Depois de, em 2024, ter sido confirmado que a Guiné-Bissau iria assumir a presidência da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) no ano seguinte – e organizar a 15ª cimeira – o secretário executivo da organização, Zacarias da Costa, pronunciou-se duas vezes sobre a situação política guineense e expressou preocupação com “a situação menos boa” do país africano. Foi comedido: o Estado é internacionalmente considerado como ligado ao narcotráfico – a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) diz que é um país “onde os estupefacientes não só provocam uma crise sanitária, como comprometem potencialmente a viabilidade do Estado” – e está submerso há anos numa crise política que nada nem ninguém tem conseguido resolver.
Na passada semana, à medida que a data da cimeira se aproximava (tem início esta sexta-feira), Zacarias da Costa quis retratar-se: classificou como infelizes as declarações que fez sobre a Guiné-Bissau e desejou “os maiores sucessos” à presidência guineense da organização. O timorense, que está no cargo há quatro anos, proferiu estas palavras, citadas pela Lusa, já em Bissau, capital do país, onde está para participar na cimeira que passará a presidência rotativa de São Tomé e Príncipe para a Guiné-Bissau.
As declarações motivaram reações da diplomacia guineense e do próprio Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, que considerou Zacarias da Costa de atrevido e de ter ido além das suas competências dentro da organização. Mais tarde, o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, tentou amenizar as hostes: a partir de São Tomé e Príncipe, onde estava no âmbito das comemorações dos 50 anos da independência daquele país, disse não haver no seio do grupo qualquer problema diplomático. Estranhamente, a uma semana da cimeira (quando fez estas declarações), Portugal ainda não tinha definido qual seria a composição da delegação portuguesa. O motivo, segundo Marcelo: era preciso saber “os temas que forem tratados e a forma como eles forem tratados”. O tema escolhido é: ‘A CPLP e a Soberania Alimentar: Um Caminho para o Desenvolvimento Sustentável”!
A organização é desde sempre alvo das mais diversas críticas. Ainda recentemente, no início de junho, num seminário organizado pelo JE, Carlos Feijó, ex-ministro de Estado de Angola e jurista de reconhecido mérito, disse que “há [na CPLP] falta de liderança, não há uma âncora, o que é um problema sério”. “Sempre defendi que cada Estado deve ser forte no âmbito do seu território: cada Estado deve ser política, económica e culturalmente forte” antes de ser ‘alguém’ numa comunidade de países”.
Para além da mudança rotativa da liderança, está previsto que a angolana Fátima Monteiro Jardim seja nomeada nova secretária executiva da comunidade, substituindo no cargo o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros timorense.
Fundada em 1996, a CPLP integra nove países – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Cimeira da CPLP tem início em Bissau sob o signo da mudança
Declarações do secretário-executivo incendiaram os bastidores da cimeira. Marcelo Rebelo de Sousa tentou amenizar, mas não faltam críticas a uma organização que tarda em definir-se.
