A inflação até voltou a subir em novembro (e pela segunda vez consecutiva) enquanto o crescimento salarial voltou a acelerar no terceiro trimestre para valores bastante acima dos consistentes com uma variação de preços de 2%, mas o Banco Central Europeu (BCE) não se deve desviar no caminho de normalização monetária. Com a zona euro em linha para novo ano de crescimento anémico e 2025 a prometer mais dificuldades para a atividade, como as prováveis tarifas norte-americanas e o vácuo político na Alemanha e em França, a pressão para suportar a economia vai predominar a política do banco central nos próximos meses.
Apesar das dúvidas quanto à magnitude do corte, o mercado dá como praticamente adquirido que o BCE continuará a descer taxas esta semana, na reunião de política monetária de dezembro. A inflação até subiu nos últimos dois meses, passando de 1,7% em setembro para 2,3% em novembro, mas este ressurgir já havia sido sinalizado pela presidente do BCE nas últimas conferências de imprensa do banco central com Lagarde a reforçar os alertas na semana passada perante os eurodeputados da comissão de Assuntos Económicos e Financeiros do Parlamento Europeu.
“Em termos prospetivos, espera-se que a inflação aumente temporariamente no quarto trimestre deste ano, à medida que as anteriores quedas acentuadas dos preços da energia deixem de ser registadas nas taxas anuais, antes de descer para o objetivo [de 2% fixado pelo BCE para a estabilidade dos preços] no decurso do próximo ano, em 2025”, disse Christine Lagarde em Bruxelas.
A presidente do BCE lembrou que a inflação global voltou a aumentar após desaceleração nos meses anteriores, 2,3% em novembro contra 2% em outubro deste ano, e atribuiu a mudança à “moderação da queda dos preços da energia e a um aumento da inflação dos produtos alimentares”. Lagarde salientou que “o processo de desinflação está bem encaminhado”, razão pela qual o banco central baixou há duas semanas, pela terceira vez, as taxas de juro diretoras, sinalizando que a componente dos serviços é a que mais pesa na inflação (contra outras como os custos laborais ou as pressões inflacionistas internas).
Recorde-se que a juntar às preocupações com possível reacender da pressão nos preços, o crescimento salarial no terceiro trimestre fixou máximos de três décadas, saltando de 3,5% para 5,4%.
Entretanto, vários riscos negativos para o crescimento na moeda única materializaram-se desde a última reunião de política monetária: as duas maiores economias europeias entraram em plena crise política, arriscando passar, no mínimo, o primeiro semestre do próximo ano sem orçamento, e Donald Trump foi reeleito nos EUA, trazendo consigo promessas de tarifas de 20% sobre os produtos exportados pelas empresas europeias.
“A conjuntura macroeconómica é pessimista, com os consumidores relutantes, as indústrias a produzir menos, os investimentos a abrandar e em alguns casos aumentos de desemprego. Deste modo, economias como a França e a Alemanha têm contribuído com muito pouco para o crescimento económico da zona euro, algo que preocupa os responsáveis pela política monetária”, começa por destacar Paulo Madeira, analista da XTB.
Como tal, e “com a inflação bem encaminhada, é de esperar que os cortes nas taxas de juro continuem por forma a impulsionar a economia”, argumenta. “Por um lado, reduzir os custos das empresas e famílias com os encargos dos créditos, por outro lado impulsionar as exportações pela via de um câmbio mais fraco.”
Também a Goldman Sachs aponta para o fraco panorama macroeconómico, com a zona euro à espera de “um crescimento modesto” depois do impulso dado no verão pelos Jogos Olímpicos.
A questão dos custos com a dívida é igualmente relevante no caso de alguns Estados com rácios ainda demasiado elevados, com Itália e a França à cabeça, aponta o economista e professor universitário Pedro Brinca. Ambos os países “sofrerão muito com a manutenção de taxas elevadas durante mais tempo, além de que não se antevê que em França haja as condições políticas de curto-prazo para que seja feito um processo de consolidação orçamental e estabilização das contas públicas”.
Com os riscos mais equilibrados e menos inclinados para um ressurgimento da inflação, o departamento de análise do Rabobank projeta que “o comunicado [do BCE] já não precisará de ter um enviesamento hawkish”, abandonando o sinal de uma “política restritiva pelo tempo que for necessário”.
Na mesma linha, a Pantheon Macro antecipa que “o debate interno sobre o rumo dos juros em 2025 e como o comunicar […] deve ser animado”, com reflexos na conferência de imprensa que se seguirá. “Lagarde será bombardeada com questões sobre onde o Conselho vê a taxa neutra, quão rapidamente pretende lá chegar e se estarão dispostos a puxar os juros abaixo da taxa neutra”, adotando uma postura acomodatícia.
“Até a ‘falcão’ Isabel Schnabel admite agora que o BCE está a ‘mover-se para a taxa neutra’, apesar de também acreditar certamente que a taxa neutra é mais elevada do que os seus colegas projetam”, lê-se na nota da Pantheon.
Na mesma linha, Olli Rehn, governador finlandês e visto como um dos membros mais moderados do conselho do BCE, afirmou na passada semana que a atual postura de política monetária continua restritiva, pelo que a margem para continuar a cortar juros mantém-se.