Quais as conclusões que saíram do Fórum da Sustentabilidade?
A 16.ª sessão do Fórum de Sustentabilidade foi dedicada ao tema 'Sustentabilidade da matéria-prima florestal', uma temática da maior importância para o sector e as empresas da fileira florestal, mas também para a construção de um modelo económico mais sustentável. A sessão ajudou a perceber o panorama que caracteriza as matérias-primas à escala global (e os seus custos crescentes), os desafios com que se depara o sector florestal e, entre outros, que riscos e oportunidades se colocam à concretização do potencial da floresta.
Apesar de a gestão ativa representar um elemento fundamental na atração e retenção de empresas e pessoas no mundo rural, combatendo as assimetrias regionais e a desertificação do interior, persistem constrangimentos na matéria-prima com consequências ao crescimento da indústria e, sobretudo, ao desenvolvimento da economia portuguesa. Esta sessão mostrou que a floresta é uma oportunidade que podemos estar a desperdiçar, ainda mais quando está em causa um fator diferenciador de Portugal enquanto país, com provas dadas ao longo de décadas.
Os vários intervenientes no Fórum salientaram a importância de ter uma visão de longo prazo e de um posicionamento favorável à bioeconomia circular de base florestal, sendo fundamental um quadro regulatório capaz de criar condições para resolver as questões estruturais da floresta. Importa definir com clareza as oportunidades que o país tem, apoiando e estimulando a iniciativa privada a desenvolver essas oportunidades.
Para tal, é importante que este tipo de encontro e debate da fileira floresta aconteça de forma mais frequente.
O ministro da Economia disse que a bioeconomia é "uma necessidade e emergência". Qual o contributo da floresta para acelerar este modelo económico?
Só em Portugal, a bioeconomia já representa um volume de negócios de 41 mil milhões de euros, sendo que o sector das florestas, suportado em grande medida pelas indústrias da fileira florestal, gera 24% do volume de negócios da bioeconomia (9,8 mil milhões de euros) e 11% do emprego (cerca de 76,5 mil postos de trabalho), segundo o relatório Bioeconomia 2030. Estes dados são bem elucidativos da importância do sector florestal e do seu papel para facilitar este modelo de desenvolvimento e a criação de bioprodutos a partir de soluções renováveis presentes na natureza. Acelerar a produção de alto valor acrescentado a partir de recursos biológicos, em alternativa à utilização de recursos de origem fóssil, promovendo a transição climática e o uso sustentável e eficiente de recursos, não é possível sem a floresta.
Todos conhecemos os méritos da bioeconomia de base florestal. Precisamos de uma estratégia de valorização da floresta para concretizar todo o seu extraordinário potencial.
Não podemos igualmente esquecer o contributo da floresta para alcançar as metas climáticas do país, dado o seu especial contributo para o sequestro de carbono.
Mas há falta de matéria-prima para alimentar todas as necessidades. Que soluções podem ajudar a colmatar rapidamente a necessidade de matéria-prima e contribuir para a bioeconomia?
A floresta tem hoje todas as componentes para ser uma atividade “efervescente”. Converteu-se já numa grande protagonista da mudança renovável. Creio que a gestão responsável da floresta e o desenvolvimento de soluções inovadoras permitem a esta matéria-prima tradicional reivindicar o seu papel agora e no futuro. Ou seja, a gestão sustentável dos recursos florestais pode ser a ferramenta para que uma das matérias-primas mais antigas usadas pelo Homem se torne a matéria-prima do século XXI.
Como referiu um dos keynote speakers do evento, não falta madeira no mundo. No entanto, em muitas geografias a sua extração de forma sustentável não é economicamente viável. Por outro lado, a procura de madeira está a crescer a nível mundial, apesar de os incentivos para novas plantações serem cada vez mais reduzidos. Só em 2022, foram consumidos 3,9 mil milhões de metros cúbicos de madeira em todo o mundo e a tendência é para que este número continue a aumentar. Isto ao mesmo tempo que são plantadas novas árvores.
Em Portugal, também persistem os constrangimentos na matéria-prima, fruto de políticas restritivas à plantação, o que não deixa de ser curioso num país onde cerca de 98% da floresta é propriedade privada ou comunitária. Esta falta de matéria-prima reflete-se em importações crescentes, nomeadamente de madeira de eucalipto, que no ano passado representaram mais de 375 milhões de euros.
A disponibilidade de matéria-prima precisa de acompanhar as necessidades atuais e futuras da indústria e a criação de novos negócios e produtos a partir da floresta. O aumento de disponibilidade de matéria-prima pode passar por melhorias da produtividade da floresta nacional, nomeadamente através da recuperação e rejuvenescimento de vastas áreas abandonadas e degradadas. Pode também passar por políticas de fomento florestal que potenciem a área de floresta plantada a par da floresta de conservação. Estas áreas, geridas de forma sustentável, para além de garantirem o necessário acréscimo de produtividade, e a resiliência do território, serão ainda geradoras dos denominados serviços do ecossistema.
No nosso país, 12% do território está ocupado por matos e incultos, a maioria sem valores de conservação, e que, em conjunto, são responsáveis por cerca de metade da área ardida em Portugal nas últimas duas décadas. Estas são áreas que poderiam ter outro tipo de aproveitamento. Por que não investir em matos e incultos, criando um mecanismo de compensação no qual por cada hectare adicional de floresta de produção plantada corresponda um hectare de floresta de conservação? Não faltam possibilidades.
Em Portugal, ainda subsistem algumas crenças e perceções em relação ao eucalipto, que muitas vezes é apenas referido, não pelas melhores razões, na altura dos grandes incêndios. Como vê a legislação para esta espécie, nomeadamente as restrições a novas plantações?
Penso que as questões ambientais são de ordem emocional, as soluções são técnicas e as decisões são políticas. Mais do que focar nas visões ideológicas, qualquer política florestal deve estar ao serviço do bem comum. O sector florestal tem o mesmo objetivo que o Governo: melhorar a quantidade e a qualidade das florestas. Para o conseguir, é importante ouvir quem está no terreno e entender que o sector florestal existe pela floresta e precisa dela em excelentes condições para continuar a operar. Nessa medida, conforme referiram diversos oradores do Fórum de Sustentabilidade, a legislação deve ser realista e aplicável, ajudando a definir as regras e a estratégia para os alcançar. Só assim poderemos converter todo o potencial da floresta nos seus três pilares da sustentabilidade (económico, social e ambiental).
Infelizmente, a maior parte das pessoas só sabe sobre floresta aquilo que lê ou ouve nos meios de comunicação social. Ainda existe muita desinformação que gera uma perceção negativa sobre o valor da floresta, importância esta que vai muito além da regulação do ciclo hidrológico, sequestro e armazenamento de carbono, ar limpo ou, entre muitos outros benefícios, de funções de recreio. É importante melhorar este conhecimento junto da população, mostrando que as florestas plantadas e bem geridas, entre elas as de eucalipto, podem desempenhar um papel muito importante na transição de um modelo fóssil e linear, para um modelo de bioeconomia circular de base florestal, neutra em carbono e positiva para a natureza.
Por outro lado, há que destacar a floresta portuguesa enquanto fonte de riqueza para o país e de criação de elevado valor acrescentado, pela exportação de bens transacionáveis, pelo papel como agente dinamizador de zonas desfavorecidas e pela criação de emprego - são cerca de 100 mil os empregos ligados à floresta. As universidades também têm um papel fundamental na promoção da literacia florestal e para tornar as carreiras ligadas à floresta mais atrativas para as futuras gerações. A solução passa por melhorar a oferta educativa, com cursos mais agregadores e interdisciplinares, lecionados por um corpo docente mais jovem, em alinhamento com vários ministérios. Só desta forma será possível aumentar a atratividade e o conhecimento sobre o sector e, ao mesmo tempo, fomentar a inovação social e institucional. Esta mudança de perspetiva teve já início na Universidade de Helsínquia, na Finlândia. Para enfrentar um problema muito sério no setor, que envolvia a escassez de mão de obra, a retenção de conhecimento e a falta de atratividade do sector e o custo, a universidade tomou medidas. Uniu a faculdade de design e a Business School com a faculdade de tecnologia, estabelecendo a Universidade Aalto. Criou um “curso de celulose e papel” dinâmico e atrativo (esse curso passou a chamar-se Biotecnology, biomaterials and chemistry). Atualmente, este curso é tão procurado que não existem vagas suficientes para atender à elevada procura.
Deveria existir uma lei mais atual para a recolha de matéria-prima, de forma a aproveitar os recursos existentes, numa lógica circular de reutilização, e não intensificar a desflorestação?
A perda de cobertura arbórea no nosso país está sobretudo associada a conversões para zonas urbanas, turísticas e industriais, mas também novas infraestruturas (por exemplo, autoestradas) e, ainda, aos incêndios florestais. Ainda assim, a floresta é o principal uso do solo em Portugal.
No final do século XIX, a área estimada de floresta aproximava-se dos 640 mil hectares (cerca de 7% da área total de Portugal). Hoje são mais de 3,4 milhões de hectares e 39% do nosso solo, um crescimento feito sobretudo por via das florestas plantadas. O grande crescimento deu-se no século XX, por via de sucessivas políticas de fomento florestal, que fizeram crescer as áreas de pinheiro, sobreiro e azinheira, assim como, desde a década de 50, de eucalipto. Foi a valorização económica dos produtos provenientes da floresta que fomentou este crescimento, além de favorecer também o desenvolvimento social das populações e da economia nacional, e de estimular uma intensa atividade de investigação e desenvolvimento.
Além da madeira para a indústria, há muitos outros recursos provenientes da floresta que podem ser aproveitados. Por exemplo, o Fundo Ambiental lançou recentemente um aviso com o objetivo de apoiar projetos para dar uma resposta em cadeia aos sobrantes florestais e agrícolas, disponibilizando espaços públicos de proximidade destinados ao seu depósito e armazenamento temporário.
E em termos de florestação, qual deve ser a aposta de Portugal para ter uma floresta mais resiliente?
A informação disponível tem vindo a demonstrar que é a estrutura dos povoamentos (continuidade da vegetação, proximidade entre copas, por exemplo), mais do que as espécies, que condiciona a propagação dos incêndios. Estes são dados importantes a ter em conta no desenvolvimento de políticas florestais.
Temos de ter consciência do abandono rural e da estrutura fundiária de pequena dimensão do país. Mas, se os proprietários tirarem rendimento da floresta, certamente que cuidarão dela. Esta é, sem dúvida, uma das melhores estratégias de prevenção e combate aos incêndios. Uma das soluções para criar rentabilidade poderia passar, por exemplo, pela definição de regras para os contratos de compra e venda de madeira e por registá-los para dar segurança a quem compra e a quem vende e, até, monetizá-los.
Portugal é um país florestal, mas é necessário promovermos uma maior cultura florestal. Urge definir um plano para o sector – uma espécie de pacto de regime – que ajude a clarificar todas as regras. O caminho pode passar também por um acordo de indústria, que permita reconfigurar aquilo que são as manchas florestais, garantindo a sua adequação a determinadas zonas por questões de clima, de produtividade ou, entre outras, de conservação.
Em Portugal vemos a floresta como um passivo em vez de a encararmos como um ativo de que nos devemos orgulhar. Basta lembrar que o nosso país é o maior produtor de cortiça a nível mundial e o eucalipto português – o globulus – tem características únicas que lhe valem o reconhecimento como a melhor fibra do mundo para fazer diversos tipos de papel.