A companhia aérea portuguesa voltou a alcançar lucros. Entre janeiro e setembro deste ano, a TAP alcançou um resultado líquido positivo de 203,5 milhões de euros, uma melhoria face aos prejuízos do ano passado, mas nem tudo é o mar de rosas que parece.
De facto, só no terceiro trimestre, a companhia área contabilizou um lucro de 180,5 milhões de euros, um novo recorde para a empresa. Mas, "os trimestres três e quatro são tradicionalmente os melhores na aviação", lembra Pedro Castro, diretor da SkyExpert Consulting, ao Jornal Económico.
Apesar dos lucros alcançados, a TAP voltou a não realizar conferência de imprensa de apresentação dos resultados e enviou, sem comunicar previamente, o comunicado à imprensa com os números dos primeiros nove meses do ano. "É má esta forma de comunicar os resultados", adianta o especialista em aviação.
"Existe certamente uma pressão política muito grande para a TAP dar lucros no papel. O Governo considera isso importante para o processo de privatização em curso e para os eleitores em vésperas de europeias", sustenta.
Para Rui Quadros, especialista em gestão aeronáutica com experiência na Iberia, PGA e Grupo SATA e professor no ISEC, o lucro “marca uma reviravolta significativa em relação ao prejuízo de 90,8 milhões de euros no mesmo período do ano anterior. Esse é um sinal positivo, demonstrativo de que a empresa está numa trajetória de recuperação financeira”.
Melhorar a atratividade para venda?
Os lucros da TAP “podem melhorar a sua atratividade” para potenciais compradores mas se a procura abrandar, os custos da companhia podem ser um problema, de acordo com a análise de Rui Quadros para o JE.
Prestes a entrar num processo de privatização, estará a companhia aérea a valorizar-se com estes resultados positivos? Este especialista refere que “o sucesso da privatização depende de vários fatores, incluindo a maneira como o processo é conduzido, o preço de venda, os termos do contrato de privatização e a capacidade do novo proprietário de gerir eficazmente a empresa”.
“Enquanto os resultados financeiros positivos da TAP podem certamente melhorar a sua atratividade para potenciais compradores, outras empresas também melhoraram, o que é sempre de salientar, mas nesta fase não considero ser decisivo. A TAP tem o passado que todos conhecemos e que de momento está a contrariar de forma muito elucidativa”, destaca o especialista em gestão aeronáutica ao JE.
Rui Quadros recorda ainda que, apesar dos bons resultados, “o sector do transporte aéreo de passageiros é altamente competitivo e sujeito a flutuações económicas e a desafios externos”.
Pedro Castro considera que, na última metade do ano, as companhias aéreas beneficiam "de uma combinação extraordinária", uma vez que "mantêm preços mais altos com taxas de ocupação mais altas do que no passado", o que causa um "impacto imediato ao nível da receita e do lucro, mesmo de companhias como a TAP ou SAS que têm longo histórico de prejuízo".
No caso particular da TAP, isso é evidenciado nas receitas, dado que, "com menos aviões, menos destinos e menos passageiros do que em 2019, a TAP tem mais 20% receitas e tem lucro em vez de prejuízo", indica Pedro Castro.
O responsável indica que a frota de aviões com NEOs ajuda a TAP a "compensar o aumento do custo dos combustíveis e ainda continua, nestes resultados, a beneficiar dos cortes salariais de 20% e 25% em vigor durante a maior parte destes nove meses em análise".
De relembrar que, a empresa colocou um ponto final nos cortes salariais no verão, tendo pago o salário integral em agosto e retroativos referentes a julho.
O próprio ministro das Infraestruturas, João Galamba, assumiu que "os resultados são francamente animadores" e que "são boas perspetivas para a privatização" que se segue. "Significa que temos uma empresa sólida, em crescimento, sustentável e isso é sempre uma boa notícia", apontou Galamba na terça-feira.
E para 2024?
O diretor da SkyExpert Consulting aponta que, neste momento, "existe uma cautela otimista para 2024" neste sector em específico.
"Ao mesmo tempo que se fala na recuperação total dos números globais de 2019, as companhias perguntam-se a que preço vão conseguir vender a capacidade que colocam no mercado e a que custo operacional", referindo-se a um potencial recessão económica e ao preço do petróleo, que se encontra em alta devido às guerras nas portas da Europa.
Mas, caso os planos do Governo se concretizem, a TAP não deverá ser preocupação dos portugueses durante muito mais tempo.
Na última comunicação sobre a companhia aérea de bandeira, o secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, deu mesmo a garantia de que a TAP será vendida no primeiro semestre do próximo ano.
De relembrar que, em setembro, o Governo admitiu vender "pelo menos, 51% da TAP", tendo voltado ligeiramente atrás na palavra dizendo que não ficou definida qualquer percentagem a ser colocada à venda.
Abrandamento da procura "pode ser um problema”
Com o esperado abrandamento da economia para Portugal e para a zona euro em 2024, e se a procura no sector da aviação também acompanhar essa tendência, a TAP pode vir a ter problemas. Para já, e de acordo com os últimos resultados, “embora os custos operacionais tenham aumentado em 21,6%, o resultado operacional melhorou significativamente, indicando”, no entender de Rui Quadros, “que a TAP tem conseguido gerir os seus custos de forma eficaz".
Caso a procura abrande em 2024, como se espera, este especialista defende que os custos “devem ser ajustados” e destaca ainda que “isso pode ser um problema dependendo de que custos falamos”.
“É importante notar que as condições da indústria podem ser voláteis, e a TAP deve continuar a adaptar-se e a inovar para manter o sucesso onde os custos são pedra de toque”, sublinha Rui Quadros, para quem os resultados do terceiro trimestre representam “um embalo muito positivo para o curto prazo”.
Para este especialista, “o aumento das receitas operacionais em 29,7% nos primeiros 9 meses, e de 34,5% na receita proveniente de passageiros, além de um crescimento homólogo de 19,5% no número de passageiros, são indicadores de que a receita média por coupon aumentou fortemente, indicando uma procura muito forte, e uma gestão da receita muito ajustada. Por essa razão, está mais caro voar ainda que a procura responda muito bem, e a TAP aproveita esta onda de crescimento”.
Em suma, Rui Quadros não tem dúvidas em considerar que os resultados da TAP “indicam uma notável recuperação após um período desafiantes, provavelmente influenciado pela retoma da atividade de viagens aéreas e pela gestão eficaz de custos”.
Onde encaixa o dinheiro injetado?
Tudo começou em 2021, quando o Estado português infetou 462 milhões de euros em maio e 536 milhões no fim do ano. Neste mesmo ano, o Governo financiou publicamente a TAP em 1,2 mil milhões de euros, que serviam para a reestruturação.
A última tranche aconteceu em dezembro de 2022: mais de 980 milhões de euros, naquele que foi o último reforço de capital previsto no plano de reestruturação.
Simplificando, foram 3,2 mil milhões de euros a entrar diretamente na companhia aérea, um valor acordado entre o Governo de António Costa e Bruxelas. Agora, a TAP não recebe mais auxílios estatais na próxima década.
Por isso mesmo, Pedro Castro levanta uma questão: "Porque razão o Estado ainda precisa de injetar 343 milhões de euros na TAP até dezembro de 2023 e porquê novamente 343 milhões de euros até dezembro de 2024?".
O especialista dá mesmo a resposta ao JE. "O modelo de 'ajuda' escolhido por este Governo - único na Europa - foi errado e o mais caro para o contribuinte. Vamos colocar dinheiro público numa empresa que dá lucro e que vai ser privatizada".