A crueldade inerente ao tratamento atroz dado a outros seres humanos tendo em vista a sua exploração é um dos mais pesados legados da presença portuguesa no mundo e será sempre algo que não devemos esquecer. Não só para não repetir, mas, também, para compreender a forma como esses povos se relacionam connosco.
Este lado funesto da nossa História era pouco ou nada ensinado na escola. Em África, a conquista e o trabalho forçado foram camuflados de ‘missão civilizadora’; o exercício brutal do poder e a exploração de outros seres humanos eram cobertos pelo manto da religião e da conversão ao cristianismo.
Sem dúvida que as descobertas portuguesas dos séculos XV e XVI são uma espécie de época de ouro na nossa História, pelo que representam de feitos científicos e de coragem. Mas não podemos esquecer o outro lado da moeda, sobretudo agora que há quem pretenda reescrever a História e fazer reemergir o racismo mais boçal.
O livro “Império do Medo – Escravatura, Tráfico Negreiro e Racismo”, uma edição da Imprensa Nacional Casa da Moeda, conta com textos de vários autores e aborda o tema sob diversas perspetivas, contextualizando-o, incluindo ainda uma análise das comunidades afrodescendentes e brasileiras no Portugal do séc. XXI e um capítulo dedicado ao racismo e antirracismo no cinema, onde encontramos filmes como “E Tudo o Vento Levou” ou “Chaimite” (1953), de Jorge Brum do Canto, o triste apogeu do cinema colonial português.
De destacar a profunda reflexão sobre a longa presença africana em Portugal, mais (no caso, por exemplo, da zona do Rossio e Largo de São Domingos, em Lisboa) ou menos óbvia no espaço público (na toponímia, por exemplo). A organização é de Isabel do Carmo, Ana Calçada e Patrícia Alves, contando com a colaboração de Arlindo Manuel Caldeira, Eduardo Medeiros, Isabel Castro Henriques, Catarina Marcelino, Paula Cabeçadas e Patrícia Alves.
Na génese da publicação deste livro está a exposição homónima inaugurada em Óbidos, durante o Fólio, em 2019 (que circularia depois por outros locais), a dedicação entusiasmada de José Pinho – então à frente do Festival e da livraria Ler Devagar –, e as comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril. Um processo longo e um tema urgente.
Um processo longo e um tema urgente
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No passado dia 11 de novembro, durante as comemorações da independência de Angola, em Luanda, o presidente João Lourenço fez apenas uma referência a Portugal no seu discurso e foi para mencionar o colonialismo e a escravatura.