Se não há quem arrisque prognósticos sobre quem estará em condições de formar governo no dia 11 de março, uma coisa é certa na cabeça de cada vez mais personalidades destacadas da sociedade civil: o centro tem de se entender. Não para governar, mas para endereçar os grandes desafios sobre a mesa, trazer a debate e tomar decisões menos guiadas por ideologia política e mais resultantes de informação fundamentada e da capacidade de envolver quem está no terreno nesses diversos temas.
“Decisões quanto às grandes infraestruturas, como o novo aeroporto de Lisboa ou a ligação ferroviária em alta velocidade a Madrid, devem ser consolidadas o mais rapidamente possível”, defendeu ao NOVO/JE o fiscalista e antigo governante Carlos Lobo. Para o founding partner da Lobo, Carmona & Associados, mais do que o diálogo alargado é essencial para potenciar o investimento que “o Estado seja parceiro do privado, contribuindo para a competitividade do país”. No caso do TGV, o primeiro passo foi dado nesta semana, com a luz verde do PSD – aliás, de todo o Parlamento, e com a abstenção do Chega – para que se avance com o lançamento do primeiro troço do projeto, a ligar Lisboa e Porto. Mas há muito mato a desbravar para que se chegue a um verdadeiro consenso sobre o tema, como provam as acusações trocadas no debate parlamentar.
Com o SNS a rebentar pelas costuras, também o ex-bastonário da Saúde, Miguel Guimarães pede um consenso de regime entre os principais partidos para a reforma da saúde. Na assinatura do acordo que formalizou a nova AD, lembrou que o PS “diz que criou o SNS mas está a destruí-lo”, elencando problemas e concluindo ser “fundamental um acordo de regime entre os vários partidos” que permita avançar com a reforma de um sector que tem o maior financiamento de sempre mas falha em toda a linha, porque funciona hoje como há 40 anos. “Se o SNS fosse uma empresa, já tinha falido”, conclui Miguel Guimarães, apontando a exigência de diálogo alargado e consenso nas decisões para provocar a mudança urgente que se exige.
“O Ministério da Justiça é hoje uma inexistência”, queixa-se também ao JE/NOVO, o ex-bastonário dos Advogados, Guilherme Figueiredo, que lamenta o caos e a degradação que têm afetado o panorama judicial, procurando-se “fugas em lugar das urgentes soluções”. E exemplifica com os Julgados de Paz, que em vez de valerem por si foram sendo empurrados a substituir tribunais judiciais, o que não só não resolveu as falhas na especialização como contagiou os Julgados com os problemas dos tribunais, levando já um ano de atrasos nos casos.
Da organização dos tribunais à progressão das carreiras, passando pela competência do Tribunal Constitucional – que devia “pelo menos abrir-se em competências para poder apreciar questões de Direitos Fundamentais” –, o ex-bastonário é crítico das fragilidades crescentes do sistema judicial. E lembra que é preciso mudanças urgentes para se recuperar a Justiça.
“A justiça é um dos pilares da Democracia e estas alterações, sejam em questões estruturais sejam temas de intervenção cirúrgica, são prioritárias. Mas não será possível mudar nada sem um entendimento alargado dos maiores partidos”, sublinha, aventando ainda que seria imprescindível abrir a discussão à sociedade civil e às instituições da área, apostando até “reuniões regulares” com os atores do sector.
A ideia de criar entendimentos para assegurar as eternamente adiadas reformas ditas urgentes tem ganho força nos últimos tempos, não apenas por via da degradação dos serviços públicos mas também após a falência das expectativas de estabilidade de um governo de maioria absoluta. Defensor de consensos, o socialista e presidente da SEDES Álvaro Beleza tem publicado as virtudes de encontros de ideias ao centro. Ao NOVO, chegou mesmo lembrar a importância de um “confronto de ideias feito com fairplay e elevação”, escutando e respeitando os que pensam diferente, e elencando nos seus desejos para este ano que fosse aquele em que se dará início à “reforma do sistema eleitoral e da justiça”.
Também do lado das empresas, o presidente da CIP tem repetido a esperança de que o novo governo substitua “a visão político-partidária por uma visão que privilegie a prosperidade do país, dos portugueses e das empresas”, privilegiando o diálogo alargado para garantir um “compromisso com o bem coletivo”. Um desafio que já se põe a quem liderar o próximo – e provavelmente minoritário – governo do país.