"(…) atravessámos os Himalaias de sul para norte. Mas só quando tive de trepar este pequeno caminho íngreme do rio invernal para as falésias é que me apercebi do quão cansado estava depois de trinta e cinco dias de difícil caminhada. E aqui estou, neste primeiro dia de novembro, erguendo-me diante do Mosteiro de Cristal, com as suas estranhas pedras, bandeiras e sinos debaixo de neve.”
“O Leopardo-das-Neves” é o relato extraordinário de uma viagem física e espiritual que se converteu numa verdadeira peregrinação pela essência da vida, e um dos melhores livros que conjugam viagens e escrita da natureza, sendo mesmo considerado um clássico do género (facto a que não será alheio o seu profundo misticismo).
Em 1973, Peter Matthiessen, acompanhado do zoólogo George Schaller, viajou até às remotas montanhas do Nepal para estudar o Carneiro-azul e tentar observar o raro – tão raro que chega a ser mítico – leopardo-das-neves, proeza de que pouquíssimos seres humanos se poderão gabar. Mas Plínio, o Velho, refere-se-lhe, pelo que há séculos houve evidência da sua existência.
Matthiessen estava igualmente numa jornada espiritual para encontrar o lama de Shey Gompa (Mosteiro de Cristal, em tibetano), no deslumbrante planalto de Dolpo, inalterado durante séculos – apesar de ter feito parte da antiga rota comercial trans-himalaica, a região esteve fechada a caminhantes durante bastante tempo.
Com o desenrolar da viagem ao longo dos cerca de 400 quilómetros do trilho até Dolpo – que obrigou a um tremendo esforço físico, a negociações frequentes com os sherpas, a suportar bolhas nos pés, nevões e frio intenso – Matthiessen descreve o seu percurso interior e exterior, aprofundando a compreensão budista da realidade, do sofrimento, da impermanência e da beleza. Esta era, definitivamente, uma viagem sentimental, por entre a beleza e indiferença das montanhas; acima de tudo, o autor buscava consolo.
Peter Matthiessen (1927-2014) foi cofundador de “The Paris Review” e escreveu mais de 30 livros, sendo este o único publicado em Portugal. É o único autor a ter vencido o National Book Award nas categorias de ficção (em 2008, com “Shadow Country”) e de não ficção (em 1979, precisamente com este “O Leopardo-das-Neves”). Aquando da sua morte, o obituário de “The New York Times” apresentava-o como um dos últimos sobreviventes de uma geração de escritores norte-americanos que chegou à idade adulta após a Segunda Guerra Mundial e que se conheciam todos graças a uma espécie de salão literário permanente, deslocando-se entre Nova Iorque e Long Island, frequentado por autores como Kurt Vonnegut ou E. L. Doctorow.
Editado pela Saída de Emergência, na sua chancela Desassossego, e com tradução de Rita e Pedro Carvalho e Guerra, “O Leopardo-das-Neves” faz parte da nova colecção de literatura de viagens, coordenada por António Araújo.