As eleições que começam esta semana na Índia podem ser bem mais importantes que a mera eleição do próximo primeiro-ministro – que, tudo o indica, deve ser o mesmo de há vários anos: Narendra Modi. E se for assim, dizem os analistas, poderá ser de facto importante. Primeiro-ministro desde maio de 2014 – apesar da acumulação de queixas contra as suas tentações autoritárias – a sua permanência no poder implicará, face ao contexto geopolítico global, o reforço da sui generis estratégia da Índia. O país, independente desde 1947, tem mostrado uma vontade ainda não vergada (apesar das tentativas) de se manter não-alinhada nem com o Ocidente nem com a vizinha China.
Foram os Estados Unidos da América (EUA)os últimos a tentarem uma aproximação estratégica: Modi esteve ali de visita há pouco menos de um ano e foi recebido por Joe Biden com todas as mordomias dispensadas às personalidades importantes para a estratégia norte-americana. Em vista estava uma parceria que pudesse colocar a China na defensiva naquela parte do mundo em que prepondera. E também tentando afastar a Índia da ‘má influência’ da Rússia, uma vez que o país asiático não alinhou com o Ocidente nas votações na ONU contra a Rússia a propósito da guerra na Ucrânia.
Mas não foi bem isso que sucedeu. A Índia manteve-se perigosamente (na ótica de Washington) independente – tanto mais que, como recordou o embaixador Seixas da Costa em declarações ao Jornal Económico (JE), tratou de “aproveitar os saldos do petróleo russo que se seguiram às sanções” impostas pelos EUA e seus aliados. Além disso, mantendo um litígio em aberto com a China – por causa do Tibete – a Índia não encontrará nenhuma boa razão para agudizar a sensibilidade política entre as duas capitais.
O aumento da força política de Narendra Modi – que inevitavelmente acontecerá se voltar a vencer as eleições – adicionado ao endurecimento das relações internacionais (por causa do Médio Oriente) e na perspetiva de uma possível vitória do ‘protecionista’ Donald Trump, enformam o momento certo para a Índia assumir o momento como ideal para testar a possibilidade de aumentar o seu poder global.
“A Índia é uma potência adiada”, refere Seixas da Costa – para evidenciar que o vasto país tem todas as caraterísticas para poder auferir um lugar especial, de topo, no cômputo das nações. Até por que, convém recordar, a Rússia – outra eterna candidata à liderança mundial – está a braços com uma guerra e o pós-guerra, seja ele quando for, não será com certeza um momento de afirmação global.
Uma das apostas mais sólidas da Índia é a sua presença nos BRICS – uma ‘sociedade’ de países emergentes que se tem vindo a afirmar cada vez mais poderosamente. E que tem duas caraterísticas fundamentais: mantém uma distância estratégica com os Estados Unidos, não os confrontando diretamente, mas não alinhando na sua agenda internacional; e alimenta vasos comunicantes cada vez mais sólidos com o chamado Sul Global. A maior problema dos BRICS é que é composto por demasiados países que querem estar no top 3 do globo: China, Rússia e Índia – com o Brasil a rondar por perto. Ou seja, em alguma altura, ninguém sabe quando, o agregado – que neste momento é claramente liderado pela China – vai acabar por ser palco de um choque de interesses que poderá desfazer a aliança.
Quando e se isso acontecer, a Índia ficará por sua conta. Os concorrentes estarão mais resguardados: a China terá sempre a ‘sua’ Organização para Cooperação de Xangai, fundada em 2001 – de que a Índia também faz parte mas onde não tem veleidades de comando; e a Rússia a ‘sua’ CEI, Comunidade dos Estados Independentes, criada em 1991 após a desagregação da ‘velha’ URSS.
A Índia não tem, ao contrário de russos e de chineses, nenhuma alternativa – a não ser o próprio hinduísmo, mas que do ponto de vista global não tem expressão significativa.
Uma espécie de democracia
A maior eleição do mundo começa esta sexta-feira, com cerca de 970 milhões de eleitores registados (48% são mulheres), num ato eleitoral que dura seis semanas. Os eleitores vão eleger 543 membros da câmara baixa do Parlamento indiano – em que estão envolvidos seis partidos nacionais, 57 partidos estaduais e 2.597 partidos menores, que são permitidos no boletim de voto, mas não cumprem os termos para serem oficialmente reconhecidos pela Comissão Eleitoral nacional.
Mas tudo se resumirá ao confronto político entre o partido Bharatiya Janata (BJP, do primeiro-ministro) e o opositor Congresso Nacional Indiano (INC) – que lidera uma aliança de 28 partidos: a Aliança Nacional Inclusiva do Desenvolvimento Nacional (INDIA, no acrónimo ingês). Mas, mesmo com esta aliança – que evidentemente não é fácil de conseguir e muito menos de manter depois das eleições, as sondagens indicam que o primeiro-ministro e o BJP – nacionalista hindu, a religião de cerca de 80% dos indianos – devem ganhar as eleições.
Nas eleições de 2019, o BJP garantiu uma vitória confortável, com 303 lugares e formou uma coligação formada por um total de 353 deputados. O INC conquistou apenas 52 lugares, a que somou mais 91 com os parceiros de coligação.
A grande aposta do primeiro-ministro está na economia: prometeu que a Índia se tornará a terceira maior economia do mundo até 2029. Acusado de silenciar a oposição e os jornais, de desprezar as minorias muçulmanas e de querer recuperar as glórias do passado esquecendo alguns dos maiores problemas do futuro. Apesar de a Índia ser considerada a maior democracia do mundo, parece claro que os pressupostos globais de uma democracia não são cumpridos com um mínimo de rigor.