O Parlamento viabilizou esta terça-feira a nova versão da lei que aprova o regime jurídico de entrada e permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. A proposta do Governo, reajustada para ultrapassar o chumbo do Tribunal Constitucional, foi aprovada com os votos favoráveis dos partidos que sustentam o Governo, PSD e CDS, do Chega, Iniciativa Liberal e JPP. As restantes bancadas, à esquerda, votaram contra.
PSD e Chega chegaram a um acordo para aprovar a lei dos estrangeiros em negociações que decorreram nos últimos três dias e se prolongaram até à madrugada de hoje. No compromisso estabelecido terá ficado firmado que no futuro o Governo trabalhará um diploma sobre o acesso dos imigrantes a prestações sociais, que André Ventura quer que só sejam atribuídas ao fim de cinco anos de descontos para a Segurança Social. Mas o assunto não foi explicitamente abordado pelo Governo ao longo do debate.
Na votação desta terça-feira, foram aprovadas todas as alterações propostas pela coligação que apoia o Governo, bem como uma proposta do PS e três do Chega. Os partidos que suportam o Governo retiram uma das propostas sobre as condições de renovação da autorização de residência no âmbito do reagrupamento familiar, para aprovar a do Chega no mesmo âmbito.
O partido de André Ventura propõe que a avaliação da renovação da autorização de residência não contabilize os apoios sociais, um aspeto que a proposta apresentada pelo PSD e CDS não contemplava, embora seja referido no ponto anterior do diploma, por proposta dos dois partidos de Governo, que os apoios do Estado não devem ser contemplados na contabilização dos meios de subsistência de uma família.
A AD retirou também da votação as propostas relativas ao período ao prazo de residência válida para pedir o reagrupamento familiar, nos casos em que os cônjuges tenham habitado com o requerente do reagrupamento familiar no ano anterior a este ter imigrado Portugal, para aprovar a proposta feita pelo Chega, que altera os prazos.
Assim, o período da duração da autorização de residência ao abrigo do reagrupamento familiar passa para 15 meses - ou seja, vai além dos 12 meses propostos por PSD e CDS -, mas passa a ser exigido que o cônjuge tenha vivido 18 meses com o requerente do reagrupamento familiar (a coligação do Governo propunha um ano).
Os partidos que apoiam o Executivo retiraram ainda outra alínea de alteração ao diploma para acolher a proposta do Chega, que clarifica que quem pede o reagrupamento familiar deve ter alojamento em território nacional - uma proposta aprovada com votos contra do PS, Livre, BE e PCP e abstenção do JPP.
Das várias propostas de alteração que o PS levou a jogo, PSD e CDS viabilizaram apenas uma, sobre acordos bilaterais com Estados terceiros para agilizar os procedimentos de emissão de vistos e de autorizações de residência. A proposta socialista teve votos contra do Chega e IL, a abstenção do BE, e o voto favorável das restantes bancadas.
Lei "irrecusável para qualquer partido moderado"
A poucas horas da discussão no Parlamento, o Chega impôs como condição que a lei estabelecesse que os imigrantes tenham de ter cinco anos de descontos para poderem receber apoios sociais. No debate no Parlamento, a deputada do Chega Cristina Rodrigues saudou o Governo por ter reconhecido que há "abusos na atribuição" das prestações sociais "que é preciso combater" e confirmou que o texto da proposta final seria "suficiente" para o seu partido.
Logo no arranque do debate, e quando já era noticiada a existência de um acordo entre PSD e Chega, o deputado social-democrata António Rodrigues sinalizava que em causa não estava "uma segunda volta" da lei dos estrangeiros, restringindo, por isso, o debate ao tema do reagrupamento familiar.
De seguida, o ministro da Presidência defendeu que a versão da lei agora apresentada seria "irrecusável" para "qualquer partido moderado e de bom senso". "Tornámos esta lei irrecusável, sim. Desde logo, lendo com cuidado e atenção o acórdão do tribunal e ajustando o que era necessário e, sim, nós não governamos contra os tribunais (...)", atirou o social-democrata, rejeitando lutas políticas. "Queremos é soluções que controlem a imigração e deem dignidade aos imigrantes que cá chegam".
Sem nunca referir o pacto com o Chega, nem a condição imposta de inscrever na lei a proibição de os estrangeiros receberem prestações sociais antes de terem cinco anos de descontos, Leitão Amaro defendeu que "só a aprovação desta lei garante um justo equilíbrio" em relação aos vistos de CPLP, vistos de procura de trabalho e reagrupamento familiar. "Nem portas escancaradas, nem portas todas fechadas", foi repetindo, frisando que a lei proposta é "equilibrada" e que o Governo está "de consciência tranquila".
"O Estado tem que fazer o que lhe compete, controlar, regular os fluxos, limitar fluxos na medida da capacidade de o país integrar para aí, sim, integrar com humanidade", afirmou o governante na sua intervenção.
"O nosso rumo é claro desde o princípio: a política de imigração tinha de mudar e começou a mudar logo no início, regulando e tratando com humanismo. Pôr ordem num caos que estava instalado, sempre com humanismo. Nunca instrumentalizando ninguém", reforçou Leitão Amaro na primeira intervenção.
O Governo, continuou o ministro, "tem feito tudo para que isso seja possível" e "hoje, tal como a 3 de junho do ano passado quando se fechou a manifestação de interesse, é um dia decisivo, é o dia em que cada deputado se vai levantar e dizer: sim ou não à lei dos estrangeiros, sim ou não à regulação da imigração".
A rematar a intervenção do Governo neste debate, António Leitão Amaro elogiou a posição "construtiva" dos três maiores partidos da oposição, Iniciativa Liberal, Chega e PS e disse estar tudo encaminhado para este se consagrar como "um dia bastante importante para este Parlamento".
Reconheceu mesmo o "esforço equilibrado" dos socialistas. "Reconheço o esforço construtivo na visão sobre os acordos bilaterais, é uma ideia positiva que merece ser acolhida; percebo o esforço do ajustamento que querem fazer nos prazos do reagrupamento, embora me pareça desadequado", sinalizou o ministro da Presidência, assinando também divergências quanto às propostas relacionadas com o visto de procura de trabalho.
Montenegro sublinha "diálogo com todos"
Ao mesmo tempo que o Parlamento debatia e votava a lei dos estrangeiros, Luís Montenegro dedicava a manhã ao arranque da campanha para as autárquicas, em Lisboa. O primeiro-ministro enfatizou o "diálogo com todos" e considerou "um sinal dos tempos" que PS e Chega tenham votado o diploma de forma diferente.
"Aprovamos propostas dos dois maiores partidos da oposição, propostas de acerto, contributos que tenho de reconhecer que são positivos”, referiu Luís Montenegro. "É um sinal dos tempos: na anterior legislatura colaboraram entre eles contra o Governo, agora têm alguns pruridos de estar os dois a colaborar com o Governo a favor do país", acrescentou o chefe do Governo.
Montenegro frisou não querer intrometer-se nas "estratégias partidárias" e voltou a destacar: "Há uma coisa que não podem dizer, que os partidos da maioria não colaboraram com todos e não aprovaram as medidas que consideraram positivas."
Já o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, defendeu não ter existido diálogo com o Governo sobre a lei dos estrangeiros nos últimos dias, tendo apenas existido contatos institucionais já durante a manhã. "Houve um diálogo que se manteve até por volta da hora do almoço, mas as propostas que apresentámos não foram aceites. E, pelo facto de não terem sido aceites, não podíamos acompanhar o Governo votando favoravelmente", explicou.
PS critica: Governo opta por "legislar sobre percepções"
O líder socialista sublinhou a proposta do PS que "mereceu aceitação e foi votada favoravelmente", para "a realização de acordos bilaterais de trabalho, tendo em vista garantir migrações seguras e reguladas na origem, no trânsito e também no acolhimento".
Lamentou, contudo, que uma outra proposta "muito relevante" tenha sido rejeitada. "Tem que ver com os vistos para a procura de trabalho, que são aqueles que mais procurados são, nomeadamente pela nossa economia. Esses vistos para a procura de trabalho foram apresentados com uma proposta muito sólida que visa articular-se com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP)", disse.
Questionado sobre se o partido iria fazer um pedido de fiscalização preventiva, José Luís Carneiro afastou dúvidas sobre a constitucionalidade da lei e adiantou que o PS não vai colocar essa questão, que agora ficará nas mãos do Presidente da República.
Mas não deixou de criticar o Governo por ter escolhido "um percurso de legislar sobre as percepções", ao invés de acolher propostas "mais sólidas para garantir a compatibilização de todos os valores, segurança, integração, economia e desenvolvimento social", como aquelas que o PS apresentou e das quais não vai desistir.
"E essas propostas apresentámo-las e vamos apresentá-las de forma mais estruturada no futuro, por forma a que se possa perceber que temos um caminho alternativo àquele que é o caminho que o Governo, com o apoio do Chega, aqui apresentou", destacou, deixando ainda um aviso: "A economia vai ressentir-se decisões que estão a ser tomadas".
"Ontem estive com a CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) e foi-me dito que 50% dos assalariados na agricultura são trabalhadores vindos de outras paragens", exemplificou.