Governadores, a 16 de dezembro, Christine Lagarde anunciou as linhas mestras para os próximos tempos: no primeiro trimestre de 2022, o BCE vai fazer compras de ativos líquidos no âmbito do Programa de Compra de Emergência Pandémica a um ritmo mais lento do que no trimestre anterior; irá interromper as compras de ativos no âmbito deste programa no final de março de 2022; e alargar o horizonte de reinvestimento pelo menos até ao final de 2024.

Contudo, abriu a porta à flexibilidade e admitiu que “em caso de uma fragmentação renovada do mercado relacionada com a pandemia, os reinvestimentos no contexto do PEPP podem, em qualquer momento, ser ajustados de forma flexível ao longo do tempo, por classes de ativos e entre jurisdições”. E não descarta voltar às compras no âmbito do programa pandémico se necessário: “as aquisições líquidas no contexto do PEPP podem também ser retomadas, se necessário, para contrariar choques negativos relacionados com a pandemia”.

Paralelamente, e porque a retirada dos estímulos será gradual, o banco central decidiu no âmbito do APP avançar com um ritmo de compra líquida mensal de 40 mil milhões de euros no segundo trimestre, de 30 mil milhões de euros no terceiro trimestre e a partir de outubro a um ritmo mensal de 20 mil milhões de euros durante o tempo necessário para reforçar o impacto acomodatício das taxas de política.

É perante este cenário que espera que as compras líquidas terminem pouco antes de começar a aumentar as taxas de juro diretoras do BCE, que se mantém em mínimos históricos. A taxa aplicável às operações principais de refinanciamento e as taxas aplicáveis à facilidade de cedência de liquidez e à facilidade permanente de depósito permanecem em 0%, 0,25% e -0,5%.

“É muito improvável que vamos subir as taxas de juro em 2022”, garantiu Lagarde, em conferência de imprensa, durante a qual reiterou o carácter temporário do aumento da inflação. Apesar de esperar um acelerar da inflação em 2022 – as projeções apontam para uma taxa de inflação média de 3,2% em 2022 -, espera uma descida para 2023, projetando uma taxa de 1,8% em 2023 e em 2024.

Descontado alimentos e energia, prevê uma taxa de inflação de 1,9% em 2022, 1,7% em 2023 e 1,8% em 2024. O aumento da inflação tem centrado as atenções dos analistas e dos mercados, mas Lagarde não deverá querer seguir o caminho do Banco de Inglaterra, que em dezembro se tornou o primeiro banco central do G7 a subir as taxas de juro, com o aumento do mínimo de 0,1% para 0,25% para conter a inflação e os mercados a esperarem já um novo aumento em fevereiro.

Luís Aguiar-Conraria, investigador e professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, assinala que “neste momento, o que os bancos centrais estão a fazer é gestão de expectativas, sinalizar que estão atentos e que se for necessário sobem as taxas de juro. Com isto sinalizam às pessoas e mercados que a inflação não vai disparar; pode subir, mas não vai disparar”.

Nos Estados Unidos, o tom é mais hawkish (intenção de aumentar as taxas de juros) do que na zona euro. A Reserva Federal (Fed) norte-americana já anunciou que irá acelerar o ritmo de retirada dos estímulos económicos, aumentando o montante de redução mensal (para 30 mil milhões) do programa de compra de ativos implementado para conter o impacto da pandemia. Na última reunião, a instituição presidida por Jerome Powell manteve as taxas de juro inalteradas, mas os mercados esperam a primeira subida em março. Para 2022, o banco central reconhece a possibilidade de mais duas subidas das taxas, perspetivando mais duas em 2023 e outras duas em 2024.

“As previsões da Fed para a taxa de juro mostram que cada mês que passa as previsões mudam em alta; a última previsão da taxa de juro no final de 2022 aponta para 1% - depois de sucessivas revisões em alta, o que se prevê é 1%, o que é uma taxa de juro muito baixa e se traduz numa taxa de juro real negativa”, refere Luís Aguiar Conraria. O professor universitário explica que a gestão de expetativas dos bancos centrais é central para controlar a inflação: “enquanto as expectativas se mantiverem em baixo é muito difícil a inflação subir. Se as expectativas da inflação subirem, a inflação vai naturalmente atrás e depois é difícil baixá-la sem alguns custos económicos”.

Francesco Franco, professor na Nova SBE, recorda que a política orçamental dos Estados Unidos é muito mais expansiva que a política orçamental da zona euro que explica parcialmente a maior inflação no Estados Unidos. “Isto implica uma resposta diferente da política monetária entre os Estados Unidos - que necessita de ser mais restritiva mais rapidamente - e a zona euro - que pode ser mais lenta na normalização da política monetária”, acrescenta.

Para Filipe Garcia, todos os bancos centrais “têm transmitido a mensagem de que pretendem normalizar a política monetária, cada uma à sua maneira”.
“No entanto, receio que isso jamais voltará a ser possível. Os agentes económicos, na sua generalidade e em particular os Estados, estão reféns dos juros baixos”, vaticina.

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