Aquilo que parecia ser apenas mais uma manifestação contra o acordo conseguido pelo líder do PSOE, Pedro Sánchez, com os partidos independentistas da Catalunha (Esquerda Republicana da Catalunha e Junts per Catalunya), em torno da lei da amnistia, acabou por resultar numa batalha campal de que os espanhóis já não tinham memória.
Foi o Partido Popular que começou há dias a incentivar a formação de manifestações que demonstrassem o seu desacordo face à futura lei da amnistia – que, no limite, retirará a Espanha do grupo de países europeus com presos políticos, sendo que não há mais ninguém nesse grupo. O seu aproveitamento pela extrema-direita institucional, o Vox, era evidente e, pelo menos para alguns analistas, esse aproveitamento iria ‘acordar’ grupos mais radicais que, sabe-se, existem em Espanha: ultra-nacionalistas e neo-nazis, com certeza saudosos dos passeios aéreos da Luftwaffe sobre Guernica.
A repetição do slogan que se transformou num manifesto depois do assalto ao Congresso norte-americano a 6 de janeiro de 2021 implica, dizem vários especialistas, não apenas o mimetismo do modo de atuação, mas a concordância com uma agenda necessariamente violenta e totalmente adversa à democracia enquanto sistema político de base.
As manifestações violentas – que acabaram por provocar pelo menos quatro dezenas de feridos – foram, segundo a imprensa espanhola, convocadas com o já tradicional recurso às redes sociais e partiram de grupos que se terão especializado na organização de atos violentos, ‘cobertos’ com a máscara mais benévola do combate político.
Um dos temores das autoridades de segurança, dizem as mesmas fontes, é a possibilidade de manifestações do género alastrarem pelo país. Ou alastrarem ainda mais: foram verificadas réplicas mais pequenas, menos violentas e com menores danos colaterais em várias localidades de várias regiões do país.
As críticas ao governo de Pedro Sánchez e ao processo de amnistia aos separatistas catalães agregam todo o PP, mas a linha dura é liderada pela presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, que acusou o líder socialista de transformar "o Estado de Direito, a separação de poderes, o respeito à Coroa e às forças e órgãos de segurança do Estado num mercado”. “Não vamos ser silenciados, vamos dizer claramente aos espanhóis o que significa esta amnistia. Diz-se que, se este crime for consumado, haverá dois tipos de espanhóis, mas é muito pior. Se essa indignidade triunfar, em breve não haverá espanhóis", disse Ayuso, citada pela comunicação social.
Conhecida por ter sido das primeiras personalidades do Partido Popular a quebrar a ‘cerca sanitária’ criada em torno do Vox, Ayuso consegui surpreender toda a gente quando, já depois dos graves distúrbios verificados em Madrid, disse que os seus responsáveis devem ser perseguidos, identificados, e levados à Justiça. Mas, para alguns analistas, esse era o único papel que a presidente da Comunidade de Madrid podia ter: a luta contra a lei da amnistia implica, dizem, uma observância rigorosa das leis do Estado e uma estrita condenação de tudo o que estiver para além de uma tomada de posição ‘bem educada’.
Alguma imprensa afirma que este tipo de manifestações pode vir a ser convocado novamente, à medida a que se aproxima a investidura de Pedro Sánchez, apoiada pelo Sumar e por vários partidos independentistas ou ligados às nacionalidades regionais.
Outro nota de discordância oriunda de várias fontes tem a ver com outra parte do acordo com os partidos da Catalunha – e que poderá viabilizar o perdão de uma parte da dívida daquela autonomia (20%, cerca de 15 mil milhões de euros). Se isso vier a suceder, a Catalunha fica evidentemente numa posição de grande favorecimento em relação a todas as outras autonomias. O que não só vai gerar protestos – que parecem ser o mais possível legítimos – como obrigará Pedro Sánchez a tomar medidas.
Uma delas, pode ser a de usar o Orçamento do Estado para repor alguma igualdade entre autonomias. O que levantaria um problema novo: a questão orçamental – numa altura em que Espanha está a apenas algumas décimas de ultrapassar a França e ascender ao Top3 das maiores dívidas públicas da União Europeia.