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Votaram mais pessoas mas a abstenção foi a maior de sempre

Devido ao aumento do número de inscritos, a taxa de abstenção disparou para 69,27%. Foi a maior de sempre em Portugal e a quinta mais elevada na União Europeia. Saiba as causas e possíveis soluções.

Nas eleições europeias de 2019 registaram-se 3.314.423 votantes, de um total de 10.786.049 inscritos, perfazendo uma taxa de afluência de 30,73% e uma taxa de abstenção de 69,27%. Nas eleições europeias de 2014 registaram-se 3.283.610 votantes, de um total de 9.702.657 inscritos, perfazendo uma taxa de afluência de 33,84% e uma taxa de abstenção de 66,16%. Ou seja, entre 2014 e 2019, apesar de terem votado mais 30.813 pessoas, a percentagem de abstenção aumentou em 3,11 pontos percentuais, de 66,16% para 69,27%. A explicação é simples: o universo eleitoral também aumentou, de 9.702.657 para 10.786.049 inscritos, mais 1.083.392 do que em 2014.
Este aumento exponencial do número de eleitores inscritos também tem uma explicação simples: em 2018, através da implementação de um sistema de recenseamento automático dos portugueses que vivem no estrangeiro, o número de eleitores nos círculos da emigração mais do que quadruplicou, passando de 318 mil para cerca de 1,4 milhões inscritos. É nos círculos da emigração que a taxa de abstenção em eleições portuguesas costuma ser mais elevada, ao que não será alheia a maior dificuldade que esses eleitores têm para exercer o direito de voto, por causa da escassez de locais de voto e das longas distâncias que têm percorrer para votar presencialmente, pois não é permitido votar por correspondência.
Apesar de terem votado mais 30.813 pessoas, a taxa de abstenção aumentou para 69,27% e destaca-se como uma das mais elevadas entre os 28 Estados-membros da União Europeia. Os resultados em alguns países ainda são provisórios, mas de acordo com os dados disponíveis, a taxa de afluência (30,73%) verificada nas eleições europeias em Portugal foi a quinta mais baixa, superando apenas as da Eslováquia (22,74%), da Eslovénia (28,32%), da República Checa (28,72%) e da Croácia (29,86%). A participação eleitoral em Portugal ficou muito abaixo da média comunitária de 50,97%, a mais alta taxa de afluência dos últimos 20 anos (em 2014, a média comunitária quedou-se em 42,6%).
Em plena noite de apuramento dos resultados eleitorais, comentando a elevada taxa de abstenção durante uma ação do Banco Alimentar Contra a Fome, em Lisboa, o Presidente da República afirmou que “é uma escolha, como tudo na vida” e salientou que caberá agora aos partidos lidar com o desafio de mobilizar os eleitores para as próximas eleições. “Eu não escondi no meu apelo como gostaria que houvesse menos portugueses a escolherem não escolher, mas eu respeito todos os portugueses e é uma opção perfeitamente legítima. Aceitar a escolha que os 30 e pouco por cento acabaram por fazer é uma escolha como tudo na vida”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.
Realizar eleições para vários órgãos em simultâneo
Na perspetiva de João Cancela, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa (e coordenador do estudo “Abstenção em Portugal: Diagnóstico e Soluções”), o aumento da taxa de abstenção em Portugal não foi surpreendente, “na medida em que não havia indícios de que a campanha tivesse sido suficientemente mobilizadora para fazer subir os níveis de participação habituais neste tipo de eleições”. Por outro lado, “importa frisar que se tivermos em consideração a estimativa de residentes em território nacional, e não os cadernos eleitorais incluindo os eleitores recenseados no estrangeiro, os valores da abstenção efetiva estarão mais próximos dos 60% do que propriamente dos 65% ou 70%”, ressalva.
Questionado sobre que soluções poderiam ser mais eficazes no sentido de reduzir os elevados níveis de abstenção registados nas eleições portuguesa, Cancela salienta que “uma característica partilhada entre vários dos Estados-membros que apresentam níveis mais elevados de participação passa pela realização de eleições para outros órgãos em simultâneo. É assim que acontece na Bélgica, em Irlanda ou em Espanha. De resto, isto já sucedeu em Portugal: em 1987, houve eleições em simultâneo para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu e os níveis de participação rondaram os 72%”.
“Relativamente ao incentivo à participação, particularmente entre as camadas mais jovens da população, os dados do ‘Estudo Pós-Eleitoral das Eleições para o Parlamento Europeu’ em 2014, promovido pelo próprio Parlamento Europeu, mostram que apesar de os mais jovens em Portugal serem mais propensos a abster-se, apresentam também níveis mais elevados de ligação à Europa. Poderá assim haver espaço para trazer pelo menos uma parte destes às urnas de voto, através de campanhas e iniciativas que lhes sejam especificamente destinadas”, acrescenta.
“É interessante também notar que uma porção considerável dos inquiridos, e em especial os mais jovens, afirmavam não ter votado por falta de tempo. Nesse sentido, medidas que facilitem o exercício do voto antecipado e em mobilidade sem necessidade de qualquer justificação, à semelhança das que foram pela primeira vez aplicadas nestas eleições, poderão contribuir com um efeito modesto, mas ainda assim positivo, na redução da abstenção”, conclui o investigador.

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