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EDP Renováveis já pôs à venda dois projetos eólicos na Colômbia

A companhia está no mercado a vender os projetos eólicos problemáticos na Colômbia. Objetivo é que a venda ajude a reduzir perdas após saída do país. A EDPR é a terceira empresa a desistir dos projetos eólicos no país este ano.

A EDP Renováveis (EDPR) tem dois projetos eólicos na Colômbia à venda. A companhia anunciou no final da semana passada a sua saída do mercado colombiano por falta de avanço nos projetos Alpha e Beta (500 MW). A decisão chega depois de outras empresas também terem anunciado este ano a sua desistência de projetos eólicos na mesma região: a colombiana Celsia e a italiana Enel.

"Temos um processo de venda a decorrer desde maio deste ano e os 700 milhões de euros são o pior cenário possível. Obviamente, se formos capazes de vender, então este valor seria mais baixo, mas não estamos a tratar isto como o cenário base. Então, nas próximas semanas ou meses, devemos ter mais visibilidade", disse o CEO da EDP Miguel Stilwell d'Andrade na semana passada.

"Foi uma decisão dura, não a queríamos ter tomado, mas pensamos que é no melhor interesse da empresa. É um caso isolado", afirmou, apontando que os projetos ainda iriam precisar de mais 400 milhões de dólares de investimento para avançarem. "E estes projetos estão a penalizar a empresa, tanto em termos de ganhos e de cash flow, e os projetos não se enquadram no perfil de risco da EDP. A Colômbia está fora dos nossos mercados de baixo-risco, com a Europa e os EUA a representarem mais de 80% dos nossos investimentos".

Os problemas na Colômbia continuavam a acumular-se: obstáculos regulatórios, o novo Governo (de Gustavo Petro, o primeiro presidente à esquerda do país) aprovou legislação que "impactou negativamente as contas do projeto", aumento dos custos de construção, a desvalorização do peso colombiano face ao dólar, aumento das taxas de juro locais.

O CEO garantiu que a companhia tem como objetivo manter o foco em "geografias de baixo risco, quer seja na América do Norte, os EUA basicamente, na Europa, alguns países específicos na Ásia-Pacífico. Não estamos a pensar em entrar em qualquer outro mercado de alto risco. Temos vindo a falar em reduzir o número de países para um número muito menor. Estamos atualmente acima de 20, portanto, abaixo de 20 países, e onde pensamos que podemos ter massa crítica suficiente e mais crescimento de longo prazo. E assim, sair de mercados menos interessantes".

O gestor até deu o exemplo de vários projetos que estão a ser desenvolvidos nos EUA "no tempo previsto e abaixo do orçamento".

Os 700 milhões de euros de perdas potenciais vão ser tratados como um evento não-recorrente, segundo a empresa que aponta que "não vai ter nenhum impacto no lucro líquido recorrente. Não vai ter nenhum impacto tanto na política de distribuição de dividendos da EDP e da EDP", segundo o CFO Rui Teixeira.

Em termos de lucro não-recorrente, o impacto na EDPR este ano será de 70 milhões de euros, adiantou Rui Teixeira. Dos 700 milhões de perdas potenciais, 500 milhões dizem respeito ao pagamento das turbinas que estão armazenadas no porto de La Guajira. Os restantes 200 milhões dizem respeito a garantias ou custos potenciais que podem vir a ocorrer em 2025 ou depois, segundo o CFO.

A região de La Guajira tem bons recursos eólicas, com um fator de utilização acima de 50%, destacou. A produção anual dos projetos atingiria 2,5 TWh.

Renováveis: caso já é político

O caso já chegou à esfera política. O senador José David Name deixou críticas ao Governo de Gustavo Petro. "O tempo para os projetos renováveis na Colômbia está a esgotar-se com os atrasos no licenciamento e consulta prévia, impactando os custos e a transição energética".

"A Anla [agência ambiental] e outros devem agilizar os processos para evitar mais obstáculos e assegurar um futuro energético sustentável", segundo o senador dos liberais do Partido de la Unión por la Gente, liderado pelo antigo presidente Juan Manuel Santos, citado pelo "El Colombiano".

A associação colombiana de energias renováveis (Ser Colombia) prevê que entre 2024 e 2025 entrem em operação 119 projetos renováveis. Mas quase metade (2,4 gigas) ainda aguardam licenças ambientais e técnicas. Para um projeto avançar são necessárias 15 licenças diferentes.

O que provocou esta desistência?

Durante a chamada com os analistas, o CEO fez um balanço dos problemas que a companhia enfrentou na Colômbia.

A EDPR entrou no país em 2019, tendo obtido as licenças ambientais para os dois projetos em agosto desse ano. Em outubro de 2019, fechou contratos PPA num leilão do Governo com a duração de 15 anos, com o contrato a arrancar supostamente em 2022. Na altura, a companhia investiu nas turbinas e no BOP [componentes elétricos do projeto].

Pelo meio, a pandemia provocou atrasos no licenciamento ambiental da linha de transporte, devido à consulta das comunidades indígenas.

No final de 2022, depois de o novo Governo tomar posse, houve "pedidos de ajustes substanciais no licenciamento ambiental da linha" o que provocou um "atraso material no processo de desenvolvimento". Isto implicou o aumento da consulta de comunidades indígenas de 56 para 113 "num processo muito longo e complexo".

A EDPR começou então a trabalhar com o novo Governo e instituições relevantes para mitigar o "efeito de atraso nos projetos e para resolver os desequilíbrios económicos".

Isto levou à publicação de um decreto de emergência publicado pelo Governo que suspendeu os PPA. A decisão acabou por ser revertida em outubro de 2023. A EDPR renegociou bilateralmente os PPA com 80% das entregas previstas de energia a estarem suspensas até meados de 2027. A companhia disse também que chegou a acordo com 100% das 113 comunidades indígenas. A expetativa é que a licença ambiental da linha de transporte seja concedida em fevereiro, mas isto "tem sofrido sucessivos atrasos".

Os projetos das centrais "estão numa fase avançada de desenvolvimento", tendo já as licenças. Já as 90 turbinas da Vestas estão armazenadas no porto de La Guajira.

"Ainda acredito que o projeto era viável", afirmou o CEO, "mas apesar de todos os nossos esforços, existe falta de clareza nas melhorias das receitas reguladas (…) A EDPR acredita que estes projetos já não se encaixam no perfil de risco e critério de investimento da empresa. Dado os atrasos na licença da linha de transporte, levou a um aumento dos custos. Houve renegociações com a cadeia de abastecimento, custos com a entrega de energia dos PPA, custos financeiros e outras despesas".

O gestor também apontou que desde 2019 que os custos da construção aumentaram, inflacionando também o capex destes projetos.

Comunidades indígenas têm contestado projetos na região

O JE tinha escrito em julho que a EDP iria decidir até ao final deste ano se iria avançar com a construção destas duas centrais eólicas.

Os projetos estão previstos para La Guajira, o departamento mais a norte da Colômbia. É uma região seca e árida, e é o segundo departamento mais pobre da Colômbia, mas tem uma grande mais-valia: virado para o mar das Caraíbas, o vento sopra ali duas vezes mais forte face à média global, e sem obstáculos naturais que impeçam a circulação do vento.

Com 17 projetos de energias renováveis em desenvolvimento na região, este número pode aumentar para 31 centrais eólicas a entrarem em operação nos próximos no médio prazo, e mais de 40 centrais a operar até 2034.

Neste departamento, vivem mais de 480 mil indígenas Wayuu, pesando mais de 46% na sua população. É um pouco mais pequeno que os distritos de Évora, Beja e Portalegre em conjunto. Tem havido vários protestos na região contra os projetos.