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“A solução para a questão da falta de água tem de ser estrutural”

Entrevista com Assunção Cristas e Catarina Pinto Correia, sócias co-coordenadoras da área de Ambiente da Vieira de Almeida : A área do Ambiente está em ebulição em várias frentes, do mercado de carbono até às questões relacionadas com a água e com a produção de alimentos. As duas sócias da VdA foram as convidadas do podcast JE Entrevista, que pode ouvir através do QR Code nestas páginas.

Estamos agora no início de uma nova legislatura. O que esperam que sejam as grandes tendências e novidades na área do Ambiente?
Assunção Cristas (AC): O ambiente é uma área muito transversal e muito vasta. Temos tópicos que são transversais e se quisermos, acho que há dois muito evidentes, o clima e a água, sendo que a água deriva do clima, portanto, já é uma consequência daquilo que sentimos ao nível do clima. E, portanto, essas duas dimensões, que depois têm implicações em muitas áreas e atividades económicas, são absolutamente centrais. Como é que vamos evoluir em matéria de alterações climáticas? Sabemos que as projeções dos cientistas não são animadoras e que há esforços que estão a ser feitos, mas é muito importante percebermos as peças legislativas que já estão em vigor ou estão ainda em preparação. E ainda hoje [10 de abril] está a ser fechado no Parlamento Europeu o diploma do Regulamento Europeu dos Mercados Voluntários de Carbono, que é uma peça legislativa que se aguardava há muito tempo e que esperamos que se conclua. Em Portugal, estamos mais avançados nesta área, pois temos o decreto de lei que foi publicado no início do ano e esperamos que possa evoluir na parte mais técnica, da construção da plataforma.

 

Em termos práticos,
o que muda?
AC: No caso do carbono, o que muda é passarmos a ter uma regulação, a nível nacional e europeu também, que torna possível criar créditos de carbono robustos. É sempre uma lógica voluntária, mas o que nós sentimos, pegando no tema do clima mais em geral, é que há uma grande pressão e, aliás, metas muito concretas e obrigatórias para reduzir emissões, mas isso não chega. O painel intergovernamental para as alterações climáticas diz-nos que não é suficiente. É preciso remover carbono que existe na atmosfera. Passa a ser um mercado organizado, onde há regras, onde há projetos que têm que ser certificados...

 

Fica com mais credibilidade, portanto.
Sim, e quem quer inscrever créditos para vender e quem quer comprar créditos para compensar a sua pegada das emissões que não consegue eliminar totalmente tem a possibilidade de ir a estas plataformas, a este mercado, sabendo que ali vai comprar e vender créditos que são bons e robustos, que vêm de projetos sérios. Isso significa que há oportunidades para vários sectores, nomeadamente para o sector florestal, e há também oportunidades para as empresas que querem fazer a compensação, mas de uma maneira séria, evitando o greenwashing.

 

Outra tema muito atual é o da água e à forma como este recurso tão importante tem de ser gerido. Há zonas do país, como o Algarve, que estão com escassez.
Catarina Pinto Correia (CPC): Há zonas que estão com grandes escassez hídrica. Acho que temos tido algumas medidas que pretendem combater isso, mas são muito conjunturais e não tanto estruturais. Ou seja, no fundo, tem-se em vista regular os títulos de utilização de recursos hídricos, regular a água para reutilização, mobilizar alguns fundos do PRR e outros fundos europeus para modernizar os sistemas de abastecimento, as redes de distribuição, etc. Mas precisamos de sistemas mais estruturais, ou seja, que permitam combater o desperdício e as perdas. Quando se reestrutura e moderniza os sistemas de distribuição de água já se combatem as perdas. O PRR ajudou a isso nalguma medida. Quanto a sistemas mais estruturais de captação de água e de novas alternativas de fontes de água, isso sim, acho que temos um longo caminho a fazer. Por exemplo, a dessalinização, o projeto que está a ser feito no Algarve, é o caminho que Portugal tem de seguir. Podemos também falar das “autoestradas de água”, de que se tem falado bastante, uma área onde estamos mais atrasados.

Estamos a falar, por exemplo, de projetos de fins múltiplos para a utilização da água para rega, para o turismo... No fundo, o aumento do investimento neste tipo de projetos é que vai resolver a questão da água a nível estrutural.

 

No caso da dessalinização, estamos a falar de centrais que exigem muito investimento. Terá de ser com parcerias público-privadas?
CPC: O privados têm que ter um papel importante. A colaboração entre público e privado é essencial. O projeto do Algarve não é uma PPP, pelo que ficará do lado público, mas é essencial incrementar o investimento público sim, mas também privado, e com parcerias privadas que possam trazer mais capacidade de investimento, mais intervenção dos privados, mais envolvimento dos privados para depois terem o seu retorno na parte também da operação. É evidente que isso vai mexer aqui com alguns temas também legislativos e de revisão legislativa, porque temos aqui foco do sistema público, por exemplo, na distribuição de água, mas, por exemplo, para a utilização para fins agrícolas, isso não acontece necessariamente e, por isso, há alguns desafios jurídicos.

 

No atual conjuntura política em que o país tem pela frente, com um Governo minoritário e de futuro incerto, teremos condições para fazer este tipo de alterações legislativas?
CPC: Sobre o Governo que temos, não vou dar grande opinião sobre esse tema. Vamos ver as condições que lhe vão ser dadas para governar. Mas acho que são temas bastante estruturantes.

 

Acredita que há consenso entre os principais partidos para que se avance nesse sentido?
CPC: Há consenso público, ainda que possa haver divisões na forma como se chega lá, mas há consenso do ponto de vista público dos vários partidos (...). E há interesse de investidores privados que estão ávidos para ser envolvidos. Vemos o movimento de fundos nacionais e estrangeiros a querer investir em Portugal e em África, nesta área, não só na componente da água mas também dar resposta à componente alimentar.

 

AC: Creio que o tema do clima - e a água é uma consequência direta do tema do clima - tem sido consensual, não tem sido tema de fratura, e ainda bem. E para países como Portugal, o clima é bastante mais uma questão de adaptação às alterações climáticas, sem desvalorizar a parte da mitigação e da redução de emissões, porque a nossa dimensão isso sugere, portanto, nós temos que fazer tudo.