Há uma monumentalidade desmesurada quando pensamos na produção de Wagner e nos seus dramas musicais: o som denso e luxuriante da orquestra, cantores com capacidades vocais e resistência fora do comum, uma cenografia que desafia as leis da gravidade. Traições, amores impossíveis, tragédias. Muitas vezes em torno de assuntos desligados da vida real, do tempo em que vivemos. Dirá quem julga não apreciar ópera. Mas, se tentarmos desmontar essa perceção, a conclusão será outra.
“OAnel do Nibelungo”, a Tetralogia que Richard Wagner levou mais de um quarto de século (desde 1848 a 1874) a conceber, é composta por prólogo e três jornadas – ”O Ouro do Reno”, “A Valquíria”, “Siegfried” e “O Crepúsculo dos Deuses”. O compositor foi beber a várias fontes da mitologia germânica e nórdica para escrever o libreto, onde desaguam histórias que começam por dar primazia a anões, gigantes, deuses e outros seres para, depois, se focarem cada vez mais no ‘elemento humano’.
Comecemos pelo Anel, um dos objetos simbólicos da Tetralogia, forjado com o ouro que o Nibelungo Alberich roubou às filhas do Reno. Quem o possuir terá um poder ilimitado sobre o mundo. Em troca, porém, terá de renunciar ao amor. Ou seja, a sua maldição trará a desgraça e a destruição a todos os que o possuírem. Certo, mas para além disso, outra leitura pode ser feita. Nomeadamente, enquanto parábola política da tragédia da vontade de poder. George Bernard Shaw, dramaturgo, crítico e ativista político irlandês, não resistiu a fazer essa análise.
Mas regressemos à escrita dos libretos desta Tetralogia, que avançou em ordem cronológica inversa. O primeiro a surgir foi o de “A morte de Siegfried” (Siegfrieds Tod), que se converteria em “O crepúsculo dos deuses” (Götterdämmerung), seguindo-se “O jovem Siegfried “(Der junge Siegfried), que se converteu em “Siegfried”, “A Valquíria” (Die Walküre) e “O ouro do Reno” (Das Rheingold), numa missão titânica que ocupou Wagner até 1853.
A composição, por sua vez, arrancou em 1856, desta vez por ordem cronológica, e prolongar-se-ia até 1874, com longos interregnos para a composição de “Tristão e Isolda” (estreada em 1865) e “Os mestres cantores de Nuremberga” (estreada em 1868). A estreia da Tetralogia deu-se entre 13 e 17 de agosto de 1876, no Festpielhaus de Bayreuth, construído expressamente para o efeito, segundo rigorosas especificações de Wagner. Teria tudo corrido como Wagner pretendia, não fosse uma imposição de Luís II da Baviera – o mecenas deste desmedido projeto. Que ditou, contra a vontade do compositor, que “O ouro do Reno” estreasse em 1869 e “A valquíria” em 1870.
Dez anos depois da última apresentação do ciclo das quatro óperas épicas de Richard Wagner, La Scala de Milão propõe uma nova produção, encenada por um dos nomes mais conceituados do meio, David McVicar. Não menos importante, o elenco de vozes wagnerianas, com destaque para Michael Volle (Wotan), Camilla Nylund (Brünnhilde)e Klaus Florian Vogt (Siegfried). A partir de março de 2026, por ocasião dos 150 anos da sua estreia, em 1876, o Scala apresentará os dois ciclos completos, como Wagner pretendia. Oprimeiro sob a batuta de Alexander Soddy (1-7 março) e o segundo pela maestrina Simone Young (10-15 março 2026).
Emoções fortes e nem uma pausa nestas 14 horas de puro Wagner
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No Scala de Milão, sobe ao palco a desmesura de Wagner, numa tetralogia que é uma parábola política da tragédia da vontade de poder. David McVicar, reputado encenador de ópera, assina a nova produção nos 150 anos da sua estreia.