A cimeira COP28 aprovou um acordo considerado histórico para a transição global dos combustíveis fósseis e o seu anúncio mereceu a aprovação de quase 200 países e uma demorada ovação final. Mas nada disso foi suficiente para que desaparecesse totalmente alguma suspeição sobre o acordo: é que o texto foi alvo de intensas negociações – que demoraram umas 48 horas e obrigaram a cimeira a fechar um dia mais tarde que o previsto.
A sensação que fica é que toda a matéria que foi alvo de intensa polémica foi acrescentada para contento de todos e não como objetivo interiorizado por um número não despiciendo de países. Isso mesmo foi evidenciado por Nuno Brito Jorge, fundador e CEO da Goparity, uma plataforma de investimentos ‘verdes’, em declarações ao JE.
“O acordo fica aquém do que é preciso e vai além do que chegou a ser esperado”, disse, para admitir que a não é fácil subtrairmo-nos à sensação de que há ali um ‘gap’ de sinceridade dos seus autores. "Essa suspeita é fundamentada".
De qualquer modo, afirmou, “há aspetos positivos, de que destacaria a assertividade em relação aos objetivos para o fim da utilização dos combustíveis fósseis”. Mas mesmo o lado positivo tem o seu ‘dark side’: “porquê uma transição [uma redução de 43% das emissões até 2030] e não um ‘fade out’?”
A não especificação de obrigações a cada país ou a cada bloco também deve ser inscrito no lado negativo do acordo”, uma vez que “deixa ao critério de cada um margem para uma gestão” que pode não ser coincidente com a urgência das decisões em questão, explica o CEO da Goparity – empresa licenciada pela CMVM.
Do mesmo lado está também, segundo Nuno Brito Jorge, “o facto de o gás natural” ser encarado como uma espécie de mal-menor e por isso manter vínculo como energia aceitável. As tecnologias de captura de carbono – igualmente aceitáveis, segundo as regras do acordo – também não são do melhor que há pata o ambiente, disse ainda.
Quanto a Portugal, afirmou – e num quadro em que “tanto o nosso país como a União Europeia estão do lado dos ‘bons alunos’ – vale a pena insistir no desígnio atual: a prevalência das energias limpas sobre as energias fósseis. No contexto geral, concluiu, há uma forte incerteza: “está cientificamente provado que a partir de 1,5 graus de aumento da temperatura média tudo muda, e já valos nos 1,3 graus”.
Ao final do dia a mais da cimeira, a contestada presidência da COP28 propôs um novo texto, que insta os países a esforçarem-se para conseguirem uma profunda e rápida redução das emissões de gases com efeitos de estufa, com medidas como "ir até ao abandono dos combustíveis fósseis”.
A versão agora aprovada tem pela primeira vez um apelo explícito às nações para que façam a transição dos combustíveis fósseis, mas não inclui um compromisso explícito para a sua eliminação progressiva, como era pedido por vários países. Em vez disso, o texto pede às nações para que contribuam de forma "justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica". É o universo demasiado lato das alterações que Nuno Brito Jorge considerou dar margem para todas as leituras.
O novo documento refere ainda que os países reconhecem que é necessária a "rápida e sustentável redução das emissões de gases que causam efeito de estufa, em linha com a meta dos 1,5 graus" (prevista no Acordo de Paris) - e pede que se triplique a capacidade global de produção de energias renováveis até 2030.
O presidente da cimeira, Al Jaber, saudou o que descreveu como uma decisão "histórica para acelerar a ação climática". "Temos uma formulação sobre as energias fósseis no acordo final, pela primeira vez. Devemos estar orgulhosos deste sucesso histórico e os Emirados Árabes Unidos, o meu país, estão orgulhosos do seu papel para aqui chegarmos. Deixamos o Dubai de cabeça erguida", afirmou o mesmo homem que há uns tempos disse que o fim da exploração de combustíveis fósseis não radicava nenhuma evidência científica e que a partir de hoje estará novamente concentrado em criar valor para os acionistas da Abu Dhabi National Oil Company, a companhia petrolífera dos Emirados.