Como é que surge a Casa Yes? E quem é que paga as contas, por assim dizer?
A Casa Yes nasce como um projecto do imobiliário, um portal imobiliário, que é detido pelo sector. A Casa Yes, o portal, as bases de dados, tudo, toda a informação e todo o trabalho que vai ser feito a partir dessa informação é detido pelos accionistas da Casa Yes. Fizemos um aumento de capital e temos agora 103 accionistas, todos eles dentro do sector. Portanto, quisemos criar aqui uma plataforma que agregasse os profissionais no trabalho de divulgação e no trabalho de agregação e valorização de dados. Optou-se por fazer uma sociedade anónima, também para ter aqui mais flexibilidade, mas também para ter aumentos de capital e ter participação de mais atores do setor. Um dos nossos desígnios é manter isto como sendo um portal dos profissionais e não ser um portal comercial, como existem outros.
E todos os acionistas têm participação igual?
Não. As participações variam entre um valor mínimo que é de 500 euros a um valor máximo, que também foi limitado, para evitar que houvesse aqui participações desequilibradas de um player ou de outro. Para que os grandes não pudessem tomar conta deste projeto. Porque o objetivo era exatamente este portal ser de todos. Porque se fosse só de um, uma Century, uma Remax ou uma ERA, eles têm os seus portais, tem os seus sites, as suas redes. Trabalham esse sector. E este portal é para ser de todos e para ser usufruído por todos.
E ao ser virado para os profissionais do sector, em que é que é diferente, por exemplo, do Idealista?
Há duas lacunas [no mercado] que nós identificamos como importantes para lançar este projeto. Primeiro: os nossos concorrentes nos portais estão focados – e bem, é natural no seu negócio – em captar contactos em volume mais maciço. E há um seguimento comercial muito forte em termos de captar muitos contactos, muitas clientes. Mas esquece-se muito a experiência do cliente. E se olharmos para o que tem sido a tecnologia dos portais líderes em Portugal, não só o Idealista, mas os outros, tem havido pouca inovação naquilo que é a experiência do cliente que procura a casa.
E isso significa o quê, na prática?
Nós achamos que o foco tem de ser mais na qualidade da promoção, na qualidade da experiência dos clientes e, portanto, vamos ser diferentes nesse aspeto. Temos novidades já lançadas, como a utilização de Inteligência Artificial nas pesquisas. Por exemplo: pesquisar 'casa perto do Metro', não o de uma estação de Metro ou numa zona em particular. Mas se eu moro na zona metropolitana do Porto, por exemplo, e venho ao escritório duas vezes por semana, estas novas realidades que temos hoje em dia, eu posso identificar uma casa, se calhar um pouco mais longe, mas que tem acesso a transportes diretos para a zona do meu escritório. Portanto, pesquisar 'casa perto do metro' é uma tendência cada vez maior em que as pessoas procuram alternativas para a sua deslocação que hoje em dia já não acontece todos os dias, muitas vezes.
E além desta nova ferramenta de pesquisa?
Há outras funcionalidades que vamos estar a trabalhar para lançar em Setembro, que também vão ser bastante inovadoras. Vamos mudar a forma como se procura: como se procura em grupo, como se procura uma casa com a mulher ou com o marido, que é o formato normal de procura de casa. Não é uma coisa que se faça sozinho e, portanto, estamos muito empenhados em continuar uma evolução de inovação da experiência de quem procura casa. Achamos que vai ser fundamental. E ao mesmo tempo, porque também estamos muito ligados ao sector, vamos olhar para o sector não apenas como um cliente – que é como ele é tratado nos portais e é natural – mas também preocuparmo-nos e trabalhar aquilo que é a experiência do sector a aceder a esta informação. Porque, como sabemos, a informação que é transmitida normalmente entre agentes imobiliários não está disponível para o público. E nós queremos também funcionar aqui como um acelerador de cooperação, um acelerador de negócios para todos. E olhar para os nossos clientes que pagam as contas quando pagam a sua subscrição, mas também com uns stakeholders em que a vida dele e as funcionalidades que são importantes para ele estarem incluídas. Estamos a falar de coisas como esta facilidade de acesso a informação mais directa, a facilidade de promover casas e de apresentar casas a clientes que até nem são os deles, não foram angariadas por eles, mas também dar-lhes acesso a dados. E partilhar e receber dados deles que sejam trabalhados para todos.
Qual é o grau de desconfiança que os vossos acionistas têm em ceder os seus dados?
É um processo que que está em curso. Eu acho que é muito importante este processo cultural, porque este setor é muito competitivo, e bem, portanto o que estamos aqui a trabalhar é uma plataforma de partilha em termos de informação que hoje em dia já existe partilhada noutros sítios. Portanto, é uma questão de eles também perceberem o valor da informação deles e a informação do sector. E usarem-na de uma forma mais eficaz.
Já existe partilhada noutro sítio? Qual?
Existem. Existem uma série de outras ferramentas hoje em dia que fazem captação de informação, ou seja, plataformas agregadoras que surgiram no mercado, que captam todas as casas que estão à venda e depois vendem a organização desses dados.
Mas não os valores de vendas que constam nas escrituras...
Mas os valores de venda neste momento também estão partilhados. Existem entidades como o Confidencial Imobiliário, como o Instituto Nacional de Estatística (INE), que já têm esta informação e que a trabalham de uma determinada forma. Aqui também existe a possibilidade de esta informação ser trabalhada dentro de outras ferramentas, com um universo maior de agências e agentes. É muito importante lembrar que o sector imobiliário – nós identificamos muitas vezes os players maiores – mas no sector imobiliário existem cerca de 9.200 licenças ativas, e destas podemos dizer que algumas são empresas mais ou menos paradas, ou fantasmas. Mas, destas, há mais de 4.000 que têm atividade – nós consideramos atividade como tendo mais do que uma transação por mês, portanto doze transações/ano. Portanto, há mais de 4.000 empresas neste sector a operar e é um sector muito atomizado, muito segregado. E esta plataforma – servindo todos de uma forma igual – acho que vai funcionar para melhorar o sector, melhorar o profissionalismo, a qualidade da informação, que é fundamental para os clientes.
Quando é que será possível – eventualmente expurgando todos os dados que constam no RGPD – perceber com algum grau de fiabilidade e facilidade o preço do metro quadrado de uma determinada zona?
Isso já é possível. Mas o preço por metro quadrado de uma determinada zona sofre sempre o efeito da média. E em Portugal, na mesma rua, nós temos prédios que são completamente diferentes e, portanto, estão em estados completamente diferentes. Pensando aqui nesta rua onde nós estamos. Temos aqui um prédio ao lado que acabou de ser reconstruído com materiais de alta qualidade. Temos este prédio que está em boas condições, tanto para escritórios como para apartamentos, e temos o prédio da esquina que está a cair. Portanto, esta rua terá um preço por metro quadrado, que será a média. Nós temos um concorrente nosso que há uns anos fez uma graça. Eu acho que é a graça: a rua mais cara de Lisboa. Eu lembro-me que há uns tempos a rua mais cara de Lisboa era a Rua do Salitre. No início dessa rua existe uma série de prédios, aqueles de construção grande, antigos palacetes e casas nobres, que foram reconstruídos mais ou menos na mesma altura. E o que é que acontece? Havia uma série de empreendimentos de luxo que entraram no mercado naquela altura. Estavam lá todos e como estamos na média, a rua era a mais cara.
Portanto o que está a dizer é que é possível ter um preço médio por metro quadrado, mas com um asterisco ao lado a dizer que a informação carece de informação adicional por parte de um mediador imobiliário, alguém que saiba para ajudar a interpretar este valor.
Exatamente. Só os dados não vão nunca dar a imagem toda.
Mas já é possível fazer isso?
Sim, é possível. Já é possível no mercado, a nossa solução própria está a ser desenvolvida agora para começar a ser usada em setembro. E setembro porquê? Porque para termos esses dados e para trabalharmos estes dados, precisamos de um efeito histórico. O problema dos cálculos desses valores tem sempre a ver com o histórico e com a média. Por exemplo, vendas de há cinco anos se calhar para mim, ao dia de hoje, para a média actual, tem pouco interesse. Tem interesse em série, claro. Para se perceber se o mercado está a subir ou a cair. Mas uma venda de há cinco anos, ou um imóvel que esteve no mercado há cinco anos não me interessa nada. E, portanto, nós precisamos de ganhar um buffer histórico. O projecto ganhou grande capacidade de tracção em Maio, com o acordo que firmámos, mas o projecto já tem alguns meses e, portanto, nós já temos esse histórico. A partir de setembro vamos começar a trabalhar dados e a comunicar dados para fora, para o mercado.
Vão comunicar para o mercado, mas será possível um utilizador normal aceder? Ou vai ser uma área reservada para os mediadores?
Não. Haverá, obviamente diferentes graus de utilização para diferentes utilizadores, mas os utilizadores finais também vão ter essa informação, com as tais ressalvas que eu referi. Não querendo que seja mal interpretado, mas o vendedor particular pode-se sentir – ou qualquer um de nós pode-se sentir mal aconselhado – pelos dados a que tem acesso. Certo é. E isto às vezes também tem efeito nas próprias valorizações percebidas das casas. Porque se eu vejo as casas dos meus vizinhos à venda por 500 mil euros, eu vou achar que a minha se calhar vale 510 mil. Mas eu não tenho em conta o estado do prédio, as tipologias, ou coisas tão simples como, por exemplo, na baixa antigamente era difícil porque os prédios não tinham elevador. E há uma valorização associada ao elevador. Em vários prédios seguidos, o que tiver elevador vai sempre valer mais do que o que não tem.
Foi este ano, em maio, que estabeleceram parceria com a Zome, a Century e a Remax. Que impacto teve para o Casa Yes?
A Zome, a Century, a Remax, a Chave Nova, a Comprar Casa... Temos a felicidade de ter muitos, muitos investidores. E é fundamental para a nossa estratégia. Porque é também o sector a assumir a aposta numa plataforma de promoção dos imóveis, alternativa à que existe hoje em dia na concorrência e de não ficar 100% dependente dos outros. Esse acordo, eu acho que foi histórico. Porque se conseguiu sentar à mesa muita gente que percebe os problemas do sector e quer defender o profissionalismo, a qualidade da informação, quer defender a qualidade dos dados que existem no mercado. E quer defender a promoção dos imóveis de uma forma altamente profissionalizada. Portanto, isto foi fundamental para dar uma força significativa ao nosso projecto e um arranque em grande força.
"Não temos uma crise de acesso à habitação, temos várias crises de acesso à habitação"
Não pode haver aqui uma desvirtuação do mercado com a ideia do valor médio? Os prédios antigos a sofrer um aumento do preço?
Existe sempre um efeito de contágio. Mas na realidade, essa casa do prédio antigo não vai ser vendida ao mesmo preço pelo metro quadrado. Pode é ser posta no mercado a um valor muito mais elevado do que aquele que deveria. Mas o que vai acontecer: não vai ser vendida. Porque não se vai encontrar a oferta e procura. E aí é que eu digo: os dados não vão resolver tudo.
Nem vão resolver o problema do acesso à habitação, certo?
Vamos lá a ver... Nós hoje em dia dizemos que todas as casas custam 500 mil euros. O valor médio de transacção em Portugal continua a ser 230 ou 240 mil e qualquer coisa. Não tenho os dados actuais, mas o valor médio em Portugal andará por aí.
Em todo o país.
Está bem, mas as zonas urbanas também concentram o maior número de transações, portanto também a média faz um shift.
É a história das duas pessoas e uma sardinha, não quer dizer que cada uma coma metade.
É isso exactamente. Mas por isso é que eu digo que nós não temos uma crise de acesso à habitação, temos várias crises de acesso à habitação. Porque cada zona tem uma especificidade diferente, uma necessidade diferente. Isto normalmente é entendido pelos profissionais do sector, porque quem está todos os dias a olhar para o mercado e sente tem muitas pessoas à procura de casas numa zona, e não existem casas. Isto não vem traduzido em dado nenhum. Os dados são muito importantes para identificar que, neste momento, a falta deste ou daquele tipo de stock, compra ou arrendamento. Mas se calhar numa outra zona faz falta é outro tipo de resposta, outro tipo de stock. E, portanto, tratar a crise da habitação de uma forma única não será a melhor maneira.
Qual é que seria a melhor forma que, colectivamente, as grandes e as pequenas mediadoras imobiliárias poderiam usar para atenuar este crescimento cada vez maior dos preços da habitação?
A mediação preferia casas mais baratas, para vender mais casas. A mediação não ganha nada em vender menos casas mais caras.
Se uma imobiliária vender duas casas por 250 mil ganha mais do que se vender uma por 500?
Não, o sector em si ganha mais. Porquê? Porque há mais gente a fazer transações. Neste momento, o que se sente é uma que houve uma redução muito significativa. No ano passado, houve uma queda de mais de 20% no número de transações. O problema da falta de oferta não está do lado da mediação resolver. A mediação muitas vezes é acusada de estar a ganhar muito dinheiro. Está a ganhar, é evidente, porque as casas estão mais caras. Mas, no geral, isto vai contra o interesse da mediação, porque o interesse da mediação é ter casas para transacionar e fazer acontecer o mercado. Agora, com a redução do número de transações, o sector como um todo está pior do que estaria com casas mais baratas. Portanto, o sector em si não pode atuar porque o desequilíbrio não é dele. Não foi ele a causar o problema. O desequilíbrio que existe é oferta e procura. Há muito menos casas do que devia haver no mercado.
As razões já foram muito debatidas.
Deixámos de construir. Deixámos de pôr oferta no mercado. Fizemos um trabalho muito importante de reconstrução, de reabilitação urbana, mas uma reabilitação urbana de um prédio versus uma nova urbanização tem um impacto na oferta muito diferente.
E há muitas dezenas de milhares de casas paradas que não estão nem para venda nem para arrendamento. Estão fechadas.
Exatamente. Mas essas, em vez de serem compulsivamente postas no mercado, têm que ser penalizadas em termos de impostos para desincentivar.
É a proposta do Bruno Coelho para ajudar a resolver o problema?
Para ajudar. Não é a única.
É aumentar o IMI a quem tem a casa fechada?
Não é só. Mas é também também uma série de outras que já estão em curso e que vão demorar a ter mais impacto. Eu não sei se é diretamente através do IMI, mas ser menos interessante ter uma casa parada é uma boa solução.