A balança comercial portuguesa no sector agroalimentar é tradicionalmente deficitária, mas o ritmo de crescimento das exportações superou o das importações em 2020, continuando a tendência ao fim de nove meses deste ano. Apesar de se manter o défice da balança comercial agroalimentar, este diminuiu nos dois anos anteriores e os 3,2 mil milhões de euros exportados até setembro deste ano mostram um ritmo de crescimento acima do das importações. Segundo o Ministério da Agricultura e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), o objetivo é continuar a aumentar as vendas para o exterior, com um sector cada vez mais inovador e dinâmico.
Os dados mais recentes do INE sobre o comércio internacional mostram crescimentos de 10% nas exportações desde janeiro até setembro deste ano e de 8,2% nas importações quando comparando com igual período de 2020, o que mostra a manutenção da tendência iniciada no ano anterior de um ritmo de crescimento superior nas vendas de Portugal ao exterior do que nas compras ao resto do Mundo. Tomando como referência 2019, estas variações cifram-se nos 11,1% para as exportações e 2,4% para as importações.
O ano de 2020 trouxe uma quebra no ritmo de crescimento das importações, enquanto as exportações nacionais mostraram uma capacidade de resistir ao choque negativo causado pela pandemia, que causou entraves consideráveis ao comércio internacional. Tal contribuiu para, à semelhança de 2019, um desagravamento do défice comercial agrícola do país, que levou este indicador a cair 429,7 milhões de euros no ano passado.
Segundo o Boletim Mensal da Economia Portuguesa de agosto do Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE) e do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI), o aumento nas exportações em 2020 foi motivado sobretudo pelos crescimentos na rubrica ‘Outros agroalimentares’, cujo volume de exportações subiu 8,5%, ou 144 milhões de euros, e na de ‘Oleaginosas, gorduras e óleos’, que cresceu 71 milhões de euros, equivalente a também 8,5% de variação homóloga.
Os gabinetes de estudos do ministérios da Economia e das Finanças destacam também os aumentos de 84 milhões de euros, ou 6,5%, nas ‘Conservas e preparações alimentares’, sendo que, em sentido contrário, apenas nos ‘Produtos de pesca’ as exportações recuaram, tendo caído 23,4%, ou 193 milhões de euros.
Já este ano, os produtos agrícolas mais exportados caíram nas rubricas de gorduras e óleos, peixes e fruta, que representaram 55,6% do total vendido ao exterior até setembro. Mais concretamente, as exportações de gorduras e óleos subiram 74 milhões de euros, crescendo 12,9% em relação a igual período do ano passado, e as de peixe aumentaram 104 milhões, acelerando 23% em termos homólogos. Ainda assim, estas últimas permanecem 8,6% abaixo do verificado entre janeiro e setembro de 2019.
“O aumento das exportações na última década – cerca de 4,9% ao ano, entre 2010 e 2020 – deveu-se, em grande parte, ao grande dinamismo de vários sectores, como é o caso do sector das hortofrutícolas, do vinho e do azeite, assim como da produção animal”, explicou ao JE a ministra da Agricultura em outubro passado.
Esta análise é reforçada por Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). “O facto de em 2020 se ter verificado um decréscimo do nível de importações de produtos agroalimentares não é certamente alheio às consequências da própria pandemia e da contração dos mercados, mas significa também que a produção nacional conseguiu, em tempos de grandes dificuldades para todos, abastecer o mercado nacional, preenchendo as lacunas da quebra nas importações e, ainda assim, manter a rota ascendente das exportações nacionais do setor agroalimentar”, defende.
Esta trajetória reflete-se também na composição global das exportações nacionais. De acordo com as declarações da ministra da Agricultura ao JE, se, em 2000, os produtos do complexo agroalimentar representavam apenas 5,4% das vendas portuguesas ao exterior, em 2020 este peso chegou aos 9,3%, o que espelha bem a crescente importância do sector da economia.
Maior autonomia alimentar apesar das limitações naturais
Este comportamento do comércio internacional na vertente agroalimentar vai no sentido de uma maior independência agrícola e alimentar do país, um dos objetivos do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), que vai entrar em vigor em 2023. Ainda assim, e apesar de reconhecer a necessidade de se trabalhar para um maior equilíbrio da balança comercial agroalimentar, Eduardo Oliveira e Sousa lembra que há características naturais que condicionam a produção nacional.
“A nossa agricultura é diversificada, de caraterísticas mediterrânicas, com produtos de grande qualidade e diferenciação nos mercados o que, naturalmente, constitui uma mais-valia. No entanto, produtos indiferenciados, as chamadas commodities, cujo preço depende de grandes produções e áreas de produção, caraterísticas específicas ao nível de solos e climas, com economias de escala significativas, não correspondem ao nosso tipo de produção”, esclarece, dando o exemplo dos cereais, onde a importação “se torna incontornável”.
Por outro lado, produtos como o vinho, o azeite, as frutas, os legumes, os frutos secos e os pequenos frutos, e até produtos de origem animal, estão, diz o líder da CAP, “entre os que reconhecidamente constituem trunfos para o setor agroalimentar nacional”.
O azeite é um bom exemplo da transformação que tem sofrido o sector agroalimentar português. Este produto tipicamente mediterrânico, que o boletim do GEE e GPEARI mostra ter crescido 21,2 milhões de euros entre 2019 e 2020, constituía um subsector não autossuficiente no mercado português em 2008, uma situação que se inverteu, passando este produto a ter o maior contributo, dez anos depois, para a melhoria do saldo da balança comercial agrícola, destacam analistas. Com um crescimento de 286% nas exportações entre 2008 e 2019, o aumento de 405 milhões de euros no volume exportado superou largamente o verificado nas importações, que subiram 100 milhões de euros.