O ano de 2021 terminou com uma situação alarmante no sector da logística e da cadeia de abastecimentos, com navios parados um pouco por todo o globo, o preço dos fretes marítimos a disparar e uma escassez de contentores para fazer chegar produtos essenciais às economias em retoma após os sucessivos lockdowns da pandemia. Mas esta situação pode tornar-se pior no ano que entra. Como? Em conversa com o Jornal Económico, o presidente da Associação Portuguesa de Logística (APLOG), Raúl de Magalhães, explica em três palavras: “Ano Novo Chinês”.
“No Natal tivemos uma ideia do cenário, mas não nos esqueçamos que em fevereiro temos o Ano Novo Chinês, com mais pressão do lado da procura. Temos temos aqui um cocktail explosivo para uma crise que nunca foi do lado da procura”, disse o responsável ao JE.
De acordo com Raúl de Magalhães, os fretes marítimos em regime spot entre a Ásia e os EUA tocaram os 15.000 dólares, um valor dez vezes superior à cotação pré pandémica. É este desequilíbrio que provoca falta de contentores vazios noutras partes do globo. Na Europa – o caso que mais importa a Portugal – os valores são ligeiramente mais baixos, a tocar nos 12.000 dólares. Ainda assim é uma subida que corresponde a oito vezes mais do que antes do Covid-19.
A tendência ao entrar no próximo ano é que a situação venha a piorar.
Segundo o presidente da APLOG, há vários motivos a contribuir para essa preocupação, sendo que o primeiro é a política de “Covid-Zero” que a China continua a aplicar. “Com esta política, basta um ou dois casos para levar ao encerramento de um terminal, de portos, de grandes cidades ou regiões, com impactos brutais a nível do comércio internacional”, explica.
Por outro lado, há restrições causadas por paragem de navios, imobilizados por falta de tripulação (infectada). Entre 10% a 12% das frotas estão paradas, estima o responsável.
E há uma terceira razão: as dificuldades colocadas ao nível dos portos, onde os navios agora fazem fila (queuing) não no destino, mas nas origens ,em particular na Ásia. Ou seja, a regra – tal como na aviação – passou a ser que um navio não sai do porto sem que haja certeza que possa entrar e descarregar no porto de destino.
Por isso mesmo, os especialistas do sector asseguram que esta “tendência altista nas tarifas e alguma anarquia, quer no cumprimento das escalas quer na falta de espaço nos navios, será no curto prazo para manter”. “Só depois do Ano Novo Chinês, em fevereiro, poderemos ter algum alívio”, assegura Raúl de Magalhães.
No médio prazo, há várias medidas que poderão ser tomadas para mitigar o problema e preparar para crises futuras. Mas algumas são demoradas. Por exemplo, a entrada em atividade de novos navios para reforçar as frotas, algo que nunca demorará menos de dois a três anos.
Outra forma passa por diversificar o fornecedor, com uma nova política de sourcing – “por exemplo, China +1”. “Mas se o +1 for na Ásia o tema será muito similar”, alerta Raúl de Magalhães.
Claro que “o aumento da inflação pode ajudar a resolver o problema por si só, mas a cura será dolorosa e chama-se recessão”, avisa o presidente da APLOG.
Todo este cenário agravou-se no final do ano com a questão das matérias primas e da energia.
“Pela primeira vez – esta crise só nos traz novidades, em muitas áreas – pela primeira vez nós estamos a assistir a uma crise global também e simultânea no cabaz de todas as energias”, explica Raúl de Magalhães.
Por exemplo, “as compras de carvão que a China faz à Austrália tem sido uma das causadoras dos bloqueios que os portugueses têm tido. As compras têm sido maciças a nível de carvão. Há uma requisição de matérias-primas e de energia por parte da China para que a máquina chinesa industrial consiga dar resposta à sua capacidade instalada e conseguir vender para todo para todo o mundo”.