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Ursula von der Leyen vai hoje a votos para presidir à Comissão Europeia

Com o Parlamento Europeu renovado - e em grande agitação por causa da Ucrânia - a reeleição da alemã pode não ser tão fácil como as demoradas negociações de bastidores sugerem. Há cinco anos, foi eleita por apenas nove votos.

É o que está previsto pelo regimento: às 9h00 desta quinta-feira, Ursula von der Leyen vai dirigir-se aos eurodeputados reunidos em sessão plenária para apresentar o seu programa e propostas para um próximo mandato como presidente da Comissão Europeia, seguindo-se um debate. Após o debate, às 13h, decorrerá a votação secreta (em papel).

Tudo isto corre de acordo com o artigo 14.º do Tratado da União Europeia: ao Parlamento Europeu “compete-lhe eleger o presidente da Comissão”. Na prática, e com base no Regimento do Parlamento Europeu, o candidato proposto pelo Conselho Europeu deve apresentar ao Parlamento as suas orientações políticas, seguidas de um debate. Em seguida, o Parlamento elege o presidente da Comissão por maioria dos deputados que o compõem — ou seja, 361, num Parlamento composto por 720 deputados. Se o candidato não obtiver a maioria exigida, o presidente convidará o Conselho Europeu a apresentar outro nome no prazo de um mês, para uma eleição seguindo o mesmo procedimento.

Mas não é completamente claro que Ursula von der Leyen tenha a eleição garantida. Em teoria, os votos dos conservadores do PPE (188) somados aos dos socialistas (136) são apenas 324 – faltado por isso 37. Os Verdes têm 53 lugares – o que matematicamente será suficiente para a alemã ultrapassar qualquer sobressalto. A favor contam-se também os liberais do Renew Europe (77). O problema é que Von der Leyen ganhou muitos ‘anti-corpos’ ao longo do seu primeiro mandato, referem alguns analistas.

“Da última vez von der Leyen passou por apenas nove votos, uma margem muito reduzida que ela quer evitar desta vez”, disse Ricardo Borges de Castro, analista de assuntos europeus e internacionais e conselheiro sénior do European Policy Center (EPC), ouvido pela CNN. “É por isso que ela não esteve agora em Washington para a cimeira da NATO, ficou em Bruxelas a ter reuniões. E há outro elemento: é que Kaja Kallas também tem de passar no Parlamento, e se os liberais do Renew Europe criarem um problema a Von der Leyen, nada garante que o PPE não crie um problema a Kallas. É tudo um jogo de equilíbrio e, até ao voto final, todos estão a tentar obter o maior número de concessões possível.”

Em 2019, aqueles quatro partidos europeus – PPE, socialistas, liberais e Verdes – agregavam 490 lugares, mas Ursula Von der Leyen foi eleita com 383 votos a favor, 327 contra e 22 abstenções (apenas mais 11 votos que os 316 assegurados pelo PPE e pelos socialistas). Ou seja: as intensas negociações em torno dos quatro principais lugares da União Europeia, que se seguiram abruptamente depois das eleições de 9 de junho, podem, em teoria, não ser suficientes para a alemã.

Se houver qualquer problema e o Conselho tiver de apresentar um novo candidato, isso será uma grande vitória para as renovadas forças de extrema-direita euro-cética que agora tem lugar no Parlamento Europeu. E esta nova composição tem tentado mostrar a sua força – para já sem sucesso, mas com muito ‘barulho’ à mistura. A extrema-direita tentou esta quarta-feira bloquear a primeira resolução da 10.ª legislatura, que duplicava o apoio à Ucrânia e denunciava a polémica "digressão pela paz" de Viktor Orbán, presidente do Conselho da União Europeia (mas não nessa qualidade). Segundo a agência EuroNews, o Parlamento criticou o encontro de Orbán com Vladimir Putin como uma "violação flagrante dos Tratados da UE e da política externa comum, incluindo o princípio da cooperação sincera" e disse que "deve ser encarado com repercussões para a Hungria". A grande maioria dos eurodeputados dos grupos Patriotas pela Europa e Europa das Nações Soberanas (ESN) votou contra o texto.

Vários países queixaram-se da decisão da Comissão Europeia de boicotar a presidência húngara. O executivo comunitário anunciou esta segunda-feira que não vai enviar os seus comissários para reuniões informais do Conselho e que cancelou a sua viagem a Budapeste, uma visita de rotina que a Comissão realiza no início de cada nova presidência do Conselho da União. A decisão foi tomada depois de Viktor Orbán ter visitado Moscovo e Pequim na autodenominada "missão de paz" – que também foi a Kiev. Recorde-se que Orbán também se encontrou há dias com o candidato às presidenciais norte-americanas Donald Trump. Esta espécie de ‘segunda via’ da diplomacia europeia tem causado fortes desentendimentos no interior dos organismos de liderança da União. E é o primeiro e um dos mais polémicos dossiês que Von der Leyen terá, se for eleita, de gerir.

Entretanto, Orbán ‘diverte-se’: Donald Trump agirá sobre a Ucrânia imediatamente após a reeleição como presidente dos Estados Unidos, disse o primeiro-ministro húngaro aos Estados-membros numa carta citada pela Euronews e enviada após as suas viagens a Pequim, Moscovo, Kiev e Washington. Na carta, Orbán propõe o envolvimento em conversas políticas de alto nível com a China para explorar as modalidades de uma nova conferência de paz sobre a Ucrânia, reabrir a comunicação diplomática direta com a Rússia.

Na carta, de 12 de julho, Orbán partilha "uma avaliação resumida das minhas recentes discussões com líderes da Ucrânia, Rússia, China, Turquia e o presidente Donald J. Trump". Segundo Orbán, "o conflito militar vai escalar radicalmente num futuro próximo", e os únicos três atores globais que podem influenciar os acontecimentos são a UE, os Estados Unidos e a China, com a Turquia a desempenhar um papel fundamental como mediador entre a Ucrânia e a Rússia.

Orbán observou que Trump, preocupado com questões de política interna, nelas está concentrado, mas “posso, no entanto, afirmar com certeza que, logo após a sua vitória eleitoral, não esperará até à tomada de posse para agir como um mediador da paz imediatamente. Ele tem planos detalhados e bem fundamentados para isso". O primeiro-ministro húngaro criticou a estratégia da União, que descreveu como uma mera replicação da política da Casa Branca, sem planeamento soberano e independente. "Proponho discutir se a continuação desta política é racional no futuro", diz a carta. Orbán propõe que o bloco dos 27 aproveite a oportunidade para reconsiderar a sua abordagem à Ucrânia: "na atual situação, podemos encontrar uma janela de oportunidade com uma forte base moral e racional para iniciar um novo capítulo da nossa política", enfatizando a necessidade de diminuir as tensões, criar condições para um cessar-fogo temporário ou iniciar negociações de paz.