O Ministério Público publicou, esta terça-feira, um documento que faz um resumo do trabalho de investigação e de acusação ao designado “Universo Grupo Espírito Santo/Banco Espírito Santo”, levado a cabo desde agosto de 2014 e cujos factos investigados pelos magistrados conduziram ao colapso do Banco Espírito Santo e Grupo onde a instituição financeira se inseria.
Foram imputados mais de 630 crimes. Em causa estão indiciações por associação criminosa, corrupção ativa e passiva no setor privado, corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, burla qualificada, manipulação de mercado, infidelidade, falsificação de documento e branqueamento.
Foram apuradas vantagens decorrentes da prática dos crimes num montante global que supera os 18 mil milhões de euros e 211 milhões de dólares americanos (191,2 milhões de euros), segundo o Ministério Público.
A investigação ao "Universo Grupo Espírito Santo" resultou em vários processos, um deles, o chamado processo principal.
No conjunto dos processos instaurados para apurar o circunstancialismo ocorrido entre 2008 e 2014 e que conduziu à queda de várias instituições financeiras em Portugal, na Suíça, no Panamá e do grupo económico onde as mesmas se inseriam, "investigaram-se factos passíveis de configurar a prática de crimes de associação criminosa, burla qualificada em ambiente bancário e financeiro (em esquemas tipo ponzi), falsificação de documentos, infidelidade, abuso de confiança qualificado, corrupção no sector privado, corrupção com prejuízo do comércio internacional, manipulação de mercado, branqueamento", lê-se no documento.
Do trabalho desta equipa resultou, além do mais, a dedução de sete despachos de acusação.
O Ministério Público contabiliza cerca de 11,9 mil milhões de euros de vantagens criminais no processo principal do Universo BES.
A este quantia soma-se 5,05 mil milhões de euros do chamado caso BESA a que acresce 210,3 milhões de dólares [210.263.978,84 dólares]. Mas também as vantagens apuradas no processo relacionado com o aumento de capital do BES de 1,04 mil milhões de euros, bem como as apuradas no processo que incidiu sobre prática de crimes de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, branqueamento, corrupção passiva no setor privado e falsificação de documentos (envolvendo a PDVSA) e em que os crimes geraram uma vantagem económica de 12,2 milhões.
Há ainda a somar a vantagem económica no valor de 9.978.375,2 euros (cerca de 10 milhões de euros) e 1.230.954,27 dólares (cerca de 1,12 mil milhões euros) no processo que envolve altos funcionários de empresas públicas venezuelanas, nomeadamente da petrolífera PDVSA.
Por fim o Ministério Público aponta que o fisco foi prejudicado em cerca de 5,5 milhões de euros no processo fiscal contra Ricardo Salgado e Manuel Fernando Espírito Santo.
Processo Principal
O processo principal traça a rota dos ilícitos que levam à queda do Grupo Espírito Santo.
No documento enviado às redações, a instituição da Procuradoria Geral da República diz que os "factos relevantes ocorridos num período compreendido entre 2008-2014" levam a uma "vantagem auferida com a prática dos crimes 11.885.319.555,55 euros [11,88 mil milhões de euros]".
No processo principal do “Universo Grupo Espírito Santo/Banco Espírito Santo”, o total de imputações ascendeu a 330 crimes, dos quais 65 são imputados ao ex-presidente do BES, Ricardo Salgado.
Destaque ainda para a conclusão do Ministério Público de que “todos os acusados atuaram movidos de propósitos egoístas de enriquecimento patrimonial, assentes num pacto que vigorou, pelo menos, desde 2009, e até à data em que Ricardo Salgado abandonou funções no BES, a 13 de julho 2014, para o pagamento de dinheiro a troco da violação de deveres funcionais”.
Outros processos decorrentes do principal
O Ministério Público decidiu a tramitação em separado de alguns segmentos da investigação que deu origem a outros processos, relacionados com corrupção ativa, com crimes de natureza tributária, entre outros.
No processo que envolve o BES Angola (BESA), foram acusadas cinco pessoas físicas, incluindo quatro elementos do Conselho de Administração do BESA e do BES. "A factualidade está relacionada com a concessão de financiamento, pelo BES ao BESA, em linhas de crédito de Mercado Monetário Interbancário (MMI) e em descoberto bancário", diz o Ministério Público.
"Estão indiciados factos que apontam para o desvio de fundos com essa proveniência, entre 2007 e 2012, em benefício patrimonial de alguns dos arguidos, de estruturas societárias sob domínio dos mesmos e de terceiros e entidades terceiras", avança o Ministério Público que aponta que "foram apuradas vantagens decorrentes da prática destes ilícitos nos montantes globais de 265.178.856,09 euros [265,2 milhões de euros] e 210.263.978,84 dólares [210,2 milhões de dólares]".
Ainda ligado ao processo do BESA, surge a conduta de três dos arguidos administradores do BES, "consubstanciada na ocultação, aos demais administradores, de factos relacionadas com a carteira de crédito do BESA, com relevância material para o BES, designadamente em sede de risco de crédito, para efeitos de exposição à unidade angolana, no enquadramento dos financiamentos antes mencionados".
"As vantagens decorrentes da prática dos crimes indiciados contabilizam-se nos montantes globais de 5.048.178.856,09 euros [5 mil milhões de euros e 210.263.978,84 dólares [210,2 milhões de dólares]", lê-se no documento.
Já no processo relacionado com o aumento do capital do BES em 2014 – um inquérito que foi instaurado na sequência de queixas relacionadas com a Oferta Pública de Aquisição do BES2014, que se concretizou entre maio e junho de 2014 – foram acusadas 5 pessoas físicas e uma pessoa jurídica. Aqui o total de imputações soma 11 crimes, dos quais dois a Ricardo Salgado. Aqui, aos quatro membros do Conselho de Administração do BES e a uma colaboradora foram imputados crimes de manipulação de mercado e de burla qualificada.
Foram apuradas vantagens com a prática dos crimes imputados no montante global de 1.044.571.587,80 euros [1,04 mil milhões de euros].
Há ainda um processo de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional e corrupção passiva no setor privado onde foram acusadas sete pessoas físicas e uma pessoa jurídica.
Os crimes neste processo ascendem a 39, dos quais três são imputados ao ex-CEO do BES, imputando-lhe a prática de crimes de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, branqueamento, corrupção passiva no setor privado e falsificação de documentos.
Aqui a factualidade em causa envolveu ainda o ex-vice-presidente do Banco do Brasil (em 2011) e fornecedores da petrolífera venezuelana PDVSA e foram apuradas vantagens económicas, decorrentes da prática dos crimes indiciados no montante global "que se computa em 12.242.964,83 euros [12,2 milhões de euros]".
O documento fala também de um processo de "crime de associação criminosa envolvendo sujeitos naturais e legais, nacionais e estrangeiros". A acusação deduzida para julgamento em Tribunal Coletivo envolve sete pessoas físicas. Aqui são imputados 253 crimes, dos quais 41 a Ricardo Salgado.
Este processo envolve altos funcionários de empresas públicas venezuelanas, nomeadamente da petrolífera PDVSA. O Ministério Publico contabiliza vantagens no valor de 9.978.375,2 euros (cerca de 10 milhões de euros) e 1.230.954,27 dólares americanos (cerca de 1,12 mil milhões euros).
Há ainda um processo que foi autonomizado, referente à situação que envolvia apenas um gestor de um balcão do BES, em Chaves. "Foi acusada uma pessoa física, gestor de uma agência do BES, por se mostrar indiciada a prática de dois crimes falsificação de documentos", lê-se no documento. O Ministério Público que foi aqui coadjuvado pela CMVM concluiu na altura que "os prejuízos causados a dois clientes, ascendeu a "um montante global nunca inferior a 800.000,00 euros [800 mil euros]".
O sétimo é um processo sobre factos relacionados com a indiciada prática de crimes de natureza tributária. No âmbito de um processo relacionado com designado “Universo Espírito Santo”, o Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal deduziu acusação contra os arguidos Ricardo Salgado e Manuel Fernando Espírito Santo Silva pela prática de crimes de fraude fiscal qualificada.
Foram assim acusadas "duas pessoas físicas de três crimes fiscais", sendo que dois foram imputados a Ricardo Salgado e um a Manuel Fernando Espírito Santo, que foi presidente da Rioforte.
Aqui o prejuízo global para o fisco apurado é de "5.499.910,73 euros [5,5 milhões de euros]".
Foram assim imputados um total de 671 crimes a dezenas de arguidos em sete processos. Ricardo Salgado responde por 119, dois dos quais de associação criminosa.
O inquérito foi instaurado no início de agosto de 2014, com base nas condições que envolveram as insolvências da ES Control (ESC) no Luxemburgo, da Espírito Santo International (ESI) no Luxemburgo, da Rioforte Investments (RFI) no Luxemburgo, e teve por objeto de investigação o seu efeito de contágio no património de inúmeras pessoas, naturais e legais, expostas, direta e indiretamente, a instrumentos de dívida e financiamento, fundamentalmente das sociedades ESI e Rioforte.
Recorde-se que a ESI era a "holding" instrumental do Grupo Espírito Santo. Era através dela que o universo Espírito Santo controlava as empresas das várias áreas de negócios. Mas tinha dívida não contabilizada e a sua, descoberta pelo Banco de Portugal em 2014, afectou todas as empresas do Grupo Espírito Santo.
A investigação abrange, concomitantemente as condições que implicaram a medida de resolução do Banco de Portugal, imposta ao então BES, em agosto de 2014, e que temporalmente acompanhou a retirada de licença e liquidação de outras entidades com a marca Espírito Santo.
"Para este efeito apurou-se o quadro factual que permitiu a venda de divida emitida pelo BES, através de estruturas domiciliadas em regimes fiscais favoráveis, com geração de mais-valia que se indiciou capturada pelos interesses dos acionistas de domínio do Grupo Espírito Santo, e também em benefício de alguns funcionários do BES, para a ultrapassagem de um conjunto de restrições administrativas impostas ao governo do BES entre Dezembro de 2013 e Junho de 2014", lê-se no documento.
"Assim, tal inquérito correu seus termos, desde agosto de 2014, sob direção efetiva do Ministério Público, coadjuvado por uma equipa composta por magistrados do Ministério Público, elementos do Banco de Portugal (BdP), Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM), Autoridade Tributária (AT), Núcleo de Assessoria Técnica da PGR (NAT), Polícia Judiciária (PJ), Polícia de Segurança Pública (PSP) e Guarda Nacional Republicana (GNR)", segundo a instituição da PGR.
O Ministério Público assumiu em todos os processos do universo GES/BES a direção efetiva do Inquérito, mantendo-se os processos fisicamente nas instalações do DCIAP.
A associação de lesados ABESD lamentou, esta terça-feira, que o Ministério Público não faça referência aos lesados, no documento divulgado sobre o processo GES/BES, e apela a soluções que lhes garantam justiça material, compensando-os pelas perdas financeiras.