Após mais de dez anos de tentativas, Portugal continua sem um sistema adequado de revisão da despesa, acusa o Tribunal de Contas (TdC), o que significa que o Estado tem menos um instrumento de gestão financeira numa altura em que os gastos tendem a subir. Um reporte descoordenado e ineficiente de iniciativas não coordenadas entre ministérios, falta de transparência e pouco interesse político são os motivos levantados, ainda que o processo aparente estar agora a alinhar com as melhores práticas internacionais, reconhece o relatório publicado esta terça-feira.
A instituição liderada por José Tavares deixa críticas aos dois anteriores processos de revisão da despesa, considerando-as experiências “episódicas e desconexas” que retiram utilidade ao que poderia ser um útil instrumento de gestão financeira do Estado. A primeira, durante o ajustamento ditado pela troika, pecou pela falta de profundidade na análise da despesa, lê-se no; a segunda, entre 2016 e 2023, “ficou marcada pela ambiguidade […], pela fragilidade da estrutura de governança” e por um reporte “inútil”.
“Em 2024, após mais de uma década de tentativas para a implementação da revisão da despesa em Portugal, o exercício não conseguiu alcançar um estado de maturidade que assegurasse a sua eficácia enquanto instrumento de gestão financeira do Estado”, conclui o “Relatório de Auditoria ao Exercício de Revisão da Despesa”, publicado esta terça-feira.
Este instrumento “consiste num escrutínio detalhado, coordenado e sistemático da despesa base, com o objetivo de identificar poupanças decorrentes de melhorias na eficiência e oportunidades para reduzir ou redirecionar despesa pública não prioritária, ineficiente ou ineficaz”, explica o Tribunal.
Em concreto, o TdC considera que as iniciativas para promoção da eficiência e revisão da despesa desenvolvidas entre 2016 e 2023 pelas entidades públicas e os ministérios “eram independentes, não existindo uma relação próxima nem complementar entre os dois”, sendo que “as medidas de revisão da despesa indicadas pelos ministérios sectoriais nos ROE [Relatórios de Orçamento do Estado] revelaram-se tecnicamente inconsistentes”, enquanto “a qualidade da informação relativa às medidas de melhoria da eficiência e de controlo da despesa inscritas pelas entidades públicas mostrou-se muito fraca”.
O TdC fala em medidas não quantificadas, vagas e pouco relacionadas com uma efetiva revisão da despesa, na medida em que geravam poucos ou nenhuns ganhos de eficiência. Mais, na generalidade dos casos “não houve uma monitorização da implementação efetiva das medidas propostas, nem uma avaliação da geração de poupanças orçamentais” e, “mesmo sendo evidente a ineficácia deste processo, […] continua a impor-se às entidades da administração central este custo administrativo sem adequado valor”.
A título ilustrativo, as iniciativas de revisão da despesa reportadas pelas entidades públicas entre 2018 e 2022 mostraram, em aproximadamente 40% dos casos, “insuficiências de preenchimento e perto de 20% eram inúteis por não apresentarem nem impacto, nem valor base da despesa”.
Ainda assim, e com o país na terceira experiência de revisão da despesa, iniciada no terceiro trimestre do ano passado, o processo dá agora sinais de alinhamento com as melhores práticas internacionais. Ressalvando que ainda é prematuro para avaliar resultados efetivos, o Tribunal alerta que “ainda subsistem riscos na capacidade de assegurar a transição para as etapas mais exigentes do processo: a implementação das ações de política, a monitorização dessa implementação e a avaliação ex-post do processo”.