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Alterações climáticas são ameaça que faz tremer as seguradoras

Seguros: Os eventos climáticos extremos têm de estar entre as prioridades das seguradoras, que terão de encontrar formas de mitigar estes riscos, dizem os especialistas que participaram no habitual pequeno-almoço de debate do JE Advisory, que este mês teve o apoio da Abreu Advogados.

Os eventos naturais extremos, provocados pelas alterações climáticas, estão a intensificar-se e a provocar todos os anos perdas económicas de dezenas de milhares de milhões de euros na Europa. Um risco que os especialistas que participaram no pequeno-almoço mensal do JE Advisory - que nesta edição teve o apoio da Abreu Advogados - alertam que tem de estar no topo das prioridades das seguradoras, pois vai impactar os seus negócios e o mercado. Isto vai ditar uma perda de valor de um sector que, dizem, precisa de agir de forma concertada para enfrentar este desafio a que se junta o da Inteligência Artificial, mas também da utilização de dados e da regulação.


“O sector financeiro tem de incluir este risco [das alterações climáticas] como organização e como agente de proteção de outras entidades”, afirmou Sofia Santos, fundadora da Systemic e professora do ISEG, no evento que decorreu na semana passada sobre os desafios do sector segurador, sublinhando que as alterações climáticas têm de ser hoje um tema estratégico e fundamental.


“A exposição das empresas portuguesas ao risco climático é grande”, afirmou a também colunista do Jornal Económico, notando que “Portugal é um dos países europeus com maior risco climático” devido à sua localização geográfica. Mas isto “não quer dizer que não haja solução”. A especialista considera que “há infraestruturas que podem ser criadas”, ainda que não haja uma política pública forte de combate às alterações climáticas “porque não dá votos”.


Já Miguel Abecasis afirmou que “neste tipo de riscos tem de haver uma atuação concertada do sector”, que precisa de perceber como pode minimizar os impactos decorrentes das alterações climáticas. De acordo com o administrador da Fidelidade, cada evento grave entre 2013 e 2022 gerou, em média, um prejuízo 60% superior aos eventos graves entre 2003 e 2012. “Há uma relação direta entre alterações climáticas e perdas e o impacto que poderá vir daqui”, afirmou, por outro lado, Sofia Santos, referindo que “uma forma de tentar minimizar é obrigar as empresas financeiras e não financeiras a reportar como estão a gerir os riscos climáticos”.


A DBRS adianta, numa análise divulgada esta semana, que as perdas económicas anuais provocadas por eventos climáticos extremos na Europa alcançaram recordes de 59 mil milhões de euros e 52 mil milhões de euros em 2021 e 2022, respectivamente. E estas perdas devem aumentar no futuro. De acordo com os analistas, “em 2021, a grande maioria das perdas económicas deveu-se a cheias, enquanto em 2022 deveu-se a ondas de calor, vagas de frio, secas e incêndios florestais. Estas perdas têm sido geríveis, mas com a intensificação das condições climáticas extremas afetando diretamente a frequência e magnitude dos eventos catastróficos, prevemos um aumento das perdas económicas ao longo do tempo”.


A mesma análise aponta que apenas 27% das perdas totais estavam cobertas pelas seguradoras. É neste cenário que o sector tem também de adotar uma abordagem pedagógica junto da sociedade para explicar a importância da proteção contra estes eventos. “Quando falamos de protection gap, é claramente um sinal de que há uma oportunidade de algo que, no início, vai ter acesso a capital que hoje não tem. Há uma necessidade clara que deixa um gap entre a perda económica e o valor que é assegurado. Ao haver esse gap, é sinal que o mercado não está a responder”, afirmou Pedro Penalva, CEO Enterprise Clientes EMEA da AON, frisando a “relevância de todo o sector de atividade face ao que é o seu papel na sociedade”. Miguel Abecasis, da Fidelidade, também defendeu, durante o evento, o papel “evangelizador” das seguradoras na literacia financeira para ajudar as pessoas a defender-se destes riscos.


Já Nuno Luís Sapateiro, sócio da Abreu, fez um apelo à obrigatoriedade do seguro de risco sísmico, mas defendeu que o “Estado tem de capitalizar” esta ambição. “O seguro de proteção de incêndio para propriedade horizontal é obrigatório e há frações, que estão dentro deste regime, por exemplo em Lisboa, e que não têm essa cobertura. Quando não há, o condomínio devia promover que todos tivessem ou contratar e pôr o custo no condómino. Estamos a falar de seguros obrigatórios”, defendeu.

 

Inteligência Artificial ainda numa fase inicial
A par dos riscos climáticos, o sector segurador enfrenta um outro conjunto de desafios. A digitalização, mas sobretudo a Inteligência Artificial (IA), estão entre os principais temas. Miguel Abecasis, da Fidelidade, sublinhou como as seguradoras podem aproveitar os benefícios desta tecnologia em prol das vendas e dos seus clientes. “Hoje já somos digitais by design, e vamos ser IA by design” referiu o gestor salientando que “há saltos qualitativos em termos operativos e de eficiência”.


Este é um trabalho que já está a ser feito pelas empresas que estão a usar a IA “em tudo o que é eficiência operacional”, referiu, por outro lado, Joana Pina Pereira, Chief Distribution Officer da Tranquilidade, com um foco “em modelos inteligentes de vendas”. Mas, considera, o sector segurador ainda está numa fase muito embrionária na utilização da IA.


“Todos temos as aplicações mais óbvias, mas quando se trata da gestão além do negócio mais imediato ainda temos bastante a aprender. Julgo que ainda temos um longo caminho a percorrer nesta área”, disse a responsável da seguradora liderada por Pedro Carvalho. Isto numa altura em que a otimização da “capacidade de utilização de um volume de dados que hoje a indústria tem na sua posse” para a construção de modelos preditivos é hoje um dos grandes desafios para o sector segurador, disse, por outro lado, Pedro Penalva, CEO Enterprise Clients EMEA da AON.

 

Carga regulatória pesa no sector
Sobre a segurança dos dados dos clientes, que também são trabalhados com recurso à IA, Joana Pina Pereira afastou que haja riscos neste campo. “Em Portugal já tínhamos uma prática bastante cerrada, com a aplicação mais restrita do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD)”, havendo um “longo histórico de tratamento de dados de forma mais cuidada”. É um “tema que, por defeito, está completamente endereçado”, disse.


Leis como o RGPD e as diretivas da Solvência II e distribuição aplicam-se “muito” à área dos seguros, afirmou também o advogado Nuno Luís Sapateiro durante o painel, referindo que o sector enfrenta “um furacão de regulação”. De acordo com o sócio da Abreu Advogados, “o compliance é o maior desafio dos últimos dois anos”. Miguel Abecasis, administrador da Fidelidade, lembrou que o grupo está em 14 países e “nem em todos há este peso regulatório”, o que “é um bocadinho injusto”, acrescentando que “temos de ser compliance by design”.


Responder a todos estes desafios pode ser uma tarefa complexa para algumas seguradoras, sobretudo de pequena dimensão, o que abre a porta a mais consolidação no sector segurador em Portugal. De acordo com a administradora da Tranquilidade, “ainda há algum espaço em alguns ramos para consolidação”, sem detalhar que ramos é que poderão ser alvo destes movimentos. A consolidação, referiu, pode ser necessária “por temas de solvabilidade e de solvência de algumas seguradoras no mercado”. Nesse sentido, “diria que há espaço com outras seguradoras, mas também do sector”, apontando para a mediação e para os brokers.