O enviado especial dos Estados Unidos, Steve Witkoff – que no início desta semana deixou inesperadamente a Turquia em direção à Rússia, onde devia estar presente num encontro entre o presidente ucraniano e o seu homólogo turco – e o enviado russo, Kirill Dmitriev, terão discutido um plano de paz de 28 pontos. O plano, que se mantém secreto e aparentemente longe da participação da Ucrânia, terá sido comentado por Dmitriev de forma otimista, observando que a posição russa está a ser ouvida. A imprensa ucraniana deu grande atenção à eventualidade de as negociações estarem mesmo a acontecer e recordar que as ‘linhas vermelhas’ que agora poderão estar a ser equacionadas pelas duas partes como relevantes passam por que a Ucrânia abandone as suas aspirações de entrara para a NATO, desmilitarize e ceda os territórios do leste à Rússia. O acordo, referem as mesmas fontes, passaria também por garantias de segurança para a Europa e pela equidistância dos Estados Unidos entre a Rússia e a Ucrânia. A fonte primária da notícia é o site norte-americano Axios – fundado por antigos membros do jornal Politico.
Oficialmente, Dmitriev e Witkoff encontraram-se pela última vez em Miami, EUA, entre 24 e 26 de outubro. As duas partes esperam produzir um documento escrito antes do próximo encontro entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin – que não tem data fechada.
Problemas internos
Entretanto, e ao mesmo tempo que Zelensky passou parte da semana em viagem pela Europa – Atenas, Paris, Madrid e Istambul – a política interna ucraniana vai-se desmoronando, em consequência de mais um escândalo de grandes proporções investigado pelo gabinete anti-corrupção e que levou à demissão de dois ministros. Segundo o jornal ‘Kyiv ‘Independent’’, parlamentares do partido de Zelensky, pelo menos uma dezena, estão a aliar-se à oposição, esperam respostas sobre mais este caso. E exigem a criação de um governo de unidade nacional que inclua membros da oposição. Mais ainda, pedem que o poder do parlamento – que sofreu diversos cortes ao longo destes mais de três anos de guerra para facilitar a tomada de decisões – seja restaurado.
Pelo menos uma dezena de parlamentares pró-governo assinaram uma carta aberta que apresentava todas estas reivindicações. David Arakhamia, chefe da bancada do partido Servo do Povo, que apoia Zelensky, afirmou, citado pelo ‘Kyiv Independent’, que a declaração não representa a posição de todo o partido e nem mesmo de toda a bancada parlamentar.
“Para restaurar a confiança dos cidadãos ucranianos e dos nossos parceiros internacionais no Estado, apelamos para negociações imediatas entre todas as fações e grupos pró-Ucrânia no parlamento, a fim de se criar uma coligação”, diz um comunicado assinado por parlamentares do Servo do Povo e publicado pelo deputado pró-governo Mykyta Poturayev. O comunicado diz que um novo governo deve ser “composto por especialistas com reputação impecável e experiência comprovada em gestão nas áreas relevantes” e defende o regresso do “equilíbrio constitucional de poder” e o funcionamento “segundo os princípios de uma república parlamentar-presidencial” — uma aparente referência à restauração do papel do parlamento como contrapeso ao poder executivo. “É essencial que o Gabinete da Presidência funcione de forma transparente, seja institucionalmente regulamentado e esteja livre da influência informal de indivíduos associados a práticas corruptas”.
Os parlamentares afirmaram que a declaração é uma resposta à “crescente ameaça à própria existência do Estado ucraniano como resultado das revelações de esquemas de corrupção em larga escala nas mais altas instâncias do governo — e à consequente crise de confiança nas principais instituições estatais”. “Não pode haver intocáveis. Todos os indivíduos implicados na investigação do grupo criminoso liderado por Timur Mindich devem ser imediatamente demitidos, sem exceção.” Segundo as mesmas fontes, pelo menos 30 parlamentares do Servo do Povo apoiam a petição. O partido assegura 246 lugares parlamentares (em 450).
Estava previsto que Zelensky reunisse com o partido que o apoia – nomeadamente com o grupo que tomou a iniciativa de publicar a carta com as severas reticências políticas à presidência.
Dias antes do surgimento da carta aberta, três partidos da oposição — o Solidariedade Europeia do ex-presidente Petro Poroshenko, o Batkivshchyna da ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko e o partido liberal Holos — também pediram um governo de unidade nacional que incluísse representantes da oposição. Os liberais foram mesmo mais longe, dizendo em comunicado que “o gabinete de ministros, nomeado de forma não transparente e que permitiu que uma crise desta magnitude se desenrolasse, deve renunciar sem demora”. “É agora evidente que a Presidência da República, que efetivamente monopolizou o poder estatal, chegou a um impasse, e a falta de pessoal qualificado e a ausência de uma reserva de juízes só aprofundam a crise política”, acrescentou o partido.
EUA e Rússia em negociações secretas para a paz na Ucrânia
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A Casa Branca e Moscovo estarão a trabalhar secretamente numa proposta para um cessar-fogo. Internamente, Zelensky enfrenta uma oposição aguerrida, vinda até do seu partido.