É uma das relações políticas mais complicadas da Europa atualmente e ganha agora mais achas para a fogueira. A tensão entre Emmanuel Macron e Giorgia Meloni tem tido vários episódios. Um dos mais recentes foi a troca de galhardetes entre Paris e Roma devido à política fiscal italiana para atrair fortunas estrangeiras num momento em que em França discute aumentar a carga fiscal.
A Assembleia Nacional chumbou a moção de confiança apresentada por François Bayrou e o presidente francês já anunciou que vai apresentar um novo primeiro-ministro nos próximo dias.
Agora, é o facto inédito de os juros da dívida francesa terem superado durante a sessão na terça-feira os juros italianos, a primeira vez que tal aconteceu. É certo que depois corrigiram, mas isto significa que os investidores acreditam que há um risco maior em comprar dívida francesa face à italiana, algo impensável há pouco tempo atrás.
França está também a caminho do quinto primeiro-ministro em dois anos, algo que pode ser comparada à típica instabilidade governativa italiana, até há poucos anos.
Esta quarta-feira, a rua francesa vai protestar, com os franceses a prepararem-se tomar as ruas em protesto. O movimento “Bloquons Tout” (bloqueiem tudo), que nasceu nas redes sociais, prepara-se para protestos hoje em todo o país, com o movimento a ser já comparado aos Coletes Amarelos.
Historicamente, as obrigações transalpinas têm recompensado melhor os investidores devido a maiores riscos económicos-financeiros associados a Itália. No pico da crise das dívidas soberanas em 2012, os juros italianos estavam 4 pontos acima dos gauleses. Em 2022, o spread atinge dois pontos de diferença. Mas a estabilidade do Governo de Giorgia Meloni levou os mercados a apostarem mais em Itália, a par do esforço do país para consolidar a sua dívida.
O grande desafio de Emmanuel Macron agora é convencer as agências de rating que o novo primeiro-ministro vai conseguir dar a volta à instabilidade política e conseguir colocar o país no bom rumo financeiro e económico, com um novo orçamento do Estado para o próximo ano.
A primeira agência a pronunciar-se é a Fitch que divulga a sua nota na próxima sexta-feira, 12 de setembro. Atualmente, atribui AA- a França com uma perspetiva negativa. Em outubro e novembro seguem-se a Moody's (Aa3) e a S&P Global (AA-), respetivamente. Já Itália está uns degraus abaixo: com BBB+ da S&P, Baa3 da Moody's e BBB da Fitch.
"Os 'spreads' franceses são consistentes com uma descida do rating", disse à "Bloomberg" Guillermo Felices da PGIM Fixed Income.
A mudança que teve lugar na terça-feira deveu-se a questões técnicas: a obrigação gaulesa que serve de benchmark passou a ter uma maturidade mais longa face à transalpina, mais uns meses, mas os analistas apontam que marca a continuação de uma tendência que arrancou há vários anos e acontece num momento de grande pressão para Emmanuel Macron.
“A expetativa é que o próximo PM seja para ficar. Para os investidores, a grande preocupação é que o eleitorado não vai formar uma maioria clara e não parece preocupado com a deterioração orçamental”, segundo Elliot Hentov da State Street Investment Management, citado pela “Bloomberg”.
Para Sam Hill do LLoyds, “as expetativas para um desfecho rápido dos problemas políticos e orçamentais em França deverão permanecer constrangidos”, afirmou, apontando que as obrigações gaulesas vão continuar sob pressão.
Cinco primeiro-ministros no espaço de dois anos. A vida política em França assemelha-se cada vez mais à tradicional instabilidade italiana durante décadas.
Sébastien Lecornu é o novo primeiro-ministro de França. O atual ministro da Defesa foi o escolhido por Emmanuel Macron para suceder a François Bayrou. Tem integrado todos os executivos desde 2017.
A escolha do Palácio do Eliseu recaiu sobre um aliado de longa data do presidente francês para tentar aprovar o Orçamento do Estado do próximo ano numa Assembleia Nacional dividida.
Lecornu será o quinto primeiro-ministro no espaço de dois anos. Os dois anteriores - Michel Barnier e François Bayrou - foram demitidos após tentarem aprovar orçamentos para reduir o défice francês, o mais elevado da zona euro.
Na Assembleia Nacional, o novo executivo vai deparar-se com a oposição feroz da União Nacional de extrema-direita, e a França Insubmissa de extrema-esquerda, que têm rejeitado as políticas de Macron e já exigiram novas eleições legislativas.
O executivo Lecornu vai precisar do apoio tanto da esquerda como da direita para aprovar o Orçamento do próximo ano, ou tentar que se abstenham para que o executivo mantenha-se em funções, sem novas eleições.
"A ação do primeiro-ministro será guiada pela defesa da nossa independência e do nosso poder, pelo serviço aos franceses e pela estabilidade política e institucional para a unidade do país", disse o Palácio do Eliseu em comunicado.