O crédito ao consumo está a crescer desde o início do ano, alcançando máximos de mais de quatro anos. Esta tendência contraria aquela que se observa na zona euro e deve-se sobretudo ao crescimento da procura por financiamento para a compra de carros, afirma Duarte Gomes Pereira, secretário-geral da Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC), ao Jornal Económico (JE). Isto num período marcado por uma maior confiança na economia e de descida das taxas de juro, aumentando a disponibilidade financeira das famílias para fazerem gastos que tinham sido adiados.
No verão de 2022, o Banco Central Europeu (BCE) deu início a uma subida rápida dos juros na zona euro, numa tentativa de travar a escalada da inflação. “Foi um ano de enorme incerteza socioeconómica e de subida das taxas”, ditando um aumento das Euribor e, com isso, um agravamento das prestações da casa, afirma o secretário-geral da ASFAC. Com o “encolher” do orçamento familiar, houve também uma “redução do crédito ao consumo em 2023”, refere.
Mas, com a inversão da política monetária - o BCE fez o primeiro corte de juros em junho deste ano -, há agora mais margem para a contratação, tanto do lado dos clientes, que veem as prestações da casa aliviarem e ganham margem para contratar outros empréstimos, como das instituições financeiras. Os dados do Banco de Portugal mostram isso mesmo. Nos primeiros seis meses do ano, o stock de crédito ao consumo aumentou em 536 milhões de euros, quando no mesmo período do ano passado tinha subido apenas 107 milhões. Em julho, o montante de empréstimos aumentou mais 141 milhões de euros relativamente a junho, para 21,8 mil milhões de euros, e cresceu 6,6% em relação a julho de 2023, o maior crescimento, em termos homólogos, desde março de 2020.
“O crédito automóvel é o que tem maior peso para o crescimento dos empréstimos ao consumo”, afirma Duarte Gomes Pereira, explicando que as “pessoas adiaram as decisões [da compra de um carro] face à incerteza económica”. Há, agora, “maior confiança na economia por parte da população”, nota, o que leva os portugueses a procurarem mais crédito ao consumo, nomeadamente para a compra de automóveis. No acumulado dos primeiros seis meses deste ano foram concedidos 1,56 mil milhões em novos financiamentos automóvel (novos e usados), um aumento de 11,2% face ao mesmo período do ano passado.
O responsável da ASFAC aponta também para o facto de a taxa de desemprego não ter aumentado, o que revela um mercado laboral robusto e permite às famílias continuarem a servir a dívida. Neste segmento, a taxa de crédito malparado mantém-se em níveis baixos. “O incumprimento no crédito ao consumo continuou nos 2,6% em julho, face a 3,3% em julho de 2023, e mantendo-se no mesmo nível desde o início do ano”, refere o secretário-geral da associação que representa as financeiras, sublinhando que “é a taxa mais baixa em mais de 20 anos”.
O crescimento do crédito ao consumo observa-se numa altura em que há também uma maior aposta dos bancos na oferta deste tipo de financiamento, apesar de dados recentes do regulador mostrarem que o sector financeiro está a “apertar” os critérios de concessão. No último inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito, referente a julho, as instituições financeiras deram conta de critérios “ligeiramente mais restritivos no crédito ao consumo e outros fins”.
Aumento do crédito ao consumo contraria Europa
Esta tendência de subida do crédito ao consumo em Portugal está a contrariar o que está a acontecer noutros países europeus. O regulador liderado por Mário Centeno refere que “estes empréstimos têm apresentado uma trajetória de aceleração, contrariamente ao observado para o conjunto da área do euro a partir de maio de 2024”.
A explicação para isto pode ser encontrada no facto de, em Portugal, quase 90% dos créditos à habitação, que representam a maior despesa das famílias, estarem indexados a taxas variáveis, as Euribor. “Portugal está a subir e a contrariar a zona euro porque a maior parte dos países tem taxa fixa”, afirma Duarte Gomes Pereira, da ASFAC. Ou seja, o rendimento disponível das famílias portuguesas acaba por ser mais sensível à evolução das taxas.
De acordo com os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, o valor médio da prestação mensal paga pelas famílias aos bancos pelo crédito da casa fixou-se em julho nos 405 euros, um euro acima do mês anterior e mais 35 euros (9,5%) do que em julho de 2023. Deste valor, 244 euros (60%) correspondem a pagamento de juros e 161 euros (40%) a capital amortizado. Em julho de 2023, a componente de juros representava 55% do valor médio da prestação (370 euros) e 17% no mesmo mês de 2022.