Hoje será dia de exame de Letras para Marcelo Rebelo de Sousa. É o dia "D" do Presidente, pois será esta quinta-feira que terá de decidir e anunciar ao país qual será o futuro imediato da política portuguesa, na sequência da demissão, terça-feira, do primeiro-ministro António Costa, envolvido no escândalo de favorecimentos nos negócios do lítio e do hidrogénio.
Ao longo de toda a quarta-feira, Marcelo ouviu os partidos políticos em Belém e, se ainda não tem a cabeça feita num sentido ou no outro, ficou a perceber que o PS e oposição pensam de forma muito diferente quanto ao que deve acontecer. É a letra "E" – de eleições – na cabeça de todos.
Mesmo com a demissão de António Costa (que Marcelo disse ter aceitado), o PS acredita que há condições para governar sem recorrer à dissolução do Parlamento e à consequente convocação de eleições. Essa foi a ideia que Carlos César, presidente do Partido Socialista, partilhou na reunião que teve com Marcelo Rebelo de Sousa, no fecho da ronda de encontros do presidente da República com os partidos para analisar o actual quadro político.
Ao contrário das restantes forças partidárias, o presidente do PS, Carlos César referiu que a "opção preferencial é a de nomeação de um Governo com novo primeiro-ministro".
“Uma situação de antecipação do ato eleitoral não garante necessariamente uma solução de estabilidade política para o futuro. A nossa convicção, é por isso, a de que a opção preferencial é a de nomeação de um governo com novo primeiro-ministro”, disse Carlos César.
O Correio da Manhã e também o Observador avançaram que, nessa solução, o líder dos socialistas terá sugerido os nomes de António Vitorino, Mário Centeno e Augusto Santos Silva para encabeçar um Governo provisório. Contudo, outros nomes se perfilam como candidatos naturais e por questões óbvias, seja do ponto de vista hierárquico com o próprio Carlos César e Mariana Vieira da Silva (a número dois do Governo de Costa) a destacarem-se dos demais. O que o PS não quer ouvir falar é de eleições para já, mas sim apenas a partir de Março.
O que daria tempo aos socialistas – como a outros partidos – de se organizarem internamente, com a convocação de um congresso extraordinário para escolher o sucessor de Costa como secretário-geral do PS. Foi isso mesmo que Carlos César explicou ao Presidente da República: o partido precisa de tempo para nomear um sucessor para António Costa.
“Simultaneamente, o presidente da República está informado do processo que o PS tem do ponto de vista dos seus procedimentos internos para a substituição do seu secretário-geral e do processo temporal associado à concretização dessa nova fase”, informou Carlos César, apontando que a data ideal seria no mês de março. Seria nesse cenário que entraria Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro, com Fernando Medina e Marta Temido a correr por fora.
Mas hoje também é o dia "O", de Orçamento. Muito do que se decidirá quanto a timing tem a ver com a possibilidade de se aprovar ou não a Conta Geral do Estado. É certo que quando o primeiro-ministro se demite, o governo cai e, com ele, o Orçamento. Mas estamos num processo de entrega da proposta de OE para 2024 e não na fase da sua execução. Assim, se Marcelo Rebelo de Sousa usar uma "tecnicalidade" de atrasar a formalização da queda do governo, para depois do dia 29 de novembro, o parlamento – nesse caso ainda em plenitude de funções – pode aprovar na globalidade um Orçamento.
O PS quer ver aprovado o Orçamento montado pelo Governo de Costa e Medina. Contém muitas das políticas que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças defenderam, desde as da habitação, ao aumento dos impostos indiretos e do IUC, até ao fim do regime especial dos residentes não habituais. Bandeiras de Costa que o PS quer manter. Mas há algo muito mais importante: a normal execução do Orçamento e das políticas que contém podem ser fundamentais para Portugal aceder a várias parcelas de verbas comunitárias do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência, vulgo "bazuca").
E a esse argumento vários outros partidos são sensíveis. Desde logo o Chega. André Ventura frisou que o partido "é sensível ao argumento da questão orçamental que está em debate na Assembleia da República e que eventualmente será importante haver aqui um juízo de ponderação entre a aprovação orçamental ou pelo menos haver um instrumento orçamental".
"Aceitamos qualquer solução que garanta que temos instrumentos orçamentais para começar o ano, e por outro lado que temos a rapidez suficiente para não deixar o país num marasmo político e de conflitualidade política, que não interessaria a ninguém”, destacou o líder do Chega.
Da parte da IL, o presidente Rui Rocha vincou que para o partido seria melhor que a proposta de Orçamento para 2024 não entrasse em vigor. “A nossa perspectiva era de que seria melhor que este Orçamento não entrasse em vigor”, frisou Rui Rocha aos jornalistas.
Para os liberais a melhor alternativa “é mesmo que os portugueses sejam chamados a pronunciar-se sobre uma nova solução política para o país". "Isso é que determinante e eu queria dizer aos portugueses, mais uma vez, que há uma mensagem de esperança, mensagem de confiança”, sublinhou.
Rui Rocha afirmou ainda que “António Costa chegou ao fim do seu trajeto político, ontem, sobretudo e para além de tudo mais com soluções políticas completamente esgotadas".
Para o principal partido da oposição, o PSD, não há tempo para pensar em soluções provisórias mas sim para "cortar o mal pela raiz e iniciar novo ciclo”. Essa é a convicção de Luís Montenegro, primeiramente partilhada com Marcelo Rebelo de Sousa e posteriormente ao país, através duma declaração pública. “Eu diria que a nossa posição pode ser sintetizada da seguinte forma: é preciso cortar o mal pela raiz, é preciso iniciar um ciclo novo, é preciso ouvir o povo português e dar a um futuro Governo e autoridade política que só o voto é capaz de conferir para, precisamente, poder intervir de forma estrutural, estratégica nos grandes desígnios que Portugal tem para os próximos anos”, sublinhou Montenegro, depois de se reunir com o Presidente da República.
O líder social democrata classificou a situação atual como “grave” e acrescentou que apenas acrescentou problemas aos que já existiam no país, referindo-se, mais concretamente, “aos muitos problemas sociais e económicos que o país enfrenta já há vários meses, que têm colocado as famílias portuguesas sobre uma grande pressão”.
Também o Bloco de Esquerda revelou ao Presidente da República que prefere eleições antecipadas. “Tivemos hoje a oportunidade de transmitir ao Presidente da República a nossa preferência pela convocação de eleições antecipadas”, explicou a coordenadora do partido, Mariana Mortágua.
O BE entende que, “tendo em conta a crise política que o país enfrenta, esta é a melhor solução”. “Em democracia, crises políticas como esta e desta natureza resolvem-se convocando eleições”.
Já o PCP pede eleições antecipadas, mas para janeiro. “Aquilo que tivemos ocasião de transmitir ao Presidente da República foi que se o caminho for esse [da dissolução], e foi esse que viemos aqui afirmar que devia ser, nós infelizmente temos um calendário muito semelhante àquele que foi há dois anos e, portanto, esse calendário devia servir como referência para a dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições”, sublinhou.
Paulo Raimundo, o presidente do PCP, recordou “que foi durante o mês de janeiro de 2022 que decorreram as eleições, [e agora devia ocorrer] um calendário muito semelhante a este e, portanto, devia ser referência fundamental”.
Relativamente ao Orçamento do Estado, o comunista frisou que o partido tem “uma avaliação negativa do Orçamento do Estado, que é mau e que não responde a nenhum dos problemas dos salários, das pensões, do problema da habitação, do problema da saúde”.
Uma última nota para as explicações que os partidos exigiram sobre as investigações criminais que levaram à queda de António Costa. O Livre – que foi o primeiro partido a ser recebido por Marcelo Rebelo de Sousa – defendeu, pela voz do deputado único Rui Tavares, a necessidade de o país perceber como, em poucas horas, houve "uma demissão por causa de um parágrafo de um comunicado da Procuradoria-Geral da República".
Rui Tavares referiu-se ao último parágrafo da nota da PGR à comunicação social, onde se ficou a saber que a investigação aos negócios do lítio e hidrogénio verde também envolviam o nome de António Costa, que levaram à abertura de um "inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça".
De relembrar que, no discurso de demissão, o agora primeiro-ministro demissionário invocou mesmo o processo-crime de que deverá ser alvo. Na visão do Livre, são precisas "mais informações sobre se é meramente uma contingência ou se existem razões fundadas para preocupações". Ainda assim, o deputado único voltou a assegurar que o Livre está "preparado para ir a eleições" caso o Presidente da República as decida convocar antecipadamente. "Não interessa ao país que se prolongue uma situação de incerteza", declarou à saída da reunião.
Também Inês Sousa Real deixou algumas críticas à saída do encontro com Marcelo Rebelo de Sousa. A deputada única da PAN defende, em primeiro lugar, uma "conclusão do Orçamento do Estado" que ainda leva "pouco avanço".
A líder do PAN sustenta que as negociações que se estavam agora a fazer, no âmbito da apresentação do OE nas especialidades (que continua em marcha), não devem ser perdidas. "Todo esse trabalho não deve ficar pelo caminho porque as pessoas precisam de respostas agora e não daqui a uns meses", reiterou à saída de Belém.
Mas Inês Sousa Real também deixou críticas à justiça, notando uma séria interferência deste ramo na democracia. A responsável indicou que o primeiro-ministro se demitiu "por força de uma investigação sem que haja conhecimento dos facto e sem que haja uma constituição como arguido", ao contrário de Lacerda Machado ou Vítor Escária. Sousa Real sublinhou mesmo que o poder judicial interferiu ao ponto "de deitar abaixo um Governo e abrir uma crise política".
Por isso mesmo, a deputada única na bancada do PAN sustentou ao Presidente da República a importância deste tomar uma decisão com base no OE que se encontra em discussão, privilegiando os portugueses, quando este decidir entre a dissolução da Assembleia (que levará a novas eleições) e a renovação do PS no Governo com um novo primeiro-ministro.
Sobre as investigações "e que dizem respeito a grandes projetos económicos de grande importância para o país e que aliás o BE tem vindo a criticar ao longo do tempo”, os bloquistas disseram “ao Presidente da República que esperamos que a justiça faça o seu trabalho da forma mais célere possível”.