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Versão secreta do plano de reestruturação da TAP avalia empresa entre 1.070 e 1.975 milhões

O JE teve acesso à versão confidencial do plano de reestruturação da TAP, no qual Bruxelas estima que o equity da companhia em 2025 valerá entre 1.070 e 1.975 milhões de euros. Plano aprovado em dezembro de 2021 prevê injeções do Estado de 3,2 mil milhões.

É a primeira vez que os contribuintes portugueses têm conhecimento da versão completa do reestruturação da TAP, que lhe custa 3,2 mil milhões de euros em injeções na empresa. A coberto da defesa do segredo comercial, a Comissão Europeia e o Governo português fizeram duas versões do plano, uma completa e outra – a que já é conhecida – uma “versão pública”. Entre uma e outra, e ao longo de mais de 70 páginas, há inúmeras diferenças.

Se na “versão pública” muitos dos valores previstos para a operação da TAP até ao final do plano, agendado para 2025, estão omissos, na versão completa está tudo. E uma diferença, no parágrafo 248, chama logo a atenção. À data da divulgação do plano, em dezembro de 2021, a Comissão Europeia calculou o valor do “equity” da TAP no primeiro ano do plano, 2022, mas também o valor no final do programa de ajudas, 2025.

“As estimativas da Comissão mostram um aumento do Equity da TAP Air Portugal ao longo do período de planeamento [das ajudas de Estado], que vai dos 854 aos 1.575 milhões de euros em 2022 aos 1.070 a 1975 milhões de euros em 2025. A Comissão considera que essa é a expectativa razoável, à data de hoje, da remuneração que o Estado português pode receber pela ajuda estatal através da venda da sua participação na TAP Air Portugal”, escreve o executivo comunitário no plano.

Traduzindo do “bruxelês”: Apesar da injeção de 3,2 mil milhões de euros até ao final do plano – as duas últimas parcelas, de 343 milhões de euros cada, realizam-se no próximo mês de dezembro e em dezembro de 2024 – o Estado apenas pode vir a esperar vender a TAP por um valor entre 1.070 e 1.975 milhões de euros. As avaliações atuais da companhia, segundo circula no mercado, estarão a meio caminho entre os dois valores, mas mais próximos do mais baixo, entre os 1,2 e 1,3 mil milhões de euros.

Para calcular estes valores, a Comissão determinou um valor terminal para a TAP, ou seja um valor além do período em que é possível estimar os futuros fluxos de cash flow. Como explica a Comissão, os técnicos comunitários assumiram uma taxa de crescimento da TAP de 1,5%, um investimento perpétuo igual à depreciação em 2025, EBIT perpétuo igual ao EBIT de 2025 e zero alterações no capital circulante líquido (liquidez da operação disponível).

O outro método que a Comissão Europeia diz ter usado para calcular o valor do Equity da TAP foi o dos múltiplos de EBITDA. Assim, o executivo comunitário recolheu o “enterprise value” de várias companhias pares – a saber: Lufthansa, IAG, SAS, Aegean, Finnair, Ryanair, easyJet e Wizz Air. E chegou à conclusão que o rácio médio entre o “enterprise value” e o EBITDA destas companhias era de 4,16. Foi com este múltiplo que calculou o “Enterprise value” da TAP, chegando ao “Equity value” da companhia portuguesa através da subtração da dívida líquida.

O Jornal Económico questionou o governo, através do Ministério das Finanças, acerca dos valores que constam na versão completa do plano, mas até ao momento não obteve resposta. As explicações das Finanças serão incluídas se e quando chegarem.

Governo anuncia hoje mais pormenores da privatização

O valor inscrito no plano de 2021 ganha particular relevância no dia de hoje, quando o Governo português pretende anunciar mais pormenores sobre a forma como pretende fazer a privatização da companhia. Apesar de a versão confidencial do plano nunca referir a venda como uma obrigatoriedade – algo que já motivou versões contraditórias de vários elementos do Governo de António Costa (PS) – o facto é que apresenta o intervalo de 1.070 a 1.975 milhões como “razoável” para uma “remuneração” para a ajuda estatal.

Ou seja, o Governo português sabe desde o dia 1 em que o plano foi aprovado que nem no valor mais alto do intervalo chegaria perto de receber o que o contribuinte português pôs na companhia, mesmo que venda toda a sua participação na empresa.

Recorde-se que na terça-feira da semana passada, na discussão da Moção de Censura do Chega, o primeiro-ministro, António Costa, disse que a reprivatização da TAP era uma obrigatoriedade imposta pelo plano negociado com a Comissão Europeia. Mas ao longo de vários meses, foram vários os membros e antigos membros dos Governos de Costa que disseram o contrário, incluindo em contexto de Comissão Parlamentar de Inquérito.

Certo é que, como escreveu o JE na sua edição de 22 de setembro, a privatização da TAP SA e a avaliação em curso da companhia de aviação estava a ser atrasado pela indefinição acerca do que fazer com a “TAP má”, a holding TAP SGPS.

A holding que detém empresas como a Portugália e a empresa de handling Groundforce e está em falência técnica, não tendo ainda como pagar custos adicionais de fecho no Brasil e dívida à companhia aérea Azul.

A complexidade deste trabalho estará na origem da demora na entrega das avaliações finais da TAP SA por parte da EY e do Banco Finantia às Finanças, que querem definir, no âmbito deste processo, qual será o futuro da holding que ficou sem o seu principal ativo (a companhia de aviação), fechou contas de 2022 com buraco de 1,3 mil milhões e precisa de fundos para pagar a credores.

Nos vários cenários equacionados está a passagem da Portugália para a TAP SA que, apesar dos prejuízos, pode tornar o pacote de venda mais interessante para os potenciais compradores.

Dívida a pesar na "TAP má", a holding SGPS

Na análise à TAP SGPS está, por exemplo, o empréstimo da companhia aérea brasileira Azul. Em causa estão 189 milhões de euros que o Estado deve à companhia, cujo acionista maioritário é David Neeleman, o empresário que controlou a TAP, entre 2015 e 2020, durante o tempo em que foi privada.

Neeleman tem a receber 90 milhões de euros em obrigações subscritas em 2016 e 99 milhões de juros acumulados. O pagamento devido pela TAP SGPS, que está nas mãos do Estado, vence em 2026. São 90 milhões de euros em obrigações subscritas em 2016, um ano depois de o empresário norte-americano ter entrado na TAP em consórcio com Humberto Pedrosa, e mais 99 milhões em juros acumulados.

As obrigações podiam ter sido convertidas em ações da TAP, mas isso não aconteceu por exigência do governo que travou a continuação de David Neelman no capital da TAP após a intervenção estatal. No total, as ajudas de Estado atingem o valor de 3.200 milhões de euros.

Recorde-se que o governo avançou em junho de 2020 com um empréstimo de emergência convertível em capital, que mereceu a rejeição do então acionista privado da TAP. O que levou o Executivo a avançar para compra da participação de David Neeleman, de 22,5%, pagando 55 milhões de euros, não tendo, na altura, aceitado a exigência do empresário de que o empréstimo obrigacionista de 90 milhões à Azul fosse reembolsado pela TAP SGPS. É nesta holding (detida em 99% pela República Portuguesa, através da DGTF e 1% pela Parpública) onde se encontra a maior parte da dívida que causou a ajuda estatal em 2021.

A TAP SGPS, a antiga proprietária da TAP SA, atualmente apenas possui outras empresas. Várias delas estão em situação crítica, como é o caso da Groundforce, onde a companhia vai ficar com uma participação minoritária da maior empresa de logística dos aeroportos portugueses e que foi declarada insolvente há dois anos.

No trabalho em curso de avaliação para a privatização, e futuro da holding, está ainda a ser analisada a Portugália, nomeadamente a possibilidade de esta ser integrada na TAP SA, tal como em abril do ano passado foi admitido pelo CFO durante a apresentação dos resultados de 2021. A integração está dependente da aprovação pelo acionista. Segundo Gonçalo Pires, além da PGA, também a UCS (serviços de saúde) será integrada.

Uma eventual integração da PGAna TAP, SA poderia ser mais um incentivo para um futuro comprador. Desde logo porque a Portugália – que pertence à TAP desde 2007 – detém uma frota de 19 aviões, 12 dos quais aparelhos Embraer 190-LR adquiridos em 2016. Trata-se de um jato comercial com capacidade para 106 passageiros e vocacionado para voos de médio curso. Os restantes sete aviões da PGA são Embraer 195 – AR, também de médio curso, mas com 118 assentos.

A PGA juntar-se-ia, assim, a um outro “rebuçado” incluído nas contas da TAP, como o Jornal Económico noticiou em 24 de março. Na, agora, remota possibilidade de a privatização se concluir ainda este ano, o comprador vai poder dispôr de 686 milhões de euros em “cash”, através de duas injeções previstas para dezembro de 2023 e dezembro de 2024. Na prática, são duas parcelas relativas ao aumento de capital que o Estado formalizou em dezembro passado e, em si, não representam um acréscimo de verbas passadas pelo Estado. Mas quem comprar a TAP – mesmo que, em teoria, esse valor esteja contemplado nas avaliações que servem de base às propostas de compra – vai poder contar com essas verbas, uma vez que dizem respeito a compromissos assumidos pelo Estado no Plano de reestruturação da companhia, que apenas previa a possibilidade de privatização a partir de 2025.

Na altura, o ministério das Finanças respondeu ao JE que, “em termos gerais, qualquer valor de transação terá em consideração a posição de dívida financeira líquida (valor dos passivos deduzido das disponibilidades financeiras da empresa) no momento de concretização da operação”. Traduzindo: o Governo vai considerar este valor a introduzir na empresa quando avaliar qualquer proposta dos interessados na TAP.

Portanto, as propostas dos interessados deverão contar com as seguintes condicionantes.Se houver uma fusão da TAP, SA com a TAP SGPS, terá de lidar com os 1,3 mil milhões de euros de capitais próprios negativos da holding; vão ter de levar em conta o pagamento de 189 milhões de euros à Azul, de David Neeleman, mas também poderão contar com 686 milhões de euros de injeções do Estado.

"Contributo próprio" da TAP SGPS para o plano representa 36% dos custos de reestruturação

Outra das revelações ao ler a versão completa do plano de reestruturação é o valor e percentagem da “contribuição própria” da TAP SGPS para os custos da sua própria reestruturação. Algo que levantou os sobrolhos da Comissão Europeia, mas já lá iremos.

De acordo com o plano completo, “a contribuição própria da TAP SGPS e dos seus vários contribuintes para os custos de reestruturação consiste em cerca de 1,4 mil milhões, espalhados entre 2020 e 2025”.

E estes contributos provêem de medidas como o pagamento de 54 milhões de euros em indemnizações resultantes de cortes de pessoal, a partir de abril de 2020, mas também de medidas de eficiência de custos.

Estas medidas de eficiência de custos ascendem a 284 milhões de euros (114 milhões em 2021 e outros 193 em contratos ainda em vigor):

– 109 milhões de euros em renegociações de serviços aeroportuários, catering e serviços prestados em voo. Estas renegociações de catering seriam feitas junto de fornecedores em Lisboa, do Buy-on-Board, bem como a renegociações dos serviços de limpeza, bilhética e outros serviços aeroportuários.

– 85 milhões de poupança em renegociações relacionadas com a frota de aviões.

– 29 milhões de poupança em serviços Corporate e imobiliários (renegociação de parqueamento, serviços de media, publicidade e apoio jurídico).

– 42 milhões de euros em renegociações de serviços de IT (licenças, plataformas de comunicação, outsourcing do serviço, etc).

– 19 milhões relacionados com acomodação de tripulação em serviço.

Este "contributo" próprio da TAP SGPG para a sua própria reestruturação levantou desde logo dúvidas por parte da Comissão Europeia. Porquê? Primeiro por causa da proporcionalidade da ajuda, mas depois porque "a Comissão notou que, no melhor dos casos, o contributo próprio corresponderia a 36% dos custos de reestruturação e não está claro se são admissíveis ou não as reduções de custos salariais, que representam mais de 70% do contributo próprio". Ambas estas percentagens também foram omitidas da "versão pública".