A incerteza que se apoderou da indústria automóvel europeia – que radica fundamentalmente na “brutal” concorrência chinesa – não podia deixar de ter repercussões negativas da área dos componentes automóveis nacionais. A redução das expectativas para as exportações no final de 2024 é uma delas: “prevemos que, no final do ano, as vendas ao exterior caiam entre 3% e 5%, no melhor dos cenários”, disse ao JE o presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), José Couto.
Os dados relativos às exportações de componentes automóveis em agosto de 2024 apontam para uma quebra de 5,4% em termos homólogos – que deverá repetir-se em setembro e que por certo “marcarão o ano no seu todo”. O ano de 2024 até não começou mal, mas o ‘stress’ da investida das marcas chinesas, principalmente ao nível dos veículos elétricos, veio alterar os pressupostos da indústria europeia dos automóveis – que no final do primeiro semestre teve de voltar a fazer contas para constatar o seu ‘gap’ concorrencial face às propostas de valor oriundas da China. As queixas de que a indústria chinesa pode contar com preciosos auxílios do Estado (que toma a seu cargo os aumentos dos elevatórios de entrada no mercado europeu – surgiram rapidamente. Mas os construtores sabem que as suas queixas não chegam a Pequim – e com certeza também recordam que tanto a construção automóvel europeia como a norte-americana também já puderam usufruir deste tipo de ajudas.
Em agosto, as exportações de componentes automóveis situaram-se nos 736 milhões de euros, o que é uma parte significativa do total das exportações nacionais de bens, já que este setor representa 14,6% das exportações nacionais. Ou seja, por cada 100 euros de bens exportados por Portugal, 14,60 euros correspondem a componentes automóveis, reveem os dados mais recentes coligidos pela AFIA.
No que se refere ao acumulado das exportações, entre janeiro e agosto, as relacionadas com componentes automóveis alcançaram os 7.700 milhões de euros, registando uma diminuição de 3,9% em relação ao período homólogo de 2023. Os números que agora são indicados corroboram a preocupação que a associação vem mostrando: “há de facto uma descida da atividade de produção para os mercados internacionais que contraria as expectativas que a indústria tinha para o ano de 2024”. Algumas empresas nacionais estão já a ponderar a possibilidade de diminuição da carga horária no interior das suas unidades produtivas”.
O mercado europeu continua a ser o principal destino dos componentes automóveis fabricados em Portugal, representando 88,3% do total das exportações do setor. Contudo, as exportações para a Europa caíram 4,8% no acumulado até agosto de 2024, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Entre os principais destinos europeus, Espanha mantém-se como o principal mercado, absorvendo 27,4% das exportações portuguesas de componentes automóveis, seguida pela Alemanha com 24,1% e pela França com 8,1%.
Estes números refletem os desafios que o setor dos componentes automóveis enfrenta no contexto económico atual, com a procura internacional a revelar sinais de abrandamento, especialmente nos mercados europeus, que são vitais para as exportações nacionais. “O mercado de França caiu muito acima do que estava previsto”, acontecendo precisamente o contrário “no que tem a ver com a Espanha e com a Alemanha”, referiu José Couto.
Um dos debates que as empresas de componentes automóveis estão a levar a efeito tem a ver com uma ‘promessa’ de Pequim: a instalação de fábricas de marcas chinesas em território europeu. “Mas ainda não há uma certeza sobre se essas fábricas vão tornar-se clientes dos componentes europeus ou se vão importar diretamente da China.
E depois há sempre novembro. As eleições nos Estados Unidos vão determinar o aprofundamento (ou não, dependendo de quem ganha) da guerra tarifária que envolve os Estados Unidos e a China – com a União Europeia a fazer figura de corpo presente, alinhando com as decisões que emanam de Washington quaisquer que elas sejam, mesmo quando são contrárias aos seus interesses. Uma guerra que começou em 2018 e que a alteração da administração da Casa Branca manteve inalterada: no que tem a ver com a China, há um (para alguns) inesperado alinhamento entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden.
Entretanto, na Europa, o setor – ou os setores, o automóvel e o dos componentes – debatem as alterações do consumo interno e a forma como o mercado está a comportar-se. Talvez não seja despiciendo os setores debaterem aquilo que parecem ser duas linhas de atuação contraditórias: a insistência em novas formas de mobilidade – que implicam a compra de menos carros – e a necessidade de manter viva uma indústria que asseguram milhões de empregos no ‘velho’ continente. O setor automóvel é um dos pilares da indústria europeia, representando 7% do PIB da União.
Este e outros temas estarão esta terça-feira em debate em Bruxelas, em mais uma reunião da ACEA, a confederação do setor (que reúne fabricantes de carros e de componentes), em que José Couto participará. Os fabricantes de automóveis estão a ter dificuldades em adaptar-se à produção de veículos elétricos, uma transição em que Bruxelas está a apostar, uma vez que se prepara para eliminar gradualmente a produção de automóveis com motores de combustão até 2035, no âmbito da sua ambiciosa tentativa de se tornar o primeiro continente com impacto neutro no clima. Um relatório recente sugeriu que o bloco de 27 países precisaria de um impulso de 800 mil milhões de euros para apoiar a sua transição para as energias limpas e competir com rivais comerciais globais cada vez mais agressivos. Mario Draghi, o autor do relatório, também não quer, tal como José Couto, ser excessivamente pessimista, mas não descarta esse cenário.