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Europa irá "sofrer" com regresso de Trump à presidência dos EUA

Em entrevista ao JE, o economista-chefe da Allianz deixa alertas dos impactos para a Europa se Donald Trump for eleito. Sobre o BCE e a Fed acredita que os cortes ainda vão demorar mais tempo do que o descontado pelo mercado. Sobre a crise política em Portugal, disse que os mercados não reagiram, o que é um bom sinal.

Os Estados Unidos vão a votos em novembro do próximo ano. E o regresso de Donald Trump à presidência da maior economia mundial é uma má notícia para a economia da zona euro, segundo o economista-chefe dos alemães da Allianz.
 
Em entrevista ao Jornal Económico durante uma passagem recente por Lisboa, Stefan Hochrichter avisa que a tensão no Médio Oriente pode vir a beneficiar a corrida de Trump à Casa Branca. Eleito, pode vir a cortar laços ao financiamento à Ucrânia na sua luta contra a Rússia, prevê o responsável da gestora de ativos que gere mais de 500 mil milhões de euros.
 
Stefan Hochrichter também alerta que a crise política em Portugal não teve impactos nos mercados. E deixa alertas sobre a política monetária, a China, obrigações e ações.
 
Sobre a situação no Médio Oriente. É uma ameaça?
Não, mas não sabemos como pode vir a desenvolver-se. Mas há consequências diretas e indiretas. Os preços da energia subiram temporariamente, mas pouco. Mas certamente que pode ter impacto no resultado das eleições norte-americanas. E seria uma ironia se o lado de Trump beneficiasse dos desenvolvimentos no Médio Oriente. Sabemos o que fez no passado e o mais provável é que prossiga uma política de imigração anti-muçulmanos, de acordo com a imprensa.
 
Se tiver um impacto nos EUA, e nas eleições norte-americanas, seria então outro factor muito negativo, porque sabemos que os planos de Trump seriam novamente muito contra o comércio internacional. E penso que é difícil dizer que os EUA beneficiaram disto: penso que não. Mas os mercados podem ter uma opinião diferente no curto prazo. Mas penso que algo é claro: a Europa iria sofrer com a política de comércio, mas também com o impacto disto nas relações EUA-Rússia. Assumo que se for uma administração de Trump iria cortar laços, cortar o financiamento da Ucrânia, que colocaria em marcha uma série de dinâmicas que não gostaríamos de ver na Europa.
 
Se for uma administração de Trump irá cortar o financiamento da Ucrânia
 
Sobre Portugal, qual o impacto nos mercados da crise política?
Os mercados até agora não reagiram, e isso é o mais importante para um investidor. Podemos argumentar que estão errados, mas já tivemos questões políticas noutros países no passados, e não houve impacto [nos mercados], e não teve impacto nos investimentos nos países. Temos o caso da Bélgica que estiveram vários anos sem Governo: o país continuou a existir, assim como os mercados. De uma perspetiva de investimento, eu não exageraria sobre o que está a acontecer aqui. Pelos sondagens, o mais provável é um governo centrista. Se for necessário encontrar coligações, parceiros, é mais difícil, sei isso pela experiência que tivemos na Alemanha. Mas não fico surpreendido pelos mercados estarem a reagir assim.
 
Crise política em Portugal? Os mercados não reagiram e isso é o mais importante para um investidor
 
Porquê?
O país não está à beira do caos. Irá ter um novo Governo que vai ser capaz de fazer um novo orçamento. Seria preocupante se houvesse um Governo que prosseguisse políticas anti-União Europeia. Os partidos centristas não estão a colapsar. Portanto, penso que o mundo vai continuar a girar.
 
Previa-se que a China tivesse um acelerar económico após a pandemia, mas este ficou abaixo do previsto. Como olham para a situação económica do país?
Estou muito cauteloso em relação à China. olhando no longo prazo. Vemos vários promotores imobiliários com problemas ou a colapsar.  Os rácios de alavancagem são mais elevados do que no Japão há 30 anos. O mercado imobiliário, e atividades relacionadas, pesam quase 30% da economia chinesa.  Estamos a ver atualmente uma deflação que é a consequência da bolha imobiliária que rebentou. Temos estado muito cautelosos em relação à China há muito tempo por causa disto. Olhando para as avaliações em termos de mercado de ações, estas são razoáveis. A performance tem estado abaixo nos últimos 10 anos, e agora vemos alguns sinais de estabilização de crescimento na China, enquanto o resto da Europa ocidental e os EUA estão a cair numa recessão, esta dinâmica relativa pode ajudar a suportar o mercado chinês de ações, pelo menos em termos relativos.
 
Estou muito cauteloso em relação à China
 
Veio a Portugal reunir-se com clientes para mostrar o outlook da Allianz para 2024. Quais foram as mensagens centrais?
Em relação às taxas de juro dos bancos centrais, pensamos que vamos estar num ambiente de taxas mais altas durante mais tempo. Isso significa que até podemos ter mais um aumento de taxas pela Fed ou pelo BCE. Mas em qualquer caso, o que nos afasta do consenso, é que pensamos que os bancos centrais não vão ser capazes de cortar as taxas tão rapidamente como os mercados descontam atualmente.
 
Vamos estar num ambiente de taxas de juro mais altas durante mais tempo
 
Porquê?
Pensamos que a inflação não é só uma história da Covid ou dos preços de energia, mas há outros fatores a pesar. Pensamos que a inflação tem também impactos de longo prazo como o excesso de liquidez após os grandes pacotes de estímulos, alívio monetário, a que assistimos em 2020/2021. A liquidez disparou com mais emprétimos, maior alavancagem, e vai demorar algum tempo a absorver esta liquidez. E temos alguns choques estruturais do lado da oferta, como acontece com a desglobalização, basta pensar nas guerras comerciais. Estamos a assistir ao friend shoring (comprar produtos apenas a países aliados). E estamos a assistir ao regresso da produção ou a ir para países que são mais confiáveis politicamente, mesmo que à custa de preços mais altos. E se Donald Trump voltar a ser presidente dos EUA, então a desglobalização teria uma segunda vida e a Europa iria sofrer.
 
A questão demográfica é um fator de pressão?
O mundo está a envelhecer. Quando a força laboral ficar mais escassa, os preços e os ordenados vão subir. O terceiro é a descarbonização que também está a pesar na inflação. Estas são forças inflacionárias estruturais.
 
As taxas de juro vão continuar altas durante muito tempo?
Pensamos que os banqueiros centrais nos dois lados do Atlântico vão querer manter as taxas de juro elevadas, provavelmente mais elevadas durante mais tempo, e é isso que o mercado está a descontar. As condições financeiras, que é o importante para o sector privado, se se quer comprar uma casa, paga-se a taxa do crédito à habitação. No caso das empresas, paga-se o empréstimo comercial, a taxa no empréstimo. Os preços das ações têm estado bem, e as condições financeiras não estão apertadas o suficiente para fazer cair a inflação. É a nossa convicção, mas também dos bancos centrais. As condições financeiras têm de estar apertadas durantes mais tempo. Acreditamos que é preciso manter este aperto durante mais tempo face ao que é atualmente descontado pelos mercados.
 
Com tanto aperto porque é que as condições financeiras não reagiram mais?
Há duas explicações. A primeira é que durante os últimos ciclo de subidas, os mercados reagiram mais tarde ao aperto do banco central. Isto acontece porque o nível de liquidez ainda é elevado e a economia continua a ser apoiada. Mas isto vai desvanecer à medida que se aperta mais a quantidade de liquidez. O Bundesbank disse-nos que pensam que o apertar até agora está muito atrasado e esperam para ver o impacto no crescimento a ter lugar nos  próximos meses, e mais tarde na inflação subjacente na zona euro. O consenso do mercado aponta para uma aterragem suave. Pensamos que uma recessão é o cenário mais provável. Em segundo, vamos ver se a aterragem é mesmo suave e curta ou longa e profunda. E a razão pela qual estamos cautelosos, é não só porque sabemos que os economistas são maus em prever recessões, mas porque uma série de indicadores principais estão a dizer-nos que uma recessão provavelmente vai acontecer. Vou escolher um: a curva das yields é muito importante para os investidores. A curva das yields inverte em média cinco trimestres antes de uma recessão, e isso significa que a recessão deve começar agora nos EUA, mas com um crescimento recente de 5% do PIB, é improvável que aconteça agora. Mas também sabemos que entre o tempo de transmissão da política monetária à atividade económica tem sido longa e variável. Temos observado no passado que desde a inversão da curva ao início da recesssão demora dois anos. Se fosse esse o caso agora, a recessão teria início no segundo trimestre ou no verão do próximo ano. É possível.
 
Como é que olham atualmente para as obrigações?
O consenso diz para manter posições longas nas obrigações, para comprar obrigações, até certo ponto é o nosso ponto de vista. Vemos que as obrigações dos EUA, Alemanha e da zona euro estão em máximos de 15 anos. Isso é bom, mas não vamos apostar tudo na compra de obrigações. Por várias razões: não sabemos exatamente onde está o pico nas yields, agora que a Fed terminou os aumentos, mas as taxas não deverão ser cortadas tão rapidamente como descontado pelo mercado e isto pode criar risco para as yields. Segundo, o Banco do Japão começou agora a normalizar a política monetária, e se virmos mais ação lá isso pode criar também mais volatilidade nos mercados de obrigações. E, em terceiro, as valorizações não estão bem, as yields estão relativamente altas comparadas com a última década e meia.
 
Em termos de ações, o que destacariam?
Gostamos muito de ações japonesas. O argumento principal aqui é que as taxas do Banco do Japão ainda estão negativas. A inflação subiu, e houve um crescimento nominal e isso é bom para o preço das ações. Temos assim taxas baixas, política monetária de expansão e um sólido crescimento do PIB.
 
Qual o vosso sector favorito?
Tecnológico, queremos agarrar-nos a esta história no longo prazo.
Gostamos muito de ações japonesas e queremos agarrar-nos à história do sector tecnológico no longo prazo