Pernas de banqueiros alemães a tremer (ou a forma como Portugal vai lidar com a dívida pública), a defesa da TAP na esfera do Estado e a ideia de que o excedente orçamental não é assim tão importante, são conceitos que se ligam com facilidade ao novo líder do Partido Socialista eleito este fim-de-semana.
O sucessor de António Costa como líder máximo do PS, ao qual a direita tem tentado colar a ideia de ser um radical, foi um dos embaixadores da "geringonça" e rejeitou entendimentos de fundo com o PSD mas nem por isso se espera que a esquerda política lhe estenda o tapete até São Bento.
Ouvido pelo JE, o economista Filipe Garcia traça a rota de qual poderá ser o posicionamento económico de Pedro Nuno Santos e como este se vai distinguir tanto do PSD como do que defendem os partidos à sua esquerda. "Hoje, Pedro Nuno Santos nem sequer acredita naquela história dos banqueiros a tremer", defende.
“Estou marimbando-me para os bancos alemães que nos emprestaram dinheiro nas condições em que nos emprestaram. Estou marimbando-me que nos chamem irresponsáveis. Nós temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e dos franceses. Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida e se o fizermos as pernas dos banqueiros alemães até tremem”
Pedro Nuno Santos, então vice-presidente do grupo parlamentar do PS, num discurso em Castelo de Paiva em dezembro de 2011
Em todas (ou quase todas as entrevistas que deu na pré-campanha), o agora líder do PS foi confrontado com a frase que o catapultou para o caminho que trilhou até suceder a António Costa na "cadeira do poder" no Largo do Rato. Com Portugal no epicentro na crise das dívidas soberanas, e sob mais um resgate do FMI. Pouco mais tarde, aos microfones da TSF, o então vice-presidente do grupo parlamentar socialista corrigiu as declarações e que não teve intenção de sugerir que o país suspendesse o pagamento da dívida: "O que eu disse é que há limites para os sacrifícios e que o Governo deve pôr o seu povo à frente. Vivemos uma crise existencial na Europa. Não tempos de falinhas mansas".
Quando questionado sobre a frase que nunca vai deixar de perseguir o novo líder socialista, o economista Filipe Garcia considera que "o seu discurso atual não será o mesmo discurso de Pedro Nuno Santos se for eventualmente primeiro ministro porque a realidade é uma coisa um bocado dura e que autoimpõe-se".
"Portanto, acho que hoje Pedro Nuno Santos nem sequer acredita naquela história dos banqueiros a tremer, ele próprio não acredita naquilo que disse", defendeu o economista, acrescentando que não seria "benéfico" ou "positivo uma atitude de confronto". Sublinha Filipe Garcia que um eventual enfrentar da União Europeia em termos orçamentais seria pouco inteligente de se fazer e Pedro Nuno Santos não vai seguir esse caminho ".
“Defendi sempre uma trajetória de redução da divida pública. Podemos ter uma trajetória menos intensa sem pôr em causa a diminuição da dívida pública. Não precisamos de ter excedente orçamental”
Pedro Nuno Santos em entrevista à Antena 1 em dezembro de 2023
Com a decisão da Moody's em subir o rating da dívida soberana portuguesa a meter-se no caminho da corrida eleitoral à liderança do PS, José Luís Carneiro, o ministro e candidato que ficou pelo caminho, aproveitou para dar os parabéns a Fernando Medina pelo feito (elogio que o ministro das Finanças viria a retribuir mais tarde ao declarar apoio ao seu colega de Governo). “Desde criança sempre aprendi que pagar aquilo que devemos é mesmo essencial. Deve ser um compromisso do país ter contas certas", lançou o ministro em jeito de provocação a Pedro Nuno Santos. Com as críticas de Cavaco Silva à noção de contas certas do Governo de António Costa, o PS centrou-se em defesa deste princípio e em reação às críticas do ex-Presidente da República e antigo primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos considerou que não seria necessário ter um excedente orçamental.
Se for eleito, a expressão "contas certas" poderá a vir a ser substituída por outra, mas a lógica vai manter-se, sublinha o economista Filipe Garcia ao JE. "É evidente que as coisas dependem muito de como for o resultado das eleições, isto é, se tivermos uma maioria de esquerda na qual os partidos mais à esquerda tenham um peso grande (BE, PCP e Livre), o grau de liberdade do PS será menor. Se por outro lado, a maioria de esquerda for conseguida com muitos votos no PS, a margem de manobra do PS aumenta" considerou.
Sobre as contas certas, uma expressão várias vezes usada por António Costa e Fernando Medina e diabolizada recentemente pela direita, o especialista disse ser "um bocadinho surpreendente que a expressão contas certas tenha ganho carga negativa. La Palice diria então se as contas certas não estão corretas, o que está correto são as contas erradas". Destaca o economista que "no caso de Pedro Nuno Santos ele vai chamar-lhe outra coisa, mas o trajeto de consolidação orçamental penso que será o caminho a seguir qualquer que seja o Governo", frisou.
"Sem a TAP e o hub não conseguiríamos aproveitar esta centralidade. Há esta dimensão que não é facilmente mensurável. Para as importações, para as exportações líquidas e para largas centenas de empresas portuguesas"
Pedro Nuno Santos ouvido na na comissão parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Inovação em junho de 2020 enquanto ministro das Infraestruturas
Como antigo ministro das Infraestruturas e responsável pela pasta da TAP, Pedro Nuno Santos, foi várias vezes confrontado com o destino da companhia aérea portuguesa, que o Governo de que fez parte decidiu reprivatizar. A sete dias da demissão de António Costa de primeiro-ministro, o agora líder do PS criticava abertamente António Costa e Fernando Medina a propósito desse dossier sobre o facto de terem referido que o preço seria o último critério para a venda da companhia. "Se é para vender a maioria do capital, mais vale concentrarmo-nos pela maximização do preço da empresa", concluiu o deputado socialista.
A propósito da importância da TAP no que diz respeito aos fornecedores que alimenta em Portugal (1300 milhões de euros era o valor estimado há três anos, o economista Filipe Garcia destaca ao JE que "a questão de ter uma companhia aérea na posse do Estado pode ter alguma justificação do ponto de vista de algumas decisões estratégicas do ponto de vista da produção económica e de independência de decisão". No entanto, explica este economista, este tema"não está de todo relacionado com questões de fornecedores porque se assim for o que veríamos em geral nas empresas públicas ou na administração pública seria uma preferência por fornecedores nacionais e isso não acontece".