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"A regulação atual aplicada às empresas quase não deixa ar para que o 'greenwashing' respire"

Em entrevista ao Jornal Económico, Uta Jungermann, diretora para Member Engagement e Global Network do WBCSD (World Business Council for Sustainable Development), diz que o quadro regulatório aplicado às empresas já "não deixa ar" para que o greenwashing possa respirar. O contexto mundial de alterações climáticas e fenómenos extremos da natureza a que assistimos estão a impulsionar as empresas para a mudança, com o primeiro objetivo de manterem a sua relevância e o seu negócio no futuro.

Qual é ou quais são os mais importantes "drivers" para atingir a sustentabilidade na economia? Como vê esta questão?
Bem, olhando para o contexto operacional global, acho que há uma combinação de drivers importantes. Alguns deles são as expectativas da sociedade, desenvolvimentos regulatórios, mas também, simplesmente, a viabilidade futura do negócio. Acho que o mais importante é, realmente, reconhecer que estamos verdadeiramente numa indiscutível 'policrise': mudança climática, perda de natureza, uma crescente desigualdade. E a urgência desta policrise é agora, realmente, visível e tangível em todo o lado. E todos os dias nos trazem novas histórias de eventos climáticos pouco usuais e extremos, que causam destruição, deslocamento [de pessoas e animais], não importa para onde olhemos no mundo.

Temperatura a aumentar, seca extrema e excesso de água noutros pontos...
Continuamos a ver recordes a serem quebrados. E nenhuma única empresa, nenhuma economia pode olhar para o outro lado. À medida que vemos as mudanças climáticas, mas também um acelerar da perda de natureza e as desigualdades a aumentar tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, o mundo está, realmente, a começar a reconhecer que as soluções para esta crise global precisam de ser integradas e que as pessoas e o planeta têm de estar no centro do que chamamos o sistema da transformação empresarial. Acho que para as empresas, e para a economia, a questão mais premente deixou de ser o "se" mas sim o "como" é que as empresas vão corresponder a este desafio, incluindo como é que vamos garantir que nos mobilizamos para ações empresariais que se possam medir. Então, o que assistimos é que as empresas focadas em ver mais à frente, reconhecem este contexto e perguntam a si mesmas como as alterações climáticas, a perda de nartureza e a desigualdade realmente os afeta hoje em dia. E o que isso significa para eles no futuro. E assim procuram entender esses impactos, quais são os riscos, mas também – é claro – quais as oportunidades que vêm com isso.

 Em suma, a Uta diz que é o contexto em si o principal motor da sustentabilidade. Que tudo o que vemos hoje nas notícias, nas redes sociais é que é o principal motor para a mudança, em direção às economias sustentáveis.
Sim, eu acho que é uma combinação de diferentes drivers. Mas o contexto em si mesmo diz muito. E já ninguém consegue desviar o olhar. É simplesmente demasiado visível em todos os lugares.

 Quais são os principais riscos para se atingir essa sustentabiliade da economia?
(Suspiro). É uma boa pergunta. 

Foi um suspiro bastante eloquente e honesto...
(Risos). Sim. Mais uma vez, o risco também pode ser de uma natureza diferente. Muitas vezes falamos do risco regulatório, mas também do risco reputacional das empresas. Mas também o desafio para as empresas manterem o acesso ao capital. Então, no contexto que eu descrevi na minha primeira resposta, acho que as empresas enfrentam uma pressão crescente, não só para divulgar o seu impacto na sustentabilidade, mas também os riscos e oportunidades financeiros associados, por exemplo, com as alterações climáticas. Isso inclui, muitas vezes, coisas simples, como riscos físicos, danos à propriedade e infraestrutura devido a eventos meteorológicos extremos, mas também os riscos de transição, tais como o impacto financeiro de mudanças regulatórias e políticas que visam reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e tudo o mais. Então, mais uma vez, é uma combinação de riscos. Um outro risco é mais interno: é o das empresas que adotam uma visão demasiado a curto prazo, que realmente não olham para a viabilidade do negócio a longo prazo. E se for esse o caso, impede as empresas de tomar ações audazes e ambiciosas [rumo à sustentabilidade]. O tipo de ambição que é necessário para abordar a urgência e a gravidade da crise que vivemos.

Podem adiar a decisão ou tomar medidas pouco ambiciosas, mas não há outra hipótese. Não há fuga, certo?Não. Não há outro caminho.

 Há sempre essa pergunta que nos surge na parte de trás das nossas cabeças: se um número suficiente de grandes empresas, empresas ou conglomerados poderosos retraírem esse investimento na sustentabilidade, serão capazes adiar ou evitar essa mudança?
Nós achamos que já não é possível. Já não é uma questão de "se", "talvez", é mesmo "como" é que as empresas têm de começar a perceber que não podemos esperar mais. Têm de embarcar nisto agora e têm de começar a navegar. Sendo corajosos e ousadas. Tudo o que não seja isto, leva a nenhum futuro.

Na sua opinião, o que tem sido feito para garantir que o greenwashing – que todos vemos, por vezes – para garantir que o greenwashing não compensa?
Novamente, essa é uma pergunta muito boa. O que vemos é um ritmo sem precedentes de leis-quadro e requerimentos com vista à divulgação de ações de sustentabilidade e desenvolvimento. Basicamente, o que isto significa é que o reporte obrigatório é inevitável. Olhando apenas para o contexto europeu, há milhares de empresas portugueses que já são impactadas pela Diretiva da UE de Reporte sobre Sustentabilidade Corporativa, a CSRD. E peço desculpa por todas estas siglas. Mas as empresas sabem que as expectativas e os regulamentos que afetam as empresas só vão continuar a aumentar. Isso é um desafio. E reconhecemos esses desafios, mas é inevitável. E há outra: a Diretiva da Due Diligence da Sustentabilidade Corporativa, que é outro quadro legislativo ao nível da UE que está no horizonte e isso exigirá que as empresas demonstrem que ações estão a tomar para proteger o meio ambiente, mas também para proteger os direitos humanos. Então, sim, como eu disse, é inevitável neste contexto. Mas ao mesmo tempo, reconhecemos que a compliance, por si só não é suficiente.

Como assim?
Há uma exigência crescente da sociedade e dos mercados, dos investidores e assim, no sentido da performance corporativa e da responsabilização. Por isso as empresas já se estão a preparar para isso. E precisam de se preparar para isso: não só porque é a coisa certa a fazer, mas também, simplesmente, porque reconhecem que é imperativo prepararem o seu negócio para o futuro.

Mas isso quer dizer que a regulamentação tem de ser aprimorada um pouco, porque assenta no controle mútuo de todos.
Sim, exatamente.

 Acha que nossos reguladores – refiro-me aos reguladores nacionais dos Estados-membros – estão preparados para esse tipo de desafio?
É uma pergunta sobre a qual tenho algumas incertezas em responder, porque desconheço todos os detalhes de todos os diferentes níveis nacionais. Mas vemos que ao nível da UE estamos a marcar o tom. Acho que com todos esses quadros regulatórios que vão entrar em vigor, no curto prazo, as empresas vão mesmo ter de integrar os riscos e as oportunidades de sustentabilidade na sua estratégia de negócios, na governance da empresa. E eu acho que, com isso, acho que não deixa espaço, quase não deixa ar para que o "greenwashing" continue a respirar no longo prazo. Porque sim, vemos que está a ser cada vez mais e mais regulado.

O que diz o WBCSD sobre isso?
O que nós recomendamos é que se uma empresa quiser ser credível e responsável no futuro, precisa de assumir compromissos baseados na ciência, suportados por metas que sejam mensuráveis. Deve haver limites temporais e precisam de reportar esse progresso de forma transparente e contabilizar com precisão e exatidão como gerem estes riscos em torno do clima e da natureza, mas também, é claro, a equidade ou o combate à desigualdade.